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Toque de recolher de 36 horas é declarado em Kiev após mais uma noite de bombardeios

Durante a noite, o exército russo também bombardeou o principal aeroporto civil da região de Dnipro, no centro-leste da Ucrânia

Foto: Aris Messinis / AFP
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Os moradores de Kiev acordaram novamente com o som de bombardeios que atingiram vários prédios da capital ucraniana na manhã desta terça-feira (15). Pelo menos duas pessoas morreram na ofensiva do exército russo, que intensifica os ataques na Ucrânia, antes da retomada das discussões entre representantes dos dois países.

O prefeito da capital ucraniana anunciou um toque de recolher de 36 horas, a partir das 20 horas de hoje até às 7 horas da próxima quinta-feira (17). Parcialmente cercada pelas tropas russas, Kiev foi palco de três grandes explosões nesta manhã. Os serviços de emergência afirmaram que zonas residenciais em vários distritos foram afetadas. Em Sviatoshyn, zona oeste de Kiev, um bombardeio atingiu um edifício de 16 andares, “onde dois corpos e outras 27 pessoas foram resgatadas”, de acordo com informações das autoridades locais.

“Às 4h20, tudo tremia muito. Eu levantei e minha filha veio correndo perguntar se eu estava vivo. Mas em um dos quartos, meu enteado e minha neta ficaram presos. Então derrubamos a porta e eles conseguiram sair”, relata Lioubov Goura, de 73 anos, morador do 11º andar de um dos prédios atingidos.

Um ataque, que não deixou vítimas, atingiu uma casa em Osokorky (sudeste) e disparos de artilharia provocaram um incêndio, que foi rapidamente controlado, em um prédio residencial de Podilsk (noroeste), onde uma pessoa foi hospitalizada. O local ficou coberto de pedaços de vidro e muitos escombros. Uma coluna de fumaça saía de uma enorme cratera provocada pelo impacto da explosão, enquanto os moradores jogavam objetos destruídos de suas casas pelas janelas quebradas.

Durante a noite, o exército russo também bombardeou o principal aeroporto civil da região de Dnipro, no centro-leste da Ucrânia. A pista principal foi destruída e o terminal de passageiros ficou danificado, de acordo com informações do governador Valentin Reznichenko. “Vai levar muito tempo para consertar. Mas vamos superar!”, disse ele, em um post nas redes sociais.

Retomada das discussões

Os ataques aconteceram antes da retomada das discussões por videoconferência entre os dois lados envolvidos na guerra. Na segunda-feira (14), o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que o primeiro dia de conversas havia sido “bom”. “Mas veremos, elas continuarão amanhã (terça-feira)”, completou.

Moscou exige que a Ucrânia se afaste da Otan e reconheça a soberania das regiões separatistas pró-Rússia do leste do país, que tiveram a independência reconhecida pelo presidente russo, Vladimir Putin, poucos dias antes da invasão, iniciada em 24 de fevereiro. Kiev exige um cessar-fogo imediato e a retirada das tropas russas de seu território.

Na tentativa de resolver o conflito, representantes dos dois lados já participaram de três encontros presenciais, em Belarus, além de uma reunião dos ministros das Relações Exteriores, na Turquia.

Reforço diplomático

Nesta terça-feira, os primeiros-ministros da Polônia, República Tcheca e Eslovênia estarão em Kiev. Mateusz Morawiecki, Petr Fiala e Janez Jansa “viajam hoje (terça-feira) a Kiev na qualidade de representantes do Conselho Europeu para um encontro com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o primeiro-ministro Denis Shmyhal”, afirma um comunicado divulgado pelo governo polonês.

O objetivo da visita é “reafirmar o apoio inequívoco do conjunto da União Europeia (UE) à soberania e à independência da Ucrânia e apresentar um conjunto de medidas de apoio ao Estado e à sociedade ucranianos”, acrescenta a nota.

Quase três semanas depois da invasão da ex-república soviética, as forças russas bombardeiam e cercam várias cidades ucranianas.

Cidade em estado de sítio

A capital Kiev registrou a fuga de metade de seus três milhões de habitantes e está cercada pelas entradas norte e leste. Apenas as rodovias para o sul permanecem abertas, onde as autoridades municipais instalaram pontos de controle e os moradores recebem alimentos e remédios. Kiev é “uma cidade em estado de sítio”, disse um conselheiro de Zelensky.

