Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

Não acreditavam em golpe – mas que havia, havia! 

Não é porque o golpe não se concretizou que sua ameaça se dissipou. Ao contrário

Foto: Alan Santos / PR
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Há um ano, nesta mesma coluna, escrevi um texto discutindo os sinais inquestionáveis de uma possibilidade de golpe patrocinado e executado por setores das Forças Armadas e do governo Bolsonaro, ainda que isso seja um claro pleonasmo. 

Na ocasião, alertava que já deveríamos ter passado da fase de discussão sobre se haveria ou não haveria golpe, mas qual era o plano de golpe, afinal, àquela altura, não havia mais lugar para dúvidas e esse deveria ser o serviço que o jornalismo deveria prestar naquele momento. Quis a vida que, um dia antes do aniversário da referida coluna, a revista Veja divulgasse em detalhes os planos de golpe extraídos do celular do militar Cid Gomes, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. 

Como era de se esperar, aquela coisa que tinha cara, cheiro e estilo de golpe era golpe mesmo. Mesmo que existam muitas lacunas a preencher neste emaranhado de histórias contido no celular de Mauro Cid, não há margem para que ainda insistam que o risco que a democracia do Brasil correu ao longo de 2022 e início de 2023 foi algo superestimado ou, no limite, uma ficção. 

Por que o golpe não aconteceu? Não creio que a tese da incompetência dos envolvidos tenha força explicativa

Nunca foi. Era algo concreto. O plano, ao que tudo indica, vinha de longe, tinha adesão – principalmente, de militares. As digitais dos militares estão por todo o canto. Mas, como costuma ser de praxe, os fardados continuam a ser tratados com um enorme e descabido benefício da dúvida por articulistas, lideranças de opinião e na maior parte da cobertura da grande imprensa. E, como já é bastante evidente para quem costuma passar por essa coluna, essa é uma questão crucial no meu entender. 

Não há uma lista extensa dos militares envolvidos diretamente na empreitada (e dificilmente haverá), mas creio que já temos evidências robustas de que o envolvimento militar não é individualizado, mas institucional. 

A primeira diz respeito ao fato de que os militares afrontaram e confrontaram a tudo e a todos para manter manifestações golpistas em frente aos seus quartéis. Aquilo nada mais foi do que uma investimento numa incubadora de protestos e outras ações golpistas, como se viu no início de 2023. 

Eis a segunda evidência: pelo visto, não havia apenas um plano de golpe, mas ao menos três: a minuta encontrada com Anderson Torres, o plano encontrado no celular de Mauro Cid e sua conversa conspiratória com o então subchefe do Estado Maior do Exército e o 8 de janeiro. E não podemos pensar no 8 de janeiro sem pensar nos quartéis. 

Os ataques às sedes dos Três Poderes, como me parece demonstrado, foram apenas uma primeira etapa de um plano que continha outras fases, a exemplo da possibilidade de Lula baixar uma GLO e dar aos militares um poder perigoso de condução da crise então posta. Caso tivessem conseguido essa carta branca, a disputa das Forças Armadas com o governo eleito estaria posta e teríamos protestos de rua que, certamente, seriam usados pelos militares para argumentar em favor de uma necessidade de reestabelecer a ordem – ou seja, de, efetivamente, governar. Era a aposta no caos para se venderem como salvadores da Pátria. Roteiro terrivelmente clichê. 

Obviamente, e talvez com muita sorte, saltamos sobre essas fogueiras. Mas preciso insistir em uma questão-chave. Por que o golpe não aconteceu? Não creio que a tese da incompetência dos envolvidos tenha força explicativa. É mais complexo que isso. Eu não creio que foi por falta de vontade e articulação. Igualmente, não creio que a derrota de Donald Trump tenha feito qualquer diferença na história. Se tivesse vencido, continuaria tratando Jair Bolsonaro com o mesmo desdém que um sabujo merece. Além disso, os militares americanos nunca embarcariam nessa aventura de aloprados. 

Há muito variáveis aí, mas acho que, mesmo tardiamente, movimentos pró-democracia fizeram a diferença. Conseguiram, ainda que de forma capenga, elevar o custo de um golpe, gerando um clima de opinião e muitos constrangimentos públicos que melaram o plano original. Um dos exemplos cruciais foi a manifestação na Faculdade de Direito da USP. A aura quase aristocrática da coisa, inclusive, implicou muita gente importante na defesa da democracia e levou a uma intensidade fundamental na cobertura da imprensa, gerando requentes por um bom tempo. 

Mas também é preciso lembrar da rápida manifestação de autoridades e lideranças políticas internacionais reconhecendo o resultado das urnas – o que não foi, nem de longe, uma mera coincidência, mas resultado do trabalho de muitas instituições brasileiras. 

Não houve, mas que havia, havia. E não é porque o golpe não se concretizou que sua ameaça se dissipou. Ao contrário. Enquanto nossas Forças Armadas continuarem sendo as grandes tutoras da política brasileira, estaremos sempre atados a esse nó antidemocrático, ainda mais quando, como se vê, a impunidade é a grande força das Forças. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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