Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

Em 2022, não se pode confiar nos militares e no sistema eleitoral ao mesmo tempo

Os militares não concordaram em participar da comissão do TSE para dar mais transparência à eleição, mas sim para fraudá-la por meio do cultivo de falsas dúvidas

Jair Bolsonaro e militares do Exército. Foto: Sergio Lima/AFP
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Nem só de amarguras vive Jair Bolsonaro. Diante do último Datafolha, o momento, na verdade, é de celebração. O ex-capitão, afinal, já percebeu e decidiu há um bom tempo que não concorre contra Lula, candidato favorito da maioria dos eleitores brasileiros, mas contra a própria democracia.

Por outro lado, a mesma notícia não parece ser tão boa para os “tarados” pela democracia direta. Falo daquela ala que dá as mãos ao populismo de extrema-direita para defender a retirada de qualquer tipo de obstáculo e constrição institucional contra o exercício pleno, irrestrito e absoluto de poder da tal “vontade popular”. Para essa turma, o governo representativo é um inimigo a ser combatido.

Instituições e autoridades do Estado precisam convencer a opinião pública em favor da democracia. Bolsonaro e os militares já estão fazendo um belo trabalho no sentido oposto

Pois bem. O Datafolha – aquele mesmo instituto que aferiu, na quinta-feira passada, uma vantagem que dá a Lula grandes chances de vencer já no primeiro turno – indica que nada menos que 58% dos brasileiros defendem que as Forças Armadas participem da aferição do resultado das eleições em 2022. Para colocar as coisas nos termos corretos: 58% dos brasileiros talvez não percebam, mas estão com Bolsonaro e seus generais, cabos e soldados nessa empreitada cujo nome é “golpismo”.

Bolsonaro e os militares brasileiros (com raríssimas e nobres exceções) vêm investindo desde 2018 no discurso de que as urnas eletrônicas não são confiáveis e que os resultados são fraudáveis. Ele próprio, emulando Donald Trump, venceu alegando que sua vitória no primeiro turno havia sido sequestrada por uma fraude no sistema eleitoral.

O plot conspiratório se encerra assim: a Justiça (mais notadamente o STF), em conluio com setores da imprensa e outros poderosos, restabeleceu os direitos políticos de Lula para que se ele se elegesse, mais uma vez, presidente. Mas não pela vontade da maioria: essa mesma Justiça, que controla o TSE, estaria empreendendo uma grande fraude eleitoral, surrupiando a reeleição de Jair Bolsonaro. Desenhei tudinho aqui há mais de um ano.

E vejam que coisa curiosa. Estamos chegando em junho e Jair Bolsonaro e seus militares falam mais do STF, do TSE e de seus respectivos ministros mais do que do favorito nas eleições? É simples. Sabem muito bem que, se depender do voto, serão demitidos pela maioria dos eleitores brasileiros. O que resta? O golpe.

Não escrevi por aqui a respeito, mas manifestei minha preocupação em muitos outros fóruns públicos. Antes do Datafolha, os institutos Quaest e Big Data já mostravam dados preocupantes acerca da posição dos brasileiros frente à precisão do sistema eleitoral brasileiro.

A Quaest mostrou que 35% “confiam um pouco/mais ou menos” nas urnas eletrônicas e 22% não confiam. A pesquisa Ideia/Big Data mostra um quadro similar: 22% não confiam e 23% confiam pouco. Tratam-se de números temerários e explico o porquê.

A intentona golpista deste governo tende a operar, em primeiro lugar, no campo da opinião pública, por meio de uma máquina muito bem azeitada de propaganda na internet. Para tentar virar a mesa e manter Jair Bolsonaro na presidência, eles investem e investirão, antes de tudo, na descredibilização do processo eleitoral.

Alguns podem dizer que isso só aconteceria se a maioria da população, de fato, comprasse a tese do governo diante de sua derrota. Isso é só meia verdade. Não é necessário convencer a maioria. Basta poluir a esfera pública para confundi-la e desnorteá-la. Oferecer versões corrompidas dos fatos, levantar dúvidas sobre a precisão da apuração das urnas, emplacar o discurso de que o resultado apresentado pelo TSE não é confiável. Esse caminho parece promissor quando mais de 50% da população diz que não confia plenamente nas urnas e quase 60% querem as Forças Armadas contando votos.

Há uma clara operação golpista em curso e ela se dará por meio da exploração da tendência de uma grande maioria em colocar em suspeição os resultados das urnas em outubro. E é exatamente isso o que Datafolha, Quaest e Big Data mostram.

Alguns talvez argumentem, acertadamente, que esse número trazido pelo Datafolha nada mais é do que a expressão popular de confiança nos militares. E isso é verdade. Mas o problema, meus caros e caras, é que, em 2022, não se pode confiar nos militares e no sistema eleitoral ao mesmo tempo. Os militares não concordaram em participar da comissão do TSE para dar mais transparência à eleição, mas sim para fraudá-la por meio do cultivo de falsas dúvidas. E assim continuarão até outubro.

Diante desse fato e considerando a proximidade das eleições, instituições e autoridades do Estado precisam investir num amplo trabalho de convencimento da opinião pública em favor da democracia, porque Jair Bolsonaro e os militares já estão fazendo um belo trabalho no sentido oposto.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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