Glenn Greenwald

Resposta às críticas contra nosso projeto de reforma do Jacarezinho

A política só tem valor na medida em que melhora diretamente a vida das pessoas. Essa é a única política em que estamos interessados

Apoie Siga-nos no

O dia 6 de maio de 2021 foi aterrorizante para nossa família, assim como para tantas pessoas ao redor do Rio de Janeiro. Naquela manhã, nosso WhatsApp foi inundado com relatos de terror e medo de familiares e amigos do Jacarezinho, que estavam sob o mais intenso tiroteio que já haviam presenciado. Um enorme batalhão policial havia invadido a comunidade e atirou indiscriminadamente. Depois de horas de confronto, os moradores foram deixados em meio a 29 cadáveres enquanto limpavam enormes quantidades de sangue dos pisos, paredes e calçadas de suas casas. Não basta dizer que o Jacarezinho naquele dia parecia uma zona de guerra: a verdade é que era literalmente uma zona de guerra, em todos os sentidos do termo.

O impacto em nossa família foi visceral. David foi criado no Jacarezinho, onde sua mãe adotiva (que o acolheu quando ele se tornou órfão aos cinco anos) e irmãos adotivos, assim como a maioria dos amigos de infância ainda vivem. No dia seguinte à chacina, ele foi até a favela. Depois de visitar sua família, encontrou um amigo de infância, Júlio Aguiar, e seu irmão Diego, um importante líder comunitário. Os três discutiram a situação e consideraram obsceno o pretexto apresentado pela polícia para a violência: que a ação era destinada prender os líderes do tráfico que recrutavam os jovens do Jacarezinho para o crime. Por outro lado, também ponderaram que é inaceitável deixar crianças completamente desamparadas e vulneráveis à criminalidade, pois é no vácuo deixado pelo poder público que o “poder paralelo” prolifera. 

Algo precisava ser feito. E, segundo os líderes comunitários locais, esse algo era a construção de novos equipamentos culturais e sociais, e a reforma daqueles dilapidados, para que os jovens do Jacarezinho tivessem para onde ir depois da escola e nos finais de semana. Lá, eles iriam aprender informática, praticar esportes, estudar outras línguas, ter aulas de dança, música, teatro. Evitando que caíssem nas garras do tráfico de drogas e da criminalidade. 

A ideia de que Jack Dorsey está procurando ‘investir’ e ‘explorar’ os recursos de uma favela no Brasil não encontra nenhuma correspondência na realidade

Além disso, esses espaços poderiam ainda funcionar como centros comunitários para toda a família oferecendo cursos profissionalizantes e de capacitação; iniciativas de formação política e cidadã; bibliotecas públicas; cozinhas e hortas coletivas; educação ambiental e também atenção à saúde dos animais – que ao contrário do que acredita parte da esquerda que julga a causa “elitista” — costuma ser uma demanda das populações mais pobres, que consideram seus animais parte da família e sofrem por não poderem lhes dar os cuidados necessários.

Depois de dois anos como vereador e três como deputado federal, David sabia por experiência que obter recursos públicos para esse tipo de projeto nas favelas seria extremamente difícil, especialmente no atual contexto político. Com Bolsonaro no governo, o centrão de Arthur Lira no poder na Câmara e Cláudio Castro no governo estadual, as chances seriam mínimas. E mesmo com um prefeito um pouco mais solidário, como Eduardo Paes, conseguir recursos municipais também seria muito difícil, dadas as dificuldades financeiras enfrentadas pelo Rio — que muitas vezes não consegue nem mesmo pagar os salários dos funcionários públicos. Sabíamos que o principal obstáculo para um projeto de revitalização na favela seria, portanto, o financiamento.

Apesar disso, o projeto era tão inspirador quanto tangível, e as necessidades e demandas que ela supriria absolutamente indispensáveis e urgentes demais para simplesmente dizermos que não podíamos ajudar. Os líderes comunitários e David formularam juntos o projeto ideal, dos sonhos, sem inicialmente se preocupar com orçamento. Foi isso que fizeram. Em agosto, já tínhamos em mãos a proposta completa, com orçamento, a lista de espaços a serem revitalizados, e a decisão de que empregaríamos apenas moradores do Jacarezinho para construir ou reformar os espaços. Seria um projeto nascido da visão dos militantes do Jacarezinho, construído pelos moradores do Jacarezinho, e orientado pelo filho do Jacarezinho que se tornou deputado.

O compromisso com a construção de um futuro melhor não pode e nem precisa levar à paralisia diante das injustiças e demandas urgentes do presente

O orçamento ultrapassava 1 milhão de reais. Além disso, David havia insistido desde o começo que se fôssemos fazer isso no Jacarezinho, usaríamos o sucesso do modelo inicial para atender outras favelas, e portanto o montante necessário seria ainda maior. Dada a grande dificuldade  de obtenção de recursos públicos no atual contexto político, e também o histórico de abandono das favelas mesmo em governos anteriores, inclusive os de esquerda, que nunca priorizaram essa população, ficou claro que precisaríamos buscar alternativas e recorrer a fundações filantrópicas.

