Política

Após Bolsonaro, Lira chega à reeleição sob ‘reposicionamento’ e Pacheco reforça discurso pró-democracia

A eleição para a presidência da Câmara e do Senado ocorre nesta quarta-feira 1º

O presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Demorou menos de uma hora para que Arthur Lira (PP-AL) reconhecesse, em 30 de outubro, a vitória de Lula (PT) depois de o Tribunal Superior Eleitoral atestar a derrota de Jair Bolsonaro (PL). O presidente da Câmara iniciava ali um processo de “reposicionamento de marca”, afastando-se progressivamente da extrema-direita e pavimentando o caminho para sua recondução com o apoio do PT.

A eleição para a presidência da Casa ocorre nesta quarta-feira 1º, com três candidatos. Lira tem o apoio de 20 partidos, que somam 496 deputados. Na véspera da votação, Marcel Van Hattem (Novo-RS) anunciou sua candidatura. Até a terça 31, o único oponente de Lira na disputa era Chico Alencar, do PSOL – como de praxe, a sigla de esquerda decidiu lançar um postulante para marcar posição.

“Arthur Lira não só foi aliado de Bolsonaro até o último instante, como foi conivente com todos os crimes cometidos ao longo de quatro anos. Ele rasgou o regimento da Câmara inúmeras vezes, perseguiu adversários – inclusive do PSOL – e priorizou uma agenda de retrocessos”, afirmou a CartaCapital o presidente do PSOL, Juliano Medeiros.

“Entendo a posição de outros partidos da base ao apoiá-lo, mas o PSOL não pode passar uma borracha nesse histórico. Por isso, Chico Alencar representa um voz dissonante nesse movimento de apoio a Lira.”

O apoio petista a Lira, longe de afinidade ideológica, é questão de sobrevivência. Sem a possibilidade de apresentar um oponente competitivo, a tentativa é de evitar a repetição do que ocorreu em 2015, quando o PT lançou Arlindo Chinaglia para enfrentar Eduardo Cunha. À derrota da esquerda seguiu-se, um ano mais tarde, a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

“Não é hora de fazer luta política, marcar posição, mostrar distinção entre partidos e deputados”, argumenta o novo líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR). Segundo ele, a eleição à presidência da Casa não envolve uma disputa real, mas “uma organização de forças e de proporcionalidade para a ocupação dos espaços de comando”.

Lira exerceu a presidência da Câmara com um poder sem precedentes, irrigado majoritariamente pelo orçamento secreto, uma espécie de moeda de troca entre o governo federal e o Congresso Nacional, já que essas emendas não precisavam ser distribuídas de forma igualitária entre os parlamentares.

Assim, Lira e a gestão Bolsonaro contemplaram deputados e senadores aliados com verbas além daquelas a que eles teriam direito. O mecanismo foi utilizado pelo ex-capitão para angariar apoio em votações importantes, em uma prática que ficou conhecida no meio político como “toma lá, dá cá”.

Em julho passado, Lira literalmente vestiu a camisa de Bolsonaro e foi exaltado na convenção em que o PL apresentou oficialmente a candidatura do então presidente da República à reeleição. Quatro meses depois, o deputado foi xingado por bolsonaristas em um jantar promovido pelo PL, devido ao seu diálogo com Lula. Rei morto, rei posto.

Lira teve, de fato, papel de destaque nas primeiras batalhas do novo governo petista no Parlamento. Em dezembro, costurou a aprovação da PEC da Transição, a viabilizar a recomposição de um Orçamento capenga deixado por Bolsonaro. A proposta garantiu, por exemplo, o Bolsa Família de 600 reais.

Também deu uma resposta contundente aos atos terroristas de 8 de janeiro, quando, além de condenar a ação bolsonarista e cobrar punição, levou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime contra vândalos que depredaram as instalações da Câmara. Dias depois, articulou a célere aprovação da intervenção decretada por Lula na Segurança Pública do Distrito Federal e, de quebra, levou figuras da oposição para rechear um encontro do petista com os chefes dos Poderes no dia 9, em Brasília.

Ao longo de 2021 e 2022, os dois anos de seu mandato, Lira foi um fiel aliado de Bolsonaro. Sentou-se sobre as centenas de pedidos de impeachment, apesar dos reiterados crimes de responsabilidade. Foi, também, fundamental para garantir a aprovação de medidas eleitoreiras planejadas para turbinar a campanha do então presidente. A política real, no entanto, se impôs sobre eventuais críticas do PT à atuação de Lira.

“O PT, ao longo dos últimos anos, por decisões equivocadas na hora de compor nas eleições de presidência da Câmara, acabou ficando em espaços secundários, em comissões de menor importância, sem exercer o poder que o tamanho da bancada determina e permite”, reconheceu Zeca Dirceu a CartaCapital. “Então, acho que estamos corrigindo uma sequência de decisões que não foram das mais acertadas em outras legislaturas.”

No Senado, ao contrário da Câmara, a disputa não é apenas aparente. O presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), candidato à reeleição, é o favorito, mas a extrema-direita aposta de fato na candidatura de Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Jair Bolsonaro.

Pacheco, apoiado pelo governo Lula, declara a interlocutores ter mais de 50 votos. Marinho, por sua vez, alega ter 34 votos garantidos. Se ambos estiverem dizendo a verdade, há senadores fazendo uma espécie de “jogo duplo”. Eduardo Girão (Podemos-CE), também um bolsonarista que decidiu se lançar à disputa, não tem chances reais.

Marinho parte de 23 votos com o apoio formal do bloco PP-PL-Republicanos, o coração do Centrão. Também terá endosso majoritário da pequena bancada do PSDB e conta com dissidências em siglas como União Brasil, MDB, Podemos e até o PSD. Pacheco, por sua vez, tem aliança oficial com MDB, PT, União Brasil, PSB e PDT, além, por óbvio, do PSD. O desafio é evitar traições.

Nos últimos dias, Pacheco tem reforçado o que parece ser o mote de sua campanha: a harmonia institucional. No último fim de semana, disse à Folha de S.Paulo que sua candidatura “representa a defesa do Estado de Direito e o fortalecimento da democracia no País”.

“É a candidatura que acredita nas urnas eletrônicas, na ciência, que respeita os pares, que busca a união do País, que busca respeitar as demais instituições, que busca estabelecer limites através da legislação e não do revanchismo, da retaliação a outro Poder.”

Na última segunda 30, Bolsonaro participou por videoconferência, direto dos Estados Unidos, de um jantar de confraternização do PL. Ele alegou que a candidatura de Marinho significa a busca “pelo reequilíbrio dos Poderes”. Trata-se de uma referência negativa ao Supremo Tribunal Federal, a indicar que o bolsonarismo planeja usar uma eventual presidência do Senado para continuar a fustigar o Judiciário.

No Senado, vencerá a disputa já no primeiro turno o candidato que obtiver maioria absoluta dos votos (41). Se isso não ocorrer, os dois mais votados disputarão a segunda rodada, o que seria inédito. A votação é secreta.

Na Câmara, também em votação fechada, levará a melhor aquele que conquistar 257 dos 513 votos possíveis. Também há previsão de segundo turno para o caso de não haver maioria absoluta na primeira análise.

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