A ONU afirma que 2,8 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia e 636 civis foram mortos no conflito. O balanço real de vítimas, no entanto, pode ser muito superior.

Fossas comuns em Mariupol

Uma das cidades cercadas pelas forças russas é Mariupol, na costa do Mar de Azov (sudeste), onde as autoridades afirmam que aproximadamente 2.200 pessoas morreram, desde 24 de fevereiro.

Na segunda-feira, 210 veículos conseguiram sair, pela primeira vez em vários dias, por um corredor humanitário desta cidade, onde os moradores se escondem em porões sem água, sem energia elétrica, sem aquecimento, remédios ou alimentos. Os veículos que conseguiram partir seguiram em direção a Berdyansk, outra cidade ucraniana ocupada pelos russos. Na semana passada, várias tentativas de retirar civis falharam.

“A situação continua a se degradar de maneira trágica, com um desabastecimento que só piora”, explicou à RFI Frédéric Joly, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, sobre a situação em Mariupol. “Este bloqueio é extremamente difícil e grave: estamos no inverno, faz 10 graus negativos durante à noite, é intolerável para as pessoas que ficaram na cidade”, acrescenta.

“Eles atiram impiedosamente em civis, mulheres, crianças, hospitais e escolas”, denuncia Elena Sukodolska, ex-moradora de Mariupol, agora refugiada na Polônia. Elena relata o que o pai dela, que não pôde deixar a cidade, conta sobre a destruição deste histórico porto no Mar de Azov. “As autoridades ucranianas falam em 2 mil mortos, mas, segundo meu pai, há muito mais. Ele me diz que há muitos cadáveres nas ruas, muitas vítimas são enterradas em fossas comuns”, completa.

O Estado-Maior da Ucrânia afirmou, durante a noite, que as tropas do país impediram um ataque de 150 soldados russos contra Mariupol. Segundo a inteligência ucraniana, as forças de Moscou pretendem “reforçar o reagrupamento das tropas em direção a Kharkiv”, a segunda maior cidade do país.

Russos dominam Kherson

O exército russo assumiu o controle total da região de Kherson, no sul da Ucrânia, informaram agências de notícias russas nesta terça-feira, citando o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov.

O avanço das forças de Moscou, no entanto, ocorre mais lentamente do que o esperado. O comandante da Guarda Nacional da Rússia, Viktor Zolotov, admitiu que a operação “não está seguindo tão rápido como gostaríamos”, mas insistiu que a vitória chegará, passo a passo.

O presidente russo, Vladimir Putin, havia ordenado às suas forças que “contivessem qualquer ataque imediato às grandes cidades”, de acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, embora ele não tenha descartado a possibilidade de ações contra as metrópoles “que já estão quase sob controle total” russo.

Protestos

Os aliados ocidentais da Ucrânia adotaram duras sanções contra a Rússia, onde ecoam também vozes discordantes do Kremlin, apesar da repressão e censura impostas por Moscou.

Foto: AFP

Durante a exibição do telejornal mais assistido do país, uma funcionária entrou no estúdio com um cartaz que afirmava “não à guerra. Não acreditem na propaganda”. Ela foi detida, segundo a ONG OVD-Info, e pode pegar até 15 anos de prisão por “falsas informações” sobre o exército russo.

Possível conflito nuclear

Após um bombardeio que deixou 35 mortos a poucos quilômetros da fronteira da Polônia, país membro da Otan, o presidente ucraniano renovou o seu apelo à aliança transatlântica para que determine uma zona de exclusão aérea sobre o seu país.

Os Estados Unidos e seus aliados europeus, no entanto, descartaram essa opção para evitar um confronto direto com a Rússia, uma potência nuclear, e se limitaram a fornecer equipamento militar à Ucrânia. A Otan em luta contra a Rússia seria “a Terceira Guerra Mundial”, observou o presidente americano, Joe Biden.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, também alertou sobre os riscos de um conflito entre potências atômicas, uma perspectiva “antes impensável, mas agora de volta ao reino das possibilidades”.

(Com informações da RFI e AFP)

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