Justiça
Desembargador diz que ‘transexual não é mulher’ após STF equiparar ofensa contra LGBT+ a injúria racial
Advogada do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais repudia afirmação e vê um ‘ataque gratuito’
Um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma declaração homotransfóbica na terça-feira 22, um dia após o Supremo Tribunal Federal decidir equiparar ofensas às pessoas LGBTQIA+ ao crime de injúria racial.
“Com todo o respeito com homossexuais, transexuais, agora… Transexual não é mulher. Isso é uma humilhação pra mulher, dizer que o transsexual tem que receber a Lei Maria da Penha. É um absurdo”, declarou o desembargador Francisco José Galvão Bruno. “A lei diz ‘mulher’. A mulher está definida pela ciência há muito tempo. Quando não se sabia escrever, já se sabia a diferença de homem e de mulher. […] Hoje eles querem mudar isso.”
Em contato com CartaCapital, a advogada do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais, Maria Eduarda Guerra da Silva, repudiou a afirmação do magistrado.
“Me causa espanto pela discriminação, pela transfobia e pela falta de ética do desembargador”, rebateu. “Primeiro, como desembargador, ele deveria saber que a decisão do STF em nada tem a ver com a Lei Maria da Penha, que também já teve a sua aplicabilidade às mulheres trans respaldada pelo entendimento jurídico”.
“Ao misturar a Lei Maria da Penha e dizer que mulheres trans não são mulheres, o desembargador ataca gratuitamente a população das mulheres trans e comete um crime, sem nenhum fundamento jurídico com a decisão do STF em si.”
O plenário do STF decidiu na segunda-feira 21 que ofensas direcionadas a pessoas LGBT+ podem ser enquadradas em injúria racial, a partir do entendimento da corte de equiparar a discriminação praticada contra essa comunidade ao tipo penal de racismo.
Os ministros analisaram um recurso apresentado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, que pedia a extensão da tipificação de racismo para abarcar também o crime de injúria racial.
Nove ministros seguiram o voto de Edson Fachin. Ao tomar a decisão, em 2019, o relator apontou que o STF “não exclui a aplicação das demais legislações antirracistas aos atos discriminatórios praticados contra os membros da comunidade LGBTQIA+, pelo contrário, trata-se de imperativo constitucional”.
“Tendo em vista que a injúria racial constitui uma espécie do crime de racismo, e que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo por raça, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial”, sustentou Fachin.
Para Maria Eduarda, a decisão do STF configura um avanço. “A ideia de equiparar a injúria racial ao racismo é para combater a impunidade dos crimes raciais. É importante que a LGBTfobia esteja ancorada nos dispositivos do racismo e da injúria racial, pois ainda vemos muitos casos em que a discriminação é mascarada em forma de opinião, e agora isso se configura crime.”
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