Justiça

Preocupação do STF não é só com a PEC do Senado

O decano da Corte, Gilmar Mendes, foi o mais direto no alerta sobre ‘medidas ainda mais drásticas’. Alexandre de Moraes também pediu ação

O decano do STF, Gilmar Mendes. Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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A sessão desta quinta-feira 23 do Supremo Tribunal Federal começou com recados diretos dos mais destacados ministros ao Senado, que aprovou na véspera uma proposta de emenda à Constituição para limitar decisões individuais na Corte.

Falaram em nome do tribunal seu presidente, Luís Roberto Barroso, e seu decano, Gilmar Mendes. Ainda que não tenha sido chamado a se pronunciar especificamente sobre a PEC, Alexandre de Moraes também deixou registradas as suas críticas.

Embora ganhem destaque as expressões mais nítidas de incômodo com a proposta, o pronunciamento de Gilmar sugere que a preocupação da Corte está menos ligada ao mérito da PEC e mais ao receio do que pode vir na esteira dessa votação.

Apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), a PEC veda a concessão de uma decisão individual que suspenda a eficácia de uma lei – aprovada, portanto, pelo Congresso Nacional. Na prática, define que uma lei só pode ser derrubada por um julgamento colegiado do Supremo.

“Lembro aos ministros: recados da rua chegam a todos nós dando conta de que o projeto de emenda aprovado é mal menor, tendo sido endereçado a esta Casa agora como forma de impedir possíveis reformas ainda mais drásticas ao funcionamento da Corte, ou, mesmo, a instauração de processos de impeachment contra membros deste tribunal”, diz um trecho do discurso de Gilmar.

O excerto acima consta da versão escrita de seu pronunciamento, mas, ao longo da sessão, o decano proferiu declarações não programadas. Já na reta final, alertou:

“É preciso que isso seja interpretado como um teste. Daqui a pouco, vão dizer que o STF só pode declarar a inconstitucionalidade ou conceder liminar com dois terços dos votos? Ou, quiçá, por unanimidade, como já ocorreu em outros países?”

Uma medida concreta que tende a ser analisada pelo Senado é a fixação de mandatos para ministros do Supremo. Atualmente, eles se aposentam compulsoriamente apenas ao completarem 75 anos.

De forma menos direta que Gilmar, Alexandre de Moraes também afirmou ser necessário reagir à decisão do Senado.

“A Constituição garantiu a independência do Judiciário, proibindo qualquer alteração constitucional que desrespeite essa independência e a separação de Poderes”, disse o ministro. “Tenho certeza de que esta Corte demonstrará coragem na defesa dessa princpal garantia do Judiciário, não em favor do STF ou dos juízes, mas em defesa da sociedade, com a independência de seus juízes.”

Barroso, por sua vez, disse que “o tribunal vê com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação” e declarou que “não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”.

No início da noite desta quinta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentou ao mesmo tempo jogar água na fervura e marcar posição. Ele disse que a PEC aprovada tem “uma clareza técnica muito grande” e negou qualquer tipo de retaliação ao STF.

Acrescentou, porém, que “nenhuma instituição tem o monopólio da defesa da democracia no Brasil” e que não há instituição “imutável ou intocável”. Trata-se de uma resposta direta aos ministros do Supremo que reforçaram, em diversos momentos nesta quinta, o papel da Corte diante da ameaça autoritária dos últimos anos (sem citar Jair Bolsonaro) e dos ataques de 8 de Janeiro.

Antes mesmo da aprovação da PEC, no entanto, a Corte já se preocupava mais com o timing do que com o mérito. A matéria estava na gaveta do presidente do Senado desde 2021 e só voltou à tona quando o STF tomou decisões ou marcou julgamentos que desagraram a oposição, especialmente os bolsonaristas. Na Comissão de Constituição e Justiça, a “votação” da proposta de interferência no STF durou quarenta segundos.

Entre os principais pontos de discórdia estão:

  • a decisão de declarar inconstitucional a tese ruralista do Marco Temporal para a demarcação de territórios;
  • o início do julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal; e
  • a abertura do julgamento sobre a descriminalização do aborto.

Não à toa, Barroso afirmou, nesta quinta, que “não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do tribunal quiser mudar a estrutura e o funcionamento da Corte”.

Quanto à PEC aprovada pelo Senado, ainda pode haver consequência. Se algum partido ou alguma entidade questionar a constitucionalidade da matéria, caberá a Barroso pautar a votação.

Para ser promulgada, porém, a proposta ainda tem de ser aprovada pela Câmara, em dois turnos, com no mínimo 308 votos. Ao contrário do que ocorreu no Senado, o presidente Arthur Lira (PP-AL) não pretende chancelar a PEC a toque de caixa.

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