Política

Grande parte da insatisfação com a articulação do governo é pertinente, admite líder do PT na Câmara

A CartaCapital, Zeca Dirceu analisa relação com Arthur Lira, pressão do Centrão e convivência com a extrema-direita

O deputado federal Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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A insatisfação com a articulação política do governo Lula é, em grande medida, pertinente, embora o clima tenha se tranquilizado desde a tensão relacionada à medida provisória dos ministérios. A análise é do líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu.

Em entrevista a CartaCapital, o deputado paranaense afirmou que as queixas de parlamentares incluem a falta de convites para agendas de ministros em seus estados e a lentidão na execução orçamentária. Segundo ele, as avaliações têm recaído sobre o governo como um todo, não sobre ministros específicos.

Dirceu também relativizou “a infidelidade” do União Brasil, legenda que controla direta ou indiretamente três ministérios mas não vota em bloco com a gestão federal em matérias relevantes na Câmara. O petista sinalizou que a pressão do partido pela troca de Daniela Carneiro (União-RJ) por Celso Sabino (União-PA) no comando do Turismo decorre do desejo da sigla de “estar mais representada dentro do governo”.

O deputado ainda fez elogios à ministra da Saúde, Nísia Trindade, cujo cargo é objeto de cobiça do Centrão, devido ao orçamento e à visibilidade da pasta, e analisou os primeiros seis meses de convivência com a bancada bolsonarista na Câmara.

Leia os destaques da entrevista:

CartaCapital: Como está a relação entre o governo e Arthur Lira após a tensão na MP dos Ministérios?

Zeca Dirceu: As coisas se acalmaram, de certa maneira. Isso é importante para o País, para ter avançado pautas que tocam a vida das pessoas, como aprovamos o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos. Essa calmaria facilita muito o avançar da Reforma Tributária, que é crucial, e vai ajudar a volta do novo regime fiscal.

Agora, a calmaria, para mim, não significa que está tudo bem, tudo resolvido. Ainda há uma necessidade grande de o governo aprimorar a sua relação com o Congresso e de o Congresso entender que é um governo diferente daquela maneira irresponsável como o presidente anterior governou. Teremos ideia mais clara não nesses quinze dias antes do recesso, mas nas primeiras semanas e votações de agosto.

CC: As mudanças promovidas pelo Senado no arcabouço fiscal irritaram os deputados?

ZD: O fato de o Senado ter feito algumas mudanças pode ter aborrecido um ou outro líder, mas o Senado tem autonomia, tem independência. Não podemos ficar ditando o que o Senado faz, como eles também não podem ditar o que a Câmara faz.

CC: O PT espera que a mudança no comando do Turismo faça o União entregar mais votos ao governo na Câmara?

ZD: Não acho razoável essa avaliação feita de uma maneira mais focada no União Brasil. Até porque se a gente pegar a quantidade de votos entregues – porque é uma bancada grande -, eles entregaram uma quantidade grande de votos.

Olhar também as votações como um todo às vezes passa uma falsa impressão. Gosto de olhar poucas votações, aquelas muito importantes e decisivas. O União esteve com a gente na PEC da Transição, em dezembro, que acho que valeu por todo o ano. Aquela votação do Marco do Saneamento, em que o União teve protagonismo na derrota do governo, teve pouca importância, pouco impacto.

Isso não quer dizer que o governo não deva e o União não queira estar mais representado dentro do governo. Isso é um desejo do União e de todos os partidos, inclusive do PT, e é um desejo legítimo.

Se a gente olhar nos outros páises, troca de ministros é algo normal, natural. Não faço nenhum tipo de julgamento precipitado ou duro sobre isso. E o presidente Lula tem habilidade, experiência e um ótimo ministro da articulação política [Alexandre Padilha, das Relações Institucionais]. Ele saberá o momento adequado de fazer essas mudanças.

CC: O Centrão pressiona, também, para assumir a Saúde. Como o governo poderá resistir?

ZD: Primeiro, o mais importante: a ministra Nísia está fazendo um trabalho maravilhoso, impecável. É muito preparada, muito competente e tem dialogado – eu mesmo fui recebido várias vezes, ela já esteve no Paraná cumprindo agendas. O Ministério da Saúde melhorou muito.

