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Os principais desafios de Magda Chambriard após assumir o comando da Petrobras

A gestão de uma empresa como a Petrobras exige capacidade de equilíbrio entre interesses de acionistas ansiosos por dividendos e a sustentabilidade financeira de longo prazo

Magda Chambriard, a nova presidente da Petrobras. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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O anúncio da troca na presidência da Petrobras, na última terça-feira 14, transformou a divulgação dos resultados financeiros do primeiro trimestre de 2024, realizado horas antes, no último ato de Jean Paul Prates à frente da companhia. O nome escolhido para substituí-lo na gestão da estatal foi o de Magda Chambriard, engenheira química com extensa experiência no setor de óleo e gás.

A gestão de uma empresa pública, estratégica e de capital misto como a Petrobras é sempre complexa e, desde a abertura de seu capital ainda nos anos 1990, exige uma capacidade de equilíbrio entre os interesses de curto prazo de seus acionistas minoritários ansiosos por dividendos e sua sustentabilidade operacional e financeira de longo prazo. Esse desafio segue colocado à nova gestão da companhia e ao País.

O acelerado processo de desmonte e desnacionalização da Petrobras nos últimos anos (20162022), decorrente de uma visão estratégica de curto prazo e descolada do interesse público nacional, não só desequilibrou essa relação, como aprofundou desafios estruturais e restringiu a potencial da Petrobras como um instrumento de política industrial, transformando a empresa em uma máquina de pagamentos de dividendos. Isso, somado às mudanças regulatórias setoriais e na governança da empresa realizadas no passado recente, torna ainda mais árdua a tarefa de retomada do seu caráter público e integrado.

A capacidade de resgatar essas características e a visão de longo prazo definirão o papel estratégico da Petrobras no presente e no futuro.

Em seus 474 dias à frente da estatal, a gestão Prates enfrentou resistências múltiplas – internas e externas à estrutura de governança da estatal. Apesar disso, iniciou um processo gradual de reorientação estratégica da companhia que incorporou novos debates, como o da transição energética, e substituiu uma política comercial desastrosa. No entanto, sua gestão, ainda constrangida pela preservação de um foco na rentabilidade de curto prazo, “disciplina de capital” e um “compromisso” de controle do endividamento, não foi capaz de alavancar um plano de investimentos robusto e dinamizador da cadeia de óleo e gás no País.

Entre as principais realizações da gestão que finda estão a mudança na política comercial de preços para o diesel e para a gasolina, antes orientada exclusivamente pela paridade de importação. Tal decisão contribuiu para reduzir a exposição brasileira às dinâmicas de volatilidade internacional dos preços do petróleo e seus derivados, sobretudo em um contexto de tensões geopolíticas e crise energética.

Outra contribuição foi o aprimoramento na Política de Remuneração aos Acionistas, que reduziu de 60% para 45% o percentual mínimo de participação da distribuição de dividendos no fluxo de caixa livre trimestral da empresa. Essa iniciativa apontava na direção de redução do patamar de dividendos pagos, entretanto, ao não atacar a flexibilidade dessa política, possibilitou a distribuição de cerca de 107 bilhões de reais em dividendos e juros sobre capital próprio durante sua gestão, o equivalente a 68,5% do lucro líquido gerado no período.

Prates ainda realizou mudanças no Estatuto Social da companhia, com objetivo de reduzir algumas das restrições impostas pela Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) a sua estrutura de governança, e solicitou a renegociação dos Termos de Compromisso de Cessação do refino e gás celebrados com o Cade.

Por fim, vale ressaltar que sua gestão contribui para recuperação dos indicadores operacionais da companhia, em especial no segmento de exploração e produção (E&P) e no uso intensivo de seu parque de refino, além de incorporar definitivamente o tema da crise climática na companhia ao criar a diretoria de Transição Energética e Sustentabilidade.

Contudo, alterar a rota da maior empresa petrolífera da América Latina não é tarefa simples, e diversos desafios estruturais seguem colocados à Petrobras e a sua nova gestão, agora liderada por Magda Chambriard, dentre os quais destacam-se:

  1. Retomada de uma política de recuperação das reservas da companhia no longo prazo, pensando em novas fronteiras, como a Margem Equatorial, mas incluindo também outros potenciais exploratórios onshore no nordeste brasileiro e nas bacias offshore de Pelotas e Margem Leste;
  2.  Expansão da capacidade instalada e eficiência do parque de refino nacional, com objetivo de reduzir a dependência da importação de derivados e exposição à volatilidade internacional de seus preços;
  3. Ampliação da infraestrutura de escoamento de gás natural no País, insumo importante para descarbonização do parque industrial brasileiro;
  4. Retomada de uma política industrial ativa de conteúdo local, capaz de dinamizar segmentos estratégicos da cadeia de óleo e gás, tais como a indústria naval e o setor de logística;
  5. Definição de uma estratégia ambiciosa e transparente do papel da Petrobras na promoção da descarbonização da matriz energética nacional e para a transição energética, através de pesquisa e desenvolvimento de novas rotas tecnológicas de baixo carbono.

Para o Ineep, é imprescindível que a Petrobras retome seu caráter público, avance na retomada de uma empresa vertical e integrada de energia e seja indutora da transição energética justa no País, valorizando as forças produtivas nacionais. Para isso, é incontornável que haja a:

  • Revisão do horizonte temporal do processo de planejamento da Petrobras, com retomada da construção de planos estratégicos de longo prazo;
  • Reavaliação dos parâmetros de distribuição de remuneração a seus acionistas;
  • Paralisação, revisão e reversão de todos os processos de venda de ativos e termos de compromisso com Cade;
  • Retomada de uma política exploratória ativa e própria, com expansão para novas áreas e respeito a legislação e parâmetros ambientais;
  • Expansão e aprimoramento do atual parque de refino da companhia, com objetivo de garantir acesso e preços justos de derivados e a segurança energética nacional;
  • Ampliação dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação para o desenvolvimento de novas rotas tecnológicas e a promoção da transição justa, privilegiando parcerias com universidades públicas brasileiras, bem como a retomada dos investimentos na Universidade Petrobras;
  • Descarbonização das atividades da companhia;
  • Atuação estratégica e posição de liderança da companhia na geração de energia através de fontes renováveis, em especial, nos segmentos eólicos, fotovoltaicos e de hidrogênio verde, priorizando arranjos produtivos locais e pequenos agricultores;
  • Revitalização do programa de biocombustíveis, com preservação da PBio (Petrobras Biocombustíveis);
  • Retomada dos investimentos nos segmentos de fertilizantes, petroquímica, logística e comercialização;
  • Valorização de sua força de trabalho.

A Petrobras pode e deve ser uma ferramenta política para promoção de um projeto de desenvolvimento nacional soberano do ponto de vista industrial, tecnológico e energético. As empresas públicas devem ser instrumentos nucleares de um projeto de neoindustrialização, pesquisa e inovação. Diante do cenário de urgência climática e do potencial brasileiro, os processos de descarbonização, desenvolvimento de novas rotas tecnológicas e transição justa são oportunidades para um reposicionamento do País na divisão internacional do trabalho. Esse é o desafio hoje, para o País e para a Petrobras, sob o risco de reprodução de nosso caráter dependente e primário exportador.

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