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Como a Argentina chega à semana mais decisiva de sua eleição presidencial

Incerteza política e econômica paira sobre uma sociedade que busca alternativa para crise crônica

Javier Milei e Sergio Massa, candidatos à Presidência da Argentina. Foto: Tomas Cuesta/Pool/AFP
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BUENOS AIRES – As peças da disputa eleitoral para a Presidência da Argentina estão na mesa desde, pelo menos, as eleições primárias realizadas em agosto, e que definiram os candidatos à sucessão de Alberto Fernández na Casa Rosada. 

Na esteira da crise cambial e econômica que leva o país a uma inflação mensal de dois dígitos, Javier Milei destila, a cada aparição pública, as suas críticas à ‘casta’ política e verbaliza, ainda que em termos genéricos, seus planos de redução do papel do Estado. 

Sergio Massa, o atual ministro da Economia, tenta avançar sobre os eleitores indecisos, ciente do fato de que é o alvo preferido dos concorrentes, que sempre lhe atribuem responsabilidade sobre a desvalorização da moeda. 

Patricia Bullrich, por sua vez, busca o voto dos argentinos que temem o aumento da violência por conta da crise, colhendo potenciais eleitores insatisfeitos com o atual governo, mas que temem a plataforma ultralibertária de Milei. 

Há distintos graus de incerteza sobre o cenário eleitoral, político e econômico da Argentina, no marco da última semana do primeiro turno da eleição presidencial, que será realizado no próximo domingo 22. 

O primeiro é estritamente econômico: ainda não se sabe qual será o patamar de valorização do dólar frente ao peso argentino, nesta semana, e que afeta, cotidianamente, o poder de compra da população. Também não se sabe até que ponto a própria inflação poderá subir nos próximos meses, inclusive no início do governo do próximo presidente. No último mês de setembro, por exemplo, a inflação específica para alimentos ficou na casa dos 15%.

O segundo é econômico, mas, também, político: caso vença Javier Milei, que lidera as pesquisas, nem mesmo o núcleo duro da campanha do libertário apresentou à sociedade, às organizações e ao empresariado um plano concreto e detalhado sobre como pretende, de fato, dolarizar a economia. Dificilmente a Argentina terá reservas suficientes para promover a dolarização, como reconhecem economistas ortodoxos e heterodoxos.

O terceiro, apesar da difícil definição, é anímico. A população argentina – complexa, multifacetada e conhecida pela marca do antagonismo político – enfrenta um paradoxo: como se entusiasmar em uma campanha eleitoral cujos dois principais candidatos, além de Milei, Massa, se dividem entre aquele que representa o oficialismo e individualiza a escalada da inflação, e um outro que não hesita em atacar algumas das mais básicas instituições do país e nega a crise climática?

Essa é uma eleição peculiar, também, não apenas pelos que postulam a Presidência, mas por aqueles que não são candidatos. As três principais lideranças da última década na Argentina – Cristina Kirchner, Mauricio Macri e Alberto Fernández – não são candidatos. Embora, cada um ao seu modo, tenha peso sobre os rumos presidenciáveis mais bem colocados nas pesquisas.

O eleitorado argentino

“Cansado demais para ir votar” é uma frase habitual dos pequenos comerciantes da capital, Buenos Aires. Talvez por isso, na principal e mais populosa cidade do país – que reflete a crise, mas que apresenta índices de pobreza bem mais amenos do que os registrados no interior -, a postura dominante sobre o pleito seja de ceticismo. Para além das placas publicitárias dos candidatos nas ruas e no transporte público, a adesivagem é tímida e os atos de campanha localizados. O que não significa dizer que os argentinos (de diferentes gerações e classes sociais) não discutam, nas mais cotidianas situações e de maneira prolongada e intensa, o cenário político e econômico do país. Mas, entre o debate intrigado e o entusiasmo iminente das grandes corridas eleitorais, há uma diferença latente.

A militância, porém, articula-se. A campanha de Sergio Massa, por exemplo, vem recebendo, desde logo depois das primárias, o apoio de especialistas ligados ao Partido dos Trabalhadores. A comitiva trabalha na gestão das redes sociais do candidato do oficialismo, bem como na preparação do candidato para os debates.

Como resultado do seu discurso disruptivo, Milei ganha força entre os jovens. São pessoas que desconhecem a expressão “rico como um argentino”, que marcou a forma de se referir à opulência do país que, há cerca de um século, era um dos mais ricos do mundo e ostentava uma ampla classe média. Os jovens atuais vivem mesmo é a Argentina pós-2001, lembrada pelo mercado financeiro global como um país sobre o qual não se pode confiar em caso de empréstimos, e rotineiramente inflacionária. 

Aos vinte e/ou trinta anos, esses jovens veem na informalidade a única forma de conseguirem uma renda. Das Províncias, olham para Buenos Aires como o lugar que abarca a elite privilegiada do país – à esquerda e à direita, do macrismo conservador ao kircherismo mais radical – e se identificam com o candidato avesso às formalidades que promete acabar com tais elites. Esse é o principal fato novo, em termos de eleitorado, da eleição na Argentina. Embora dispare teorias econômicas liberais e se refira aos seus estudos como economistas, Milei fala o dialeto desses jovens: com poucas palavras e uma boa dose de apelo imagético, o libertário resume o seu tom contestador em frases de efeito e gestos de protesto contra toda e qualquer elite, como empunhar uma motosserra em atos de campanha, como que dizendo que irá “acabar com a casta”. 

