Justiça

Como se construiu a determinação de Toffoli para investigar a Transparência Internacional

O caso não nasceu no Supremo, mas chegou à Corte após um pedido do Ministério Público Federal

O ministro do STF Dias Toffoli. Foto: Gustavo Moreno-SCO-STF
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A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de abrir uma investigação sobre a ONG Transparência Internacional teve forte repercussão, por vir na esteira de outras determinações de impacto a respeito da Lava Jato, como a suspensão das multas da Novonor (ex-Odebrecht) no acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal.

Em outro caso, que não guarda relação formal com a Lava Jato, Toffoli também suspendeu a obrigação de a J&F fazer os pagamentos previstos em seu acordo de leniência com o MPF.

No processo da Transparência Internacional, Toffoli pediu, em linhas gerais, que a Procuradoria-Geral da República encaminhe ao STF uma série de documentos sobre a atuação da ONG no Brasil. O objetivo seria investigar “eventual apropriação indevida de recursos públicos” por parte da entidade.

O caso, porém, não nasceu no STF. 

Em 2021, o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) acionou o Superior Tribunal de Justiça para cobrar a abertura de uma investigação do MPF e do Tribunal de Contas da União sobre a TI, por sua participação em acordos de leniência assinados no âmbito de operações como a Lava Jato e Greenfield.

Na petição, Falcão argumenta que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot teria incentivado o envolvimento da TI na administração e na aplicação de recursos bilionários provenientes dos acordos de leniência.

Para o petista, já seria “escandaloso” o fato de o Ministério Público admitir a atuação de uma entidade internacional na discussão de verbas para investimentos em “projetos sociais”. Mais grave, segundo ele, seria o fato de que o montante negociado chegava a 2,3 bilhões de reais.

Rui Falcão alega que a Transparência Internacional passaria a trabalhar na administração de recursos “sem qualquer embasamento legal”. Além disso, prossegue, haveria indícios de que a ONG teria atuado para interferir em um acordo celebrado entre o MPF e a Petrobras. Essa intervenção teria ocorrido por meio de Bruno Brandão, diretor-executivo da entidade.

A petição reproduz trechos de diálogos mantidos entre procuradores da Lava Jato e obtidos pela Operação Spoofing. Parte desse material deu origem à série de reportagens conhecida como Vaza Jato. Em uma das conversas, o então chefe da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, teria mencionado a intenção de envolver a TI em um “asset sharing” com autoridades dos Estados Unidos, em relação à repartição de valores negociados.

Falcão também reproduz uma mensagem de 29 de novembro de 2018 que, em sua interpretação, indicaria que os procuradores buscavam um caminho para “evitar passar pelo TCU”, ao falarem sobre uma reunião com a FGV e a TI a respeito dos 2,3 bilhões de reais.

A mensagem, cujo autor não é identificado, diz ainda que o estudo não deveria ser repassado à Petrobras naquele momento, pois a TI “tem receio de ficar fora da possibilidade de receber recursos”.

O que está nas mãos do STF

Uma série de documentos do MPF faz parte dos autos do processo em que Toffoli emitiu sua decisão sobre a Transparência Internacional. Um deles é o Memorando de Entendimento entre o Ministério Público, a TI e a Amarribo Brasil, entidade que se diz “pioneira no combate à corrupção”.

O objetivo oficial do memorando seria estabelecer uma “cooperação entre as partes, visando aprimorar a qualidade da informação e o compartilhamento de conhecimento técnico relativo às áreas de prevenção de corrupção, participação social e transparência pública”.

Uma das cláusulas previa a realização de congressos, seminários e outros eventos supostamente relacionados a prevenir a corrupção. Outra projetava a organização conjunta de campanhas sobre o tema, além do desenvolvimento de atividades em defesa de vítimas e denunciantes de corrupção.

Outro documento que compõe os autos é uma carta da TI ao MPF na qual a ONG diz que busca restabelecer sua presença permanente no Brasil para trabalhar no “apoio aos ativistas e às organizações sociais brasileiras que se dedicam à luta contra a corrupção”.

Nesse ofício, a Transparência Internacional propõe uma “orientação geral para a designação de parte dos recursos oriundos de acordos de leniência firmados pelo MPF – e outros órgãos estatais – a projetos de prevenção e controle sodal da corrupção”.

Em mais um documento encaminhado pela TI ao MPF, a entidade saúda Rodrigo Janot por destinar a “projetos sociais” uma parte dos recursos oriundos do acordo de leniência com a J&F. “Ainda mais alvissareira é a informação de que um dos temas prioritários desses projetos sociais será o combate à corrupção”, diz a carta.

A ONG chegou a expressar em detalhes o que imaginava ser prioritário na destinação das verbas”: 50% para “qualificação, proteção e promoção do controle social” e 50% para “iniciativas que promovam novas formas de participação democrática, conscientização política, formação de novas lideranças e inclusão de minorias e grupos excluídos na política”.

Meses depois, a TI voltou a se corresponder com o MPF e disse ser necessário “o estabelecimento de um sistema de governança, estratégia de investimento e monitoramento que garantam o máximo de integridade e eficiência à utilização do recurso”.

“Neste sentido, a Transparência Internacional colocou-se à disposição, em reuniões com as partes signatárias do acordo, para apoiar neste processo de estruturação e, posteriormente, de monitoramento do cumprimento das obrigações de financiamento social do acordo”, reforça o documento.

Na resposta, Rodrigo Janot afirmou à TI “reiterar a importância da definição do plano de investimento na área temática da prevenção e controle social da corrupção”. Essas correspondências ocorreram ao longo de 2017.

Aras entra em cena

Em 2020, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, mandou um ofício à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF sobre os acordos entre o órgão e a Transparência Internacional. Ele destacou a previsão de que a TI “especifícará as ações necessárias para qualificação e estruturação de uma entidade para atender a imposição dos investimentos sociais, como previsto no acordo de leniência”.

“Evidente que uma organização privada irá administrar a aplieação dos recursos de R$ 2,3 bilhões nos investimentos sociais previstos no Acordo de Leniêneia, sem que se submeta aos órgãos de fiscalização e controle do Estado“, escreveu Aras. “A Transparência Internacional é uma organização não-governamental (ONG) internacional sediada em Berlim. Cuida-se de instituição de natureza privada cuja fiscalização escapa da atuação do Ministério Público Federal.”

No ano passado, a número 2 da gestão de Aras, Lindôra Araújo, pediu ao então presidente do STJ, Humberto Martins, o envio do pedido de Rui Falcão contra a TI ao Supremo, devido à relação com processos derivados da Operação Spoofing. Os casos tramitam no STF sob a relatoria de Dias Toffoli. A solicitação foi acolhida por Martins em novembro de 2023.

O outro lado

Em nota divulgada após a decisão de Toffoli, a Transparência Internacional afirmou que “são falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização”.

“A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil. A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos”, diz o comunicado.

A ONG sustenta ter produzido e apresentado um estudo técnico com diretrizes e as melhores práticas de governança para destinar “recursos compensatórios” em casos de corrupção. Diz também que “tais alegações já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional e por autoridades brasileiras, inclusive pelo Ministério Público Federal”.

“Reações hostis ao trabalho anticorrupção da Transparência Internacional são cada vez mais graves e comuns, em diversas partes do mundo”, prossegue a nota. “Ataques às vozes críticas na sociedade, que denunciam a corrupção e a impunidade de poderosos, não podem ser naturalizados.”

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