Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

A empreitada bolsonarista para 2022 é cada vez mais golpista

Não devemos nos conceder o direito de achar que militares são figuras teleguiadas por Bolsonaro. Não são. São parceiros e cúmplices

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Já era tempo, mas tomara que não tenhamos perdido tempo demais. A tese da tentativa de golpe por parte de Jair Bolsonaro deixou de ser menosprezada, quando não desprezada por setores sociais relevantes e fundamentais para o regime democrático do País. Ou, ao menos, o que ainda resta dele.

Políticos, articulistas, jornalistas e até ministros do Supremo Tribunal Federal já falam abertamente ou dão sinais discretos, mas igualmente claros, de que a empreitada bolsonarista para 2022 é cada vez menos eleitoral e cada vez mais golpista. A declaração do ministro Luís Roberto Barroso, que tanto rebuliço provocou em diversas arenas públicas, confirma o que afirmo. Segundo o ministro, militares estão sendo “orientados a atacar as eleições”.

Não é bem verdade, mas já é uma boa coisa. Militares não estão sendo orientados a nada. Os militares, com raras e nobilíssimas exceções, não se distinguem de Bolsonaro no que tange ao entendimento sobre o que é democracia, como a política deve ser gerida e, o mais importante, como seus interesses e visões devem se sobrepor a qualquer tipo de pacto democrático e civil.

Já cansei de escrever por aqui, mas não custa repetir sempre que o momento exige: figurões do alto escalão das Forças Armadas emparedaram e ameaçaram instituições fundamentais para abrir o caminho para Bolsonaro rumo ao Palácio da Alvorada. Houve uma claríssima ameaça de golpe por parte de militares caso o STF decidisse a favor de um habeas corpus que colocaria Lula de volta ao páreo em 2018.

Não é coincidência, portanto, que estejamos a falar de um golpe sendo armado contra o sistema eleitoral por parte de figuras que protagonizaram um golpe eleitoral há menos de quatro anos. Também não é coincidência que o STF continue sendo o alvo principal dessas pessoas. Não devemos nos conceder o direito de achar que militares são figuras teleguiadas por Bolsonaro. Não são. São parceiros e cúmplices.

Mas eis o ponto fundamental que talvez esteja escapando a muitos e muitas. Na esteira da declaração de Barroso, o Ministério da Defesa soltou uma nota repudiando a declaração do ministro. Deem uma conferida no conteúdo e procurem alguma afirmação clara e direta de que os militares respeitarão qualquer resultado que venha da apuração das urnas. Não há.

Na mesma toada, o General Heleno foi ao Twitter repudiar a argumentação do magistrado e afirmar que as Forças Armadas estavam sendo “orientadas, como sempre, a ajudar a lisura (sic!) do evento”. Como sabemos, o diabo mora nos detalhes, ainda mais quando estamos a tratar de expressões verbais e escritas. Reflitam sobre o que o General Heleno considera como “lisura” aplicada às eleições de 2022.

A resposta está embutida numa pergunta simples: quem, num Estado de Direito, num regime democrático, atesta a lisura de um processo eleitoral? No caso brasileiro, não há meia-volta ou alternativas de respostas. A resposta é  uma só: as instituições competentes em matéria de sistema eleitoral. Em nosso caso, o Tribunal Superior Eleitoral. Será que é isso que pensa Heleno? Para um general que faz parte de um governo que não respeita sequer decisões de uma Suprema Corte, não será o TSE o fiador da lisura do resultado eleitoral de 2022.

O próprio Bolsonaro, alguns dias depois, já cantou a pedra do golpe: vai ter militar fazendo (ou tentando fazer) apuração paralela de votos. Não será difícil de imaginar que resultado eles encontrarão.

Vou terminando esta coluna refazendo a pergunta anterior, mas aplicando-a de forma ampla. Há muita gente por aí dizendo que um golpe é improvável porque não há uma coalizão ou convergência de forças políticas e econômicas para sustentar um golpe. Bom, nem vou entrar nos pormenores de que o golpe de 1964 não tinha lá tanto planejamento e tantas forças envolvidas com um João Goulart gozando de alta popularidade, segundo pesquisas da época. Também não tratarei do fato de que, definitivamente, 2022 não é 1964 e vivemos tempos para lá de peculiares.

Quero apenas perguntar: quantos entidades de classe, principalmente as patronais, federações, conglomerados de comunicação, FIESP, Febraban e outros chamados “donos do PIB” já se manifestaram em favor do respeito às eleições em termos que não vagos e eufemísticos à lá notas e tweets de militares? Quantos já se manifestaram publicamente que aceitarão qualquer resultado eleitoral referendado pela entidade eleitoral máxima de nosso Estado de Direito, o TSE?

São duas as conclusões que ofereço para a falta de respostas a essas perguntas.

1) Eu recomendaria muita cautela antes de achar que Bolsonaro e os militares estão tão sozinhos nesta, afinal, até aqui, estamos muito longe de uma pacto democrático envolvendo toda a sociedade brasileira, principalmente no andar de cima, em favor da democracia;

2) Aos que estão trabalhando pela democracia, em favor do respeito a qualquer resultado eleitoral, já é mais do que hora de exigir (ou ao menos constranger publicamente) que as grandes organizações, corporações, entidades de classe e federações com grande influência política e econômica deixem bem claro que estão ao lado da democracia. Em outras palavras, que apoiam a autoridade do TSE. Sem isso, amigos e amigas, o que temos, no limite, são só posições lacunares, quando não cínicas sobre a gravidade do que nos avizinha em muito breve.

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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