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Quão próximos estamos de um colapso socioambiental na Amazônia?

Uma imersão nos limiares de tolerância termal e hídrica de florestas da Amazônia

Créditos: EBC
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Durante a realização da COP 27, os olhares do mundo se voltaram para a questão ambiental da Amazônia. Uma pergunta ecoa das brenhas da floresta para as lideranças mundiais que se reuniram pelo desafio da crise climática: quão próximos estamos de um colapso socioambiental e o que representa a proximidade de um ponto de não retorno na Amazônia?

Desde 2019, o desmatamento tem atingido a marca média de 10.500 km2  (Figura 1), de acordo com dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A totalidade do ecossistema Amazônia já registra uma perda acumulada de 15% de sua cobertura florestal original. Como advertido em um editorial da Science Advances, publicado em 2018, assinado pelos pesquisadores Carlos Nobre & Thomas Lovejoy, uma perda adicional de apenas 5% deve atingir uma transição crítica (tipping point*), em que a devastação ambiental atinge o limiar de 20% de floresta desmatada na Amazônia. 

 Com profundos impactos na biosfera e nas condições de vida do planeta, a permanência do paradigma atual de desenvolvimento, marcado pela exploração desmedida e insustentável dos recursos da natureza, o processo de savanização é uma possibilidade cada vez mais presente se o aquecimento global continuar em progressão. Ou seja, um novo estado funcional deve ocorrer, se uma perturbação induzir a uma ruptura na resiliência de um sistema estável como a Floresta Amazônica.

Uma conversão abrupta, forçada a partir de uma perturbação natural (por exemplo, a conversão de floresta primária para pastagem antropogênica), pode resultar em uma mudança de um estado funcional para outro, como de um sistema florestal para um agriculturável (como pastagem antropogênica para ruminantes, leguminosas). 

Na linha da advertência, espera-se uma transição crítica: uma ruptura da resiliência termal e hídrica de um sistema como a Amazônia tropical, tipicamente quente e úmida, para uma savana sensu lato. Por efeito, a quantidade de energia e tempo necessária de mudança entre um estado e outro constitui um fator decisivo relacionado ao não-retorno para um estado inicial antecedendo a perturbação de um sistema. Assim, espera-se que uma perturbação natural de magnitude maior deve ser necessária de um sistema agriculturável (sensu stricto, pastagem antropogênica) para um florestal. 

 Nossa ciência sobre florestas tropicais tem apresentado avanços substanciais de conhecimento, especialmente à luz dos desafios múltiplos da emergência climática e de perspectivas de sustentabilidade, dentro e para além da Década de Restauração da ONU. 

Uma transição de governabilidade, pós-eleição presidencial, segue agora no Brasil, com a governança de Estado apresentando os primeiros sinais de progresso e sustentabilidade, em especial com o Fundo Amazônia sendo avivado.

Figura 1 – Série histórica da taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal a partir do sistema PRODES do INPE. As linhas tracejadas indicam a taxa média de desmatamento pré-2004 (cor roxa) e períodos de 2004-2012 (cor vermelho), 2019-2020 (cor verde) e 2012-2018 (cor preto), enquanto a contínua (cor preto) a taxa de desmatamento em torno de 3.925 km2, a meta não alcançada em 2020. A linha pontilhada na cor cinza indica uma linha de tendência com base em um modelo polinomial (y = -(3*105)*x5 + 0,2601*x4 – 1044,5*x3 + (2*106)*x2 – (2*109)*x + (8*1011); r² = 0,722).

 *Tipping point, enquanto termo científico, conforme o The Intergovernmental Panel on Climate Change – o IPCC6, refere-se para: um nível de mudança nas propriedades de um sistema além do qual um sistema se reorganiza, muitas vezes de forma abrupta, e não retorna para o estado inicial mesmo se os condutores (fatores responsáveis) da mudança sejam reduzidos/diminuídos. Para o sistema climático, refere-se para um limiar crítico quando o clima global ou regional muda de um estado estável para outro estado estável.

Em defesa da floresta

Desde 1988, a SOS Amazônia, ONG sediada em Rio Branco, no Acre, busca promover a conservação da biodiversidade e a promoção da consciência ambiental na Amazônia. Naquele momento histórico, a ONG surgiu para defender a causa extrativista ligada ao corte da seringa (extração do látex) e, hoje, no âmbito de seus projetos e atividades, atua pela manutenção de áreas protegidas e recuperação de áreas degradadas em comunidades extrativistas, ribeirinhas e de agricultores familiares. 

A proteção dos remanescentes de floresta nativa aliada à recomposição da paisagem florestal em áreas de pastagem aponta um modelo de sustentabilidade para a Amazônia e sinaliza um caminho sólido para evitarmos um ponto de não retorno, como advertido pela nossa ciência global. Cerca de 80% do Acre é coberto por floresta e quase metade do seu território é protegido por lei, com a delimitação de áreas protegidas na categoria de Parque Nacional, Parque Estadual, Reserva Extrativista, Floresta Nacional, dentre outras. 

Em unidades de uso sustentável, como as Resex Chico Mendes e do Cazumbá-Iracema e as Flonas do Macauã e São Francisco, a SOS Amazônia estrutura cadeias produtivas sustentáveis a partir de produtos da sociobiodiversidade, como açaí, borracha e cacau silvestre. O investimento nessas cadeias de valor é estratégico para conter o desmatamento nessas unidades, tendo em vista que, quando as famílias passam a enxergar o território como fonte de renda, elas deixam de desmatar a floresta para abrir novas áreas de pastagem para a pecuária. 

Para que cada cadeia produtiva apresente bons resultados, a SOS Amazônia oferece assistência técnica para adoção de boas práticas e orienta o desenvolvimento das atividades de campo a fim de garantir o alcance de objetivos econômicos e ambientais. O objetivo é empoderar as famílias extrativistas para que elas possam obter alternativa de renda com a floresta em pé e, assim, conter a pressão do desmatamento e de outras ameaças, como o uso do fogo e a ocupação ilegal da terra.

Em 2021, o incremento da produção extrativista trouxe bons resultados e gerou cerca de 1,5 milhão de reais, beneficiando diretamente cerca de 800 famílias em 19 mil hectares de florestas manejadas e conservadas. 

Nos próximos três anos, a SOS Amazônia pretende reflorestar o equivalente a 1200 campos de futebol, com o plantio de duas milhões de árvores. A recuperação de áreas degradadas é feita com a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), que consiste no plantio consorciado de espécies florestais, frutíferas e de palmeiras, de interesse ecológico e econômico. As famílias também podem incrementar os SAFs com a inserção de espécies agrícolas, como milho, feijão, banana e macaxeira. 

Além de recuperar a paisagem florestal e proteger as nascentes, a implantação dos SAFs contribui para a segurança alimentar das populações locais ao diversificar e enriquecer a alimentação das famílias. Por isso, o trabalho de restauração é realizado em estreita parceria com os comunitários, residentes em comunidades ribeirinhas e extrativistas, projetos de assentamento e Unidades de Conservação.

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