Liszt Vieira

Professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond)

Opinião

Marina Silva e a ressurreição do Meio Ambiente

Sua liderança no Ministério do Meio Ambiente é garantia de que o novo governo adotará políticas públicas de sustentabilidade socioambiental e retomará seu papel de liderança internacional

Marina Silva e Lula. Foto: Ricardo Struckert
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A confirmação da ex-ministra e atual deputada federal Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) é uma notícia alvissareira. No que diz respeito à questão ambiental, Marina é um ícone, nacional e internacional. Uma outra indicação, com todo o respeito, se limitaria provavelmente apenas à burocracia ambiental.

A tarefa de reconstrução do MMA vai exigir enormes esforços. Como assinalou o relatório da equipe de transição, “A destruição ambiental nos dois últimos anos foi a maior em 15 anos. Em quatro anos, o governo Bolsonaro destruiu 45 mil km² com desmatamento só na Amazônia. É notório o rebaixamento organizacional e a falta de compromissos com os acordos internacionais”.

Segundo os cientistas, a Amazônia estava chegando a um “ponto de não retorno”, a partir do qual entraria em processo automático de autodestruição. Bolsonaro deixa aumento de 60% no desmatamento e perda de 18 bi em multas, indica o Relatório.

De acordo com o texto, o governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social, e órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental.

O documento citou ainda a perda de crédito do Brasil junto à comunidade internacional e o abandono das populações tradicionais, que não foram reconhecidas em seu trabalho de preservação dos biomas brasileiros e em sua contribuição para a sustentabilidade ambiental e social.

Marina terá pela frente enormes desafios para reconstruir as instituições responsáveis pela política pública de proteção ao meio ambiente e levar o Brasil de volta ao protagonismo internacional na área ambiental. Ninguém melhor do que ela pode levar avante essa tarefa. Mas os obstáculos não podem ser desprezados.

Ao assumir o governo em janeiro de 2019, Bolsonaro declarou: “Vim para destruir, não para construir”. E, como sabemos, destruiu o que pôde nas áreas de saúde, educação, ciência, cultura, meio ambiente, direitos humanos etc. Seguiu a cartilha de Olavo de Carvalho, que certamente se inspirou em seu guru neoliberal Milton Friedman.

Em seu livro A Doutrina do Choque, a escritora Naomi Klein narra a história do psiquiatra canadense Ewen Cameron, que administrava choques elétricos para erradicar o mal do cérebro humano e produzir novas personalidades. A ideia era colocar os pacientes em estado caótico para serem “apagados” e “regravados” como cidadãos- modelo e anticomunistas. O cérebro seria reformatado e reescrito. Os pacientes ficavam um mês numa verdadeira câmara de tortura, eram tratados com fortes choques elétricos para apagar a memória e recebiam drogas que alteravam a consciência. As “pesquisas” de Cameron foram financiadas pela CIA e ocorreram durante a Guerra Fria.

Ninguém melhor do que ela pode levar avante essa tarefa. Mas os obstáculos não podem ser desprezados.

Naomi Klein associa essa técnica à doutrina do famoso economista Milton Friedman, pai do modelo neoliberal. Na terrível tragédia de 2005 em Nova Orleans, o furacão Katrina arrancou edifícios de suas fundações e provocou uma enorme inundação em que muitas pessoas morreram afogadas em suas próprias casas. Friedman propôs aproveitar o caos para reformar radicalmente o sistema educacional no sentido neoliberal de privatização. O capitalismo do desastre usa o choque para aumentar a desigualdade e enriquecer a elite. Friedman propunha um estado social de choque para a reprogramação neoliberal da sociedade.

Era esse o modelo que Bolsonaro tentou seguir. À luz dessa informação, fica mais fácil compreender sua política de “terra arrasada” como, por exemplo, seu negacionismo da pandemia e sabotagem da vacina e do uso de máscara. O corte de verbas para pesquisa científica, educação, saúde, meio ambiente, habitação etc. encontram explicação nessa lógica da doutrina do choque, de um capitalismo de destruição para uma futura reconstrução neoliberal da sociedade, baseada no mercado e suprimindo a possibilidade de o Estado fornecer serviços públicos de qualidade.

Sabemos que, atualmente, de toda a energia consumida no mundo, cerca de 85% advêm da queima de combustíveis fósseis (34%, da queima de petróleo bruto, 27%, do carvão e 24%, do gás natural). As demais fontes renováveis combinadas representam apenas 15%. Outra importante fonte de emissões advém de mudanças do uso do solo, fruto da expansão não sustentável da fronteira agropecuária, da grilagem de terra, desmatamento e limpeza primitiva do terreno (queimadas), muitas vezes ilegais. No caso do Brasil, o desmatamento é o principal vilão da contribuição brasileira para o aquecimento global.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC, órgão das Nações Unidas, lançou em fevereiro de 2022 seu mais recente relatório advertindo sobre as graves consequências se a temperatura global ultrapassar 1,5 º C. De acordo com o Relatório, no que se refere ao Brasil as consequências previsíveis são as seguintes, segundo o site Clima Info:

– O calor e a umidade ultrapassarão os limites da sobrevivência, se a humanidade não for capaz de fazer a necessária redução das emissões de gases de efeito estufa.

– Secas e enchentes devastarão as casas e os meios de subsistência no Brasil se governos e empresas não cortarem radicalmente as emissões de gases de efeito estufa.

– A produção de alimentos será afetada pelas mudanças climáticas.

– O Brasil enfrentará graves prejuízos econômicos se as emissões nacionais e globais não forem reduzidas rapidamente.

– O Brasil será atingido pelos efeitos de eventos extremos que acontecem em outros lugares.

A devastação ambiental traz consequências graves em termos de eventos climáticos extremos. O que já sabemos é que não basta discutir a transição energética para reduzir e no limite suprimir os combustíveis fósseis em favor de energias renováveis. Isso é um grande passo, mas será necessário enfrentar o desafio de uma transformação ecológica que vai exigir um novo modo de vida e de produção.

A sobrevivência da humanidade está em risco pelo esgotamento, em futuro previsível, de matérias-primas essenciais à vida humana, tendo em vista o uso abusivo de recursos naturais que destroem a biodiversidade e liberam gases de efeito estufa, provocando o aquecimento global, com enorme impacto nas mudanças climáticas. O que está em questão é como transformar a civilização em seu conjunto para assegurar a continuidade da existência da humanidade no planeta. A crescente escassez de recursos agrava a situação mundial, tornando as guerras mais prováveis. A crise ecológica não é um problema isolado de sobrecarga do meio ambiente. Ela tende a ser o vértice da necessidade geral de sobrevivência da humanidade, o que exige sua libertação da ordem econômica capitalista.

Em todo o mundo, aumenta a cada dia a pressão em favor da proteção do meio ambiente. Tratados internacionais no âmbito da ONU pressionam os países signatários a adotar políticas de conservação ambiental, embora nem sempre com sucesso. No caso do Brasil, a esperança são os novos ventos que soprarão a partir de 1 de janeiro de 2023.

A presença de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente é garantia de que o novo governo adotará políticas públicas de sustentabilidade socioambiental e retomará o papel de liderança internacional em matéria de meio ambiente.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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