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Como a desistência de peronista na disputa por Buenos Aires impacta no duelo entre Massa e Milei

Leandro Santoro decidiu não disputar o segundo turno contra Jorge Macri na capital argentina; CartaCapital ouviu o cientista político Sergio Morresi sobre o tema

Os peronistas Leandro Santoro e Sérgio Massa. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Apesar da eleição para o próximo presidente da Argentina acontecer a nível nacional, questões internas, envolvendo figuras políticas ligadas às cidades e às províncias, tornam-se cada vez mais importantes para o segundo turno que será disputado no dia 19 de novembro, entre Sergio Massa e Javier Milei. Na última terça-feira 24, a saída do peronista Leandro Santoro da disputa pela prefeitura de Buenos Aires movimentou as peças do tabuleiro eleitoral no país.

Santoro disputaria a prefeitura da capital do país com Jorge Macri, da coalizão Juntos por el Cambio, que é primo do ex-presidente Mauricio Macri. No primeiro turno, finalizado no último domingo 22, Jorge Macri obteve 49,61% dos votos válidos, contra 32,2% de Santoro. A prefeitura de Buenos Aires, portanto, ficou a uma margem mínima do alcance de Macri.

Diante do cenário, Santoro decidiu abrir mão da disputa. O anúncio da decisão foi o grande fato político do início desta semana no país. Em comunicado oficial, lançado ontem, a chapa Unión por la Patria, de Massa e Santoro, explicou que “uma leitura realista do resultado eleitoral, somado ao apoio explícito de Javier Milei a Jorge Macri, nos dá a ideia de que seria insensato forçar um segundo turno”. 

Ontem à noite, em entrevista à rede de televisão argentina C5N, Santoro tratou da decisão. “Estamos enfrentando uma situação dramática na Argentina. Não estamos lutando contra uma direita normal. Embora eu acredite que Sergio [Massa] vá ser presidente, há muitas possibilidades de que uma direita fanática, irracional, intolerante, possa competir com chances pela Presidência. Então, há um bem superior a proteger: a estabilidade democrática e a paz dos argentinos”. 

Jorge Macri, que está, portanto, eleito prefeito de Buenos Aires, também se manifestou. Em postagem na rede X – antigo Twitter -, ele se disse alegre pela “decisão que evita que se faça uma nova eleição na cidade quando os resultados já tinham expressado a opinião majoritária dos portenhos [em referência à população de Buenos Aires]”. Ele também agradeceu a Santoro pelo “bom gesto”. “É um dirigente ao qual eu valorizo e respeito, que teve um grande compromisso durante a campanha e atuou com lealdade”, comentou.

O que justifica o movimento de Santoro e como a saída pode influenciar na eleição presidencial

Buenos Aires é um caso à parte na política argentina. A cidade pode ser entendida, nos últimos anos, como uma espécie de bastião da coalizão Juntos por El Cambio e, em maior medida, da própria centro-direita da Argentina. Formada por setores herdeiros da bonança econômica do país iniciada no século XIX, a cidade de Buenos Aires, por exemplo, possui um índice de pobreza abaixo dos 20%, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estadísticas y Censos (Indec). O número de pessoas em estado de pobreza na capital, atualmente, é menos da metade do que o contingente de pessoas consideradas pobres na província.

A capital argentina tem cerca de 2,5 milhões de eleitores, o que representa algo em torno de 7% de todo o eleitorado nacional. Não é pouco relevante, também, o eleitorado da província de Buenos Aires, que comporta cerca de 13 milhões de eleitores, ou quase 40% do eleitorado do país. A província de Buenos Aires, diferentemente da capital, é um reduto peronista.

A coalizão Juntos por el Cambio foi formada em 2019 com o objetivo de concorrer às eleições que levaram Alberto Fernández à Casa Rosada, e é composta por uma série de partidos políticos. Os principais deles são a Unión Cívica Radical (UCR) e o Propuesta Republicana (PRO). A UCR faz parte da cena política argentina desde o século XIX, e, atualmente, acolhe a ala social democrata da oposição ao peronismo.

Já o PRO, que, de fato, governa a cidade de Buenos Aires desde 2007, representa setores mais ligados a uma tradição conservadora, definindo-se como de centro-direita. Mauricio Macri é, atualmente, a principal figura do PRO. Essas diferenças são importantes para se compreender o jogo político na Argentina, uma vez que marcam as principais divisões na atual oposição do país, além da que já foi promovida por Milei, ao obter 30% dos votos no último domingo e forçar um segundo turno contra o peronismo.

Formada por um amplo eleitorado de centro-direita, a capital argentina concedeu 41,2% dos votos a Patricia Bullrich – candidata macrista – no último domingo, que ficou em primeiro lugar na cidade. Apesar da liderança, a coalizão Juntos por el Cambio sofreu uma queda na votação: nas primárias realizadas em agosto, o grupo tinha obtido 48% dos votos na capital. 

Já Sergio Massa, no último domingo, obteve 32,3% dos votos na cidade de Buenos Aires (um crescimento de quase dez pontos percentuais frente aos 23,6% que obteve nas primárias). Já Javier Milei ficou com 19,9% dos votos em Buenos Aires no último domingo, o que também representa uma subida em relação às primárias (17,8% em agosto).

Tudo isso em conta, a saída de Santoro do segundo turno para prefeito de Buenos Aires pode ser “uma maneira de Sergio Massa cortejar uma parte do voto opositor para a sua campanha, mas, também, de desmobilizar um pouco o voto opositor na cidade de Buenos Aires”, como explica Sergio Morresi, doutor em Ciência Política pela USP e professor da Universidade Nacional del Litoral (UNL), da Argentina. 

“Com a saída de Santoro, não haverá campanha para o governo da cidade, e isso pode colaborar para que o voto opositor esteja menos coeso para o segundo turno presidencial, que é o que efetivamente importa para Massa”, analisa Morresi. “É uma busca, também, de tentar colocar alguns dirigentes do PRO em uma situação talvez um pouco mais comprometida. Assim como aos radicais [UCR], que veem com melhores olhos que Juntos por El Cambio apoie Massa em relação a Milei”, aponta o especialista.

Na manhã desta quarta-feira 25, o PRO faria uma coletiva em que se esperava que anunciasse a sua postura frente ao segundo turno do país. O evento, porém, foi suspenso. 

Outro ponto importante no movimento do agora ex-candidato a prefeito de Buenos Aires diz respeito à seguinte questão: caso Massa seja eleito presidente, Santoro poderá ter um cargo de relevância no eventual governo peronista? Na entrevista de ontem, ele negou que tenha discutido a questão com Massa, mas ressaltou que, em caso de convite, estaria disposto a contribuir.

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