Observatório da Economia Contemporânea

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Um nova estrutura financeira para enfrentar a crise climática

Cabe aos bancos de desenvolvimento, responsáveis pelo financiamento ao investimento produtivo e de longo prazo, atuar no processo de mudança estrutural em direção à transição verde sustentável

(Foto de arquivo. Outubro de 2018) Ursos polares comem lixo na Rússia. Situação causado por mudanças climáticas. Foto: AFP PHOTO / ALEXANDER GRIR
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As devastadoras evidências sobre a seriedade da crise climática, traduzidas pelos cada vez mais intensos e frequentes eventos climáticos extremos, comprovam a necessidade de ação imediata. Devemos reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação aos níveis de 2018, de forma a alcançar a meta de aumento da temperatura de até 2º C, tentando limitar a 1,5º C, estabelecida pelo Acordo de Paris.

As mudanças devem ser drásticas e imediatas – o que apenas acontece quando a sociedade como um todo atua em consonância, em busca de um mesmo objetivo. Reverter a crise climática precisa da atuação conjunta dos Estados Nacionais e da mobilização de instrumentos com a missão de promover a transição verde sustentável. Necessita também da atuação do público em geral, movimentos sociais, sindicatos, empresas e demais agentes do mercado, atuando em uma nova convenção, voltada para o desenvolvimento econômico sustentável. 

Enfrentar esse problema demanda um processo de mudança estrutural que irá reorientar os ativos no planeta inteiro, uma vez que será necessário mudar drasticamente a estrutura produtiva com potencial de afetar drasticamente a economia e os sistemas financeiros. Novas políticas públicas devem ser definidas, com profundas mudanças no pensamento político e econômico e reestruturação dos poderes econômicos em nível mundial. Construir esse novo pensamento requer a renovação das instituições públicas, dos objetivos coletivos e dos princípios internacionais. 

No mesmo sentido, financiar o processo de mudança estrutural exige o redirecionamento dos sistemas financeiros. Assim, uma nova estrutura financeira, que tenha a transição verde sustentável como norte de suas ações, deve ser moldada. A lógica financeirizada e curto-prazista que tomou de assalto o sistema financeiro nos anos da globalização é incompatível com esse processo. O desafio que se impõe com a crise climática é direcionar recursos financeiros para a transição verde sustentável, cessando o financiamento a setores cinzas. 

Cabe aos bancos de desenvolvimento, responsáveis pelo financiamento ao investimento produtivo e de longo prazo, atuar no processo de mudança estrutural em direção à transição verde sustentável. A centralidade do crédito é fundamento suficiente da intervenção do Estado na intermediação financeira. Justifica-se a atuação dos bancos de desenvolvimento não apenas como mecanismos para minimizar falhas de mercado ou para atuar de forma contracíclica. Justifica-se sua atuação, sobretudo, por seu papel de braço financeiro de políticas públicas. 

Na iminência da crise climática, bancos de desenvolvimento têm a missão ainda mais específica da reversão da fragilidade financeira, uma vez que, ao garantirem a manutenção do financiamento ao investimento de longo prazo, atuam na mudança estrutural direcionada à transição verde sustentável. Bancos de desenvolvimento com essa missão, necessariamente inseridos na política ampla do Estado nacional – logo, concatenados com as demais políticas públicas e econômicas –, podem garantir que o fluxo de financiamento ao investimento necessário para o processo não seja interrompido, minimizando a fragilidade financeira. Ou seja, ainda que o sistema financeiro privado também ofereça crédito para o financiamento da transição verde, a existência de bancos de desenvolvimento se justificaria para garantir que o processo não fique à mercê da instabilidade dos ciclos financeiros.

Outra questão de relevo envolve a forma como os bancos de desenvolvimento se financiam, ou seja, como enfrentam o desencontro entre ativos e passivos. Os bancos de desenvolvimento não podem se submeter a uma lógica de captação de recursos com a mesma racionalidade temporal que o mercado financeiro privado. O modelo financeiro das instituições não é neutro. Neste sentido, as implicações do tipo de financiamento que os bancos de desenvolvimento terão – recursos públicos ou mercado de capitais – são essenciais. Ao recorrer à emissão de títulos no mercado de capitais, por exemplo, os bancos precisarão obedecer às regras de governança, administração e operações financeiras convergentes com a  lógica do mercado privado. A opção de se financiar com títulos do mercado de capitais implica uma contradição latente com as atividades dos bancos de desenvolvimento. 

