Carlos Bocuhy

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Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam.

Opinião

Os riscos previstos pelo IPCC são tão ou mais avassaladores que uma guerra mundial

Causa indignação a combinação entre a intensidade dos impactos, os aspectos desiguais na população exposta aos riscos e a continuada omissão de tomadores de decisão

Última chance. Se nada for feito, até 2100 a Terra estará 5,7ºC mais quente, com consequências desastrosas (e talvez irreversíveis) para a humanidade, alerta o IPCC. (FOTO: Lula Marques/PT na Câmara e Ivan Radic)
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“A defesa da vida é o objetivo do soberano, e se esse não realizar tal objetivo o súdito não lhe deve obediência, pois, assim, o súdito não tem razão para obedecer”
Wollmann, em O Conceito de Liberdade no Leviatã de Hobbes

Em meio à guerra na Ucrânia, o Brasil recebeu em final de fevereiro o 6º relatório científico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC”.

Destaco alguns pontos apontados no relatório. Os riscos previstos são tão ou mais avassaladores do que os efeitos de uma guerra mundial, com o agravante de que não está ao alcance da humanidade reconstruir as infraestruturas macro ecossistêmicas globais, que vêm sendo destruídas pela própria ação humana.

O secretário-geral da ONU, Antônio Gutierrez, na abertura do evento de divulgação do relatório, afirmou: “Este relatório é um aviso terrível sobre as consequências da falta de ação”.

Causa indignação a combinação entre a intensidade dos impactos, os aspectos desiguais na população exposta aos riscos e a continuada omissão de tomadores de decisão. Gutierrez criticou duramente a inação das lideranças políticas, ao afirmar que “o relatório do IPPC divulgado hoje é um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória de liderança climática fracassada”.

Não só para os humanos. Das 976 espécies da biodiversidade global consideradas pelo relatório, 47% apresentam conexão com a extinção provocada por alterações climáticas.

A tragédia de Petrópolis contabiliza acima de 230 vidas perdidas frente a um evento climático extremo, cujas consequências já eram previstas em análises de risco geológico. Exemplifica muito bem a inação do governo diante do aumento gradual dos perigos para os que habitam em áreas vulneráveis.

A população mundial vulnerável é estimada entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões, onde o nível de risco varia especialmente em função de condições socioeconômicas. O Brasil se encaixa muito bem nessas preocupações, pois dados apontam que 4 em cada 100 brasileiros estão em áreas de risco.
Essencial à manutenção da vida planetária, o clima apresenta uma impossibilidade de recuperação pela tecnologia. Pareceres preliminares vêm condenando intervenções extremas, por meio de técnicas de geoengenharia, que provocariam efeitos colaterais que só agravariam os problemas ambientais.

Nada resta à humanidade a não ser eliminar as causas do aquecimento planetário e prover meios de adaptação, com foco especial nas vulnerabilidades sociais e ambientais.

O AR6 demonstra, em escala temporal, qual a interferência do clima sobre os meios de subsistência humana. As consequências são dramáticas para a saúde, segurança hídrica e alimentar, além das migrações populacionais.

A segurança hídrica e alimentar ganha destaque. Há um prognóstico de que o Brasil poderá perder até 83% de sua capacidade de geração de riqueza, especialmente em produção agrícola, até o ano de 2100.

O relatório aponta ainda que a periculosidade das mudanças climáticas tem relação com as desigualdades sociais, com efeitos muito mais intensos sobre populações mais vulneráveis. Traz um estudo comparativo mostrando que, entre 2010 e 2020, as vítimas fatais foram 15 vezes maiores em regiões mais vulneráveis do que em regiões mais seguras.

O AR6 é discreto com a responsabilidade dos maiores países emissores, que coincidentemente estão entre os países mais ricos do G20, mas cita a importância do aporte de recursos necessários aos processos de adaptação para países em desenvolvimento.

A combinação entre os riscos climáticos e a capacidade da população em se defender são fáceis de exemplificar no Brasil. A desertização da caatinga no Nordeste poderá representar impactos mais severos do que a seca na região Sudeste, onde há maior poder aquisitivo da população e maior possibilidade de aporte de recursos estaduais.

A capacidade adaptativa demanda recursos. O IPCC aponta que os processos de adaptação vêm ocorrendo em escala muito limitada diante da dimensão do problema a ser equacionado. No Brasil, a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC) foi criminosamente abandonada pelo governo de Jair Bolsonaro. As vulnerabilidades existentes no Brasil guardam relação com a realidade tropical de qualidades biofísico-químicas complexas e que interagem em uma profusão de florestas, águas e biodiversidade.

Estes processos sinérgicos necessitam de aporte científico e de forte ação governamental para prover políticas públicas de proteção ecossistêmica.

Um dos principais pontos é conter a devastação ambiental. A fragilização dos ecossistemas por agressões humanas, como ocorre na Floresta Amazônica, destrói a capacidade de resiliência que lhe permite maior resistência às alterações climáticas.
De outro lado, a enorme fragilidade social das populações exigirá políticas públicas efetivas, o que não ocorrerá sem mecanismos de transparência e controle social.

Gutierrez foi enfático sobre responsabilização: “Os fatos são inegáveis. a abdicação de liderança é criminosa”.

Tem razão Gutierrez. Com trato diplomático, aponta que, na intensidade do cenário apresentado pelo AR6 do IPCC, fica demonstrada quão criminosa tem sido a omissão de nossos governantes.

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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