Os movimentos dos principais candidatos

No próximo domingo, a Argentina irá às urnas escolher não apenas o(a) seu(a) próximo(a) Presidente. A população vai eleger, também, prefeitos de diversas cidades e governadores de algumas províncias (Buenos Aires, inclusive). As disputas locais têm peso sobre o pleito eleitoral. Se somadas, a Província de Buenos Aires e a Capital Federal têm, juntas, mais de 15 milhões de eleitores, o que representa quase metade das pessoas aptas ao voto no país.

Axel Kicillof, candidato à reeleição para governador, lidera as pesquisas de intenção de voto (na casa dos 40%), mas, recentemente, um escândalo envolvendo Martín Insaurralde, ex-chefe de Gabinete do governo, vem criando efeitos negativos na sua campanha. Insaurralde foi flagrado ostentando riqueza em um iate no Mediterrâneo, o que não apenas repercutiu negativamente na imagem do governo da Província, como afetou a campanha presidencial de Massa.

O ministro da Economia e candidato à Presidência da Argentina, Sergio Massa. Foto: Luis Robayo/AFP

Sergio Massa: disputa kirchnerista e ações contra subida do dólar

Frente a isso, Massa tenta se desvencilhar de Insaurralde – e o fez no último debate presidencial -, focando na plataforma econômica da campanha. Na semana passada, o governo autorizou uma série de operações contra empresas suspeitas de evasão de divisas. 

As práticas das instituições financeiras, somadas às declarações recentes de Milei contra o peso argentino, têm feito o dólar paralelo disparar frente ao peso: atualmente, o dólar blue, como é conhecido no país, gira na casa dos mil pesos. A expectativa é que novas operações contra bancos sejam deflagradas nesta semana.

Em termos de discurso de campanha, Massa vem insistindo na necessidade de desenvolver um governo de “unidade nacional”. A ideia é buscar captar votos não apenas dos indecisos, mas de eleitores de Patricia Bullrich, que até reconhecem problemáticas medidas econômicas do governo atual, mas que não cederiam à ruptura generalizada proposta por Milei.

Apesar da unidade nacional, o que não se nota é a unidade no próprio peronismo. Cristina Kirchner, atual vice-presidenta, não é figura presente na campanha da Massa. O fechamento da campanha de Massa acontecerá nesta semana em um estádio de futebol em Sarandí, e não há expectativa de que Kirchner compareça.

Medo de quê? O eleitor não enxerga a ameaça representada por Milei porque já se sente completamente desamparado – Imagem: Alejandro Pagni/AFP

Javier Milei concentra ações em Buenos Aires

Já Javier Milei concentra a última semana de campanha na província de Buenos Aires. Seu ato de fechamento de campanha será na próxima quarta-feira 18, no bairro de Villa Crespo, na capital.

Na maior província do país, o libertário ficou apenas em terceiro lugar nas eleições primárias. O entorno de Milei espera que uma subida expressiva no principal polo eleitoral do país possa levá-lo à vitória no primeiro turno. “Estamos a três pontos de ganhar no primeiro turno”, anunciou o inflamado candidato, em uma entrevista recente à Rádio Mitre. Ele diz que uma vitória na província de Buenos Aires seria um triunfo “no último covil K [em referência a Kirchner]”.

Pouco a pouco, a campanha de Milei amplia a sua polarização sobre Massa, dados os resultados das pesquisas que indicam, como dito, que os dois poderão disputar o segundo turno. Nesta segunda-feira 16, Milei estará em Lomas de Zamora. A escolha não foi casual: o distrito, um dos mais pobres do país, foi governado por Insaurralde. É uma forma de tentar agudizar a crise gerada pelo ex-chefe de Gabinete.

A questão é que a campanha de La Libertad Avanza também tem de lidar com o fato de que, caso Patricia Bullrich seja a adversária de Milei na segunda volta, o cenário, ao menos nas pesquisa de opinião, é mais arriscado: levantamentos chegam a apontar chances concretas de vitória de Bullrich sobre Milei, apesar da incerteza generalizada.

Patricia Bullrich, candidata à Presidência da Argentina. Foto: Luis Robayo/AFP

Patricia Bullrich: um nome para chegar ao segundo turno

A candidata da centro-direita antecipou um movimento que pode ter sido um dos mais relevantes da reta final do primeiro turno. No último sábado 14, Bullrich anunciou que Horacio Rodríguez Larreta será o seu chefe de Gabinete, caso seja ela a próxima ocupante da Casa Rosada.

Figura próxima a Mauricio Macri, Larreta é um dos principais líderes da coalizão de Bullrich, Juntos por el Cambio. Foi ele, por exemplo, que perdeu as primárias para Bullrich, encerrando, ali, a sua tentativa de se tornar presidente. A escolha de Larreta, ao menos simbolicamente, sinaliza uma aproximação entre Bullrich e Macri. Há algumas semanas, Macri vem sendo visto como uma figura política que, ao mesmo tempo em que apoia formalmente Bullrich, não é contrário a uma eventual vitória de Milei. Uma das perguntas que poderá demandar resposta no futuro é se, em caso de vitória do libertário, Macri teria lugar no futuro governo. 

Entre os principais candidatos, Bullrich é que mais vai percorrer cidades e províncias nesta semana. A ideia é impulsionar a própria candidatura e aquelas ligadas a Juntos por el Cambio. No que se refere ao seu próprio discurso, ela culpa tanto a Milei como a Massa pela subida recente do dólar, o que lhe põe em uma posição de franca oposição.

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