Papel dos Bancos Centrais: ação coordenada com os Bancos de Desenvolvimento

A reformulação do papel dos bancos centrais também desempenhará um papel essencial para a transição verde sustentável. Os bancos centrais deverão agir como resgatadores climáticos de última instância.

BCs estão no centro da discussão sobre o papel do Estado e a intermediação financeira. Ao longo da história, as autoridades monetárias têm atuado para auxiliar seus Estados Nacionais, tendo variado suas ações especialmente em momentos de crise. Com  o processo de financeirização que se iniciou no final da década de 1970, os BCs têm se concentrado decisivamente na busca da estabilidade do nível de preços e dos sistemas financeiros, separando suas ações da política fiscal, numa tendência a transformá-los em órgãos independentes ao mesmo tempo em que se tornam catalizadores do processo de financeirização.  Especialmente desde a crise financeira do biênio 2007/2008, os BCs têm sido essenciais para o bail out do mercado financeiro, passando de lenders of last resource para dealers of last resource, garantindo, assim, a manutenção de altas taxas de lucro para o setor financeiro (SOKOL, 2022).

Ora, se o papel dos BCs foi definido por uma sequência de crises ao longo da história, e como não há crise maior do que a crise climática, nada mais natural que essas instituições alterem suas missões a fim de incorporar, de modo efetivo e não meramente nominal, a garantia do financiamento da transição verde sustentável e da estabilidade do sistema financeiro frente a esse processo.  

Com efeito, os BCs ao redor do mundo têm contemplado, em suas políticas regulatórias, o enfrentamento dos riscos climáticas numa lógica prudencial de busca pela estabilidade financeira. A atuação dá-se no sentido de compreensão, mensuração, padronização das informações sobre riscos climáticos. As ações são voltadas a garantir a estabilidade do sistema financeiro, sem endereçar a necessidade de financiamento para as atividades verdes com o concomitante desestímulo às atividades cinzas. Adicionalmente, pouco se tem discutido sobre a necessidade das autoridades monetárias adotarem abordagem ampla à luz de um plano do Estado para promover a transição verde sustentável, levando em conta a integração de critérios de sustentabilidade nos ativos das instituições financeiras, a combinação da regulação prudencial com as políticas monetárias e fiscais e as regulações sobre emissão de GEE, a necessidade de fontes de financiamento para projetos verdes, e a cooperação internacional entre autoridades monetárias e financeiras nas questões ambientais, dentre outros temas. 

No processo de transição verde sustentável, os BCs podem desempenhar um papel central, implementando uma política de “Transição Quantitativa Verde”, ou seja, um programa de compras de green bonds, emitidos pelos bancos de desenvolvimento. 

A fim de garantir que a transição verde não desorganize  o sistema financeiro, os BCs devem alinhar suas políticas monetárias e regulamentares com as políticas ambientais, ajudando as instituições financeiras, adicionalmente, por meio da compra de ativos depreciados em virtude da rápida mudança climática, com a condição de que os recursos dos pacotes de resgate sejam direcionados para o financiamento de projetos de sustentabilidade ambiental ou indústrias verdes. No passado recente, a escolha por resgatar o sistema financeiro sem contrapartida para a economia real foi uma decisão política, aceita de maneira geral sob a égide da convenção neoliberal financeirizada, que entende como “natural” a utilização do Estado, aqui representado pelo BC, como garantidor do sistema financeiro. Alternativas podem ser consideradas, todavia, como o resgate de instituições financeiras e concomitante estatização dessas instituições, ou garantias de direcionamento de empréstimos, ou outros mecanismos que assegurem a busca de objetivos públicos.  

Sem prejuízo das medidas de apoio condicionado voltadas às instituições privadas, a “Transição Quantitativa Verde” deve ser encarada, principalmente, como um instrumento vital para a mobilização de recursos pelos bancos de desenvolvimento. Ao assumirem a missão de financiar a transição verde, os bancos de desenvolvimento enfrentarão o duplo desafio da capitalização e da disponibilidade de recursos. A ausência de política e coordenação do Estado nacional inibiria sensivelmente o financiamento da transição verde sustentável por esses entes. Sustentamos, assim, que as políticas propostas precisam ser impostas para serem eficazes. O Estado deve garantir as condições de implementação das políticas para a integridade ambiental e a justiça social.

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