O que eu disse a todos os ministérios é que é natural que partidos queiram ocupar um espaço maior. Nem sei se há essa tratativa específica sobre a Saúde.

CC: Mas como o governo pode lidar com a pressão do Centrão em um Congresso no qual a esquerda, sozinha, não forma maioria?

ZD: Preciso considerar, por exemplo no caso do Turismo, não o que está nas redes sociais ou o que algum militante diz, mas o que diz o líder do União Brasil, que tem a confiança do conjunto da bancada. E eu acabo convivendo, por exemplo, com os deputados do União Brasil do Paraná, com os deputados do União Brasil na Comissão de Educação… Eles de fato estão dizendo que vão se sentir mais representados, mais confortáveis e que vão ter um comprometimento maior com o governo se essa troca acontecer.

Agora, isso em nada desabona o trabalho da ministra Daniela. É dedicada, trabalhadora, viaja, já tomou decisões de inovação e melhorias na ação de fortalecer o Turismo, que é algo extremamente importante para o Brasil.

CC: Lula deve entrar pessoalmente com mais força na articulação com o Congresso? As críticas à articulação do governo são procedentes?

ZD: Ele sempre participou, sempre foi importante. O presidente sempre será o maior articulador político. Em dezembro, ele foi o fiel do acordo que aprovou a PEC da Transição. Ele foi logo após a eleição fazer uma visita ao presidente Arthur Lira. Depois, em março, em abril, em outros momentos ele também tomou a iniciativa.

A avaliação que existe da articulação política é de um todo do governo, não de um ministro específico. Há uma insatisfação, por exemplo, com a velocidade da execução orçamentária, com a dimensão do que cada deputado pode influenciar na execução orçamentária. Essa é uma questão de todos os ministros, [principalmente] daqueles que detêm um orçamento muito grande.

Há muita queixa de viagens que ministros faziam – acho que agora melhorou bastante – e não avisavam os parlamentares dos estados. Havia críticas de anúncios de medidas que pegavam todo mundo de surpresa, a ponto de até o presidente Lula fazer uma crítica.

Muito da insatisfação que tinha – ou ainda tem – é pertinente e não é personificada em um ou outro ministro, mas no conjunto da obra. E é um tipo de problema que todos os governos vivem.

CC: Qual é o seu balanço sobre os primeiros seis meses da bancada governista? E dos deputados de extrema-direita?

ZD: Preciso enaltecer a bancada da federação, do PV, do PCdoB e, em especial, do PT, que foi de uma lealdade imensa com o governo e, além de ajudar muito, não atrapalhou quase nada. Foi um ou outro, dois, três, quatro deputados que destoaram às vezes em uma fala ou uma crítica, mas, fora isso, a bancada esteve muito unida em todos os momentos, com 100% dos seus integrantes.

Pode parecer obrigação – e até é -, mas, se a gente relembrar outros governos, nunca foi assim. No primeiro governo do presidente Lula, quem mais atrapalhou o governo foi justamente a bancada do PT, tanto que teve a saída de vários deputados, com a criação do PSOL.

A oposição foi perdendo força. Os ‘bolsonaristas raiz’, os extremistas de direita estão totalmente isolados. É só tirar uma foto, fazer uma filmagem do plenário. Ninguém quer conversar com esse pessoal, ninguém chega perto, ninguém nem cumprimenta. Os extremistas de direita estão isolados, sem protagonismo, sem papel de qualquer relevância relatando projeto, fazendo denúncia, alguma cobrança que faça sentido.

Eles continuam se destacando com a mesma tática que foi uma tragédia para o País nos últimos quatro anos, com a mentira, o ódio, a violência, a aposta no conflito. E tem um elemento novo agora, que é a palhaçada, que é ser ridículo, algo que deu algum destaque a eles. Mas isso é trágico, é melancólico.

CC: O que esperar do julgamento de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral?

ZD: Converso com muitos juristas e especialistas em direito eleitoral e 100% dão como certa a inelegibilidade do ex-presidente. Não só pelos crimes que vão ser julgados agora de largada, mas ele no final atentou contra a democracia.

Não é o julgamento que está na pauta ainda, mas isso é imperdoável. Quem não respeita o regime democrático, quem não respeita o sistema de votação e a própria Justiça Eleitoral não pode continuar elegível.

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