Nós, naturalmente discutimos o quão trágico era ter que recorrer a financiamento privado para cumprir o dever mais sagrado do Estado: fornecer necessidades básicas para os cidadãos mais necessitados, especialmente crianças. Além disso, também discutimos e reconhecemos as contradições inerentes a um modelo de desenvolvimento social dependente do altruísmo de bilionários, pois fornecer condições dignas de vida, como moradia, segurança, educação, alimentação, saúde, renda mínima para todos é um dever absoluto do Estado que não deve ser transferido para o setor privado. Qualquer um que acompanhe a atuação política de David sabe que é isso que ele defende e que seu mandato obteve alguns sucessos importantes neste sentido, como a aprovação de leis que fornecem recursos para melhorar os serviços de saúde mental e a inteligência da polícia para que a brutalidade e a violência indiscriminada possam ser reduzidas. 

Entretanto, está longe de ser o suficiente e infelizmente nem um deputado federal sozinho, nem seu partido como um todo, e nem mesmo todo o setor progressista do Congresso reunido têm sido capazes de forçar o governo a cumprir suas obrigações. Muito pelo contrário, quem acompanha a vida pública sabe que a luta diária é para tentar evitar o desmonte de estruturas públicas e retirada de direitos já consolidados – muitas vezes sem sucesso. Portanto, esperar que os governos atuais financiem novas estruturas em favelas e garantam os direitos das populações historicamente abandonadas, parece ilusório no momento.

Essa é a realidade em que vivemos e não a realidade em que gostaríamos de viver, ou que lutamos para construir. Reconhecer essa realidade atual, não significa aceitá-la, aprová-la, ou deixar de lutar para modificá-la. Continuaremos lutando para que as necessidades básicas da população sejam atendidas pelo Poder Público, mas enquanto não obtemos sucesso, devemos deixar essa população completamente desamparada mesmo quando temos outras alternativas, ainda que não ideais, para atender suas necessidades mais urgentes?

Diante disso, nossas únicas opções eram: 1) buscar financiamento privado tomando o cuidado para que não viesse atrelado a nenhum condicionante; ou 2) rejeitar os pedidos dos moradores do Jacarezinho com o argumento de que não há atualmente uma forma ideologicamente pura de obter recursos para tornar o projeto realidade. Considerando que estamos falando sobre a vida e o sofrimento de pessoas reais, incluindo membros da família e amigos de longa data de David, e que ele próprio sabe perfeitamente o que é sofrer essas privações na pele – esta não foi uma escolha tão difícil. 

Eu, Glenn, propus falar primeiro com Jack Dorsey, fundador e CEO do Twitter. Pensamos primeiro em Dorsey porque ele já havia demonstrado interesse em projetos de caridade no Rio de Janeiro depois de conhecer líderes de favelas. Depois de conhecer o fundador do Voz da Comunidade, Rene Silva — e posar para uma foto que Silva postou no Twitter — o bilionário norte americano doou R $1 milhão para o jornal comunitário “para a distribuição de cestas básicas em 25 favelas do Rio”, segundo O Globo. 

Além disso, as doações filantrópicas de Dorsey — ao contrário das de muitos bilionários — normalmente são feitas sem quaisquer condicionantes e sem envolvimento de sua parte. Ele financia projetos já criados que acredita que farão o bem, sem ter nenhum envolvimento na execução. No auge dos protestos Black Lives Matter de 2020, por exemplo, Dorsey doou US$ 10 milhões para o centro de justiça racial e antirracismo dirigido pelo Dr. Ibram Kendi, além de ter feito diversas outras doações ilimitadas para causas de justiça racial, educação e Covid-19 nos últimos dois anos.

Ao apresentar a proposta a Dorsey, sinalizamos a possibilidade de financiamento parcial do orçamento. Ele, entretanto, respondeu de imediato dizendo que financiaria a proposta completa. Nosso papel será de indicar um profissional para acompanhar a prestação de contas, já que fomos responsáveis pela captação. Vamos continuar a trabalhar com líderes comunitários do Jacarezinho e de outras comunidades para garantir mais recursos para futuras reformas e criação de programas educacionais, culturais e esportivos.

Ademais, os recursos foram transferidos diretamente da fundação de Dorsey para nome da ONG, formada e dirigida pelos ativistas do Jacarezinho, e serão administrados por eles que farão a gestão do projeto. Eu, David tendo crescido no Jacarezinho, obviamente participarei ativamente do desenvolvimento e implementação do projeto. Além disso, já começamos a conversar com líderes comunitários de outras favelas do Rio para pensar projetos semelhantes e usar nossa rede de contatos para buscar fontes de financiamento também para eles.

No dia 22 de novembro, participamos do Flow Podcast, durante o qual eu, David, falei sobre as privações que enfrentou na adolescência, tendo que vasculhar o lixo em busca de comida, condenando veementemente seus colegas da Câmara de Deputados por não se importarem com os moradores das favelas e priorizarem o combate à fome, e, portanto, assumimos a responsabilidade de encontrar o financiamento para este projeto crucial. Eu disse:

“A maioria das pessoas que sentam lá, eu vou falar, eles não sabem o que é passar fome. Eu, quando saí da casa, eu passei fome, comendo lixo. Sabe o que é passar o Natal, ir lá no Ceasa pegar resto da fruta para colocar na mesa? As pessoas catando, hoje, no meio das ruas, assim pegando restos da comida o que precisar. [A polícia entrou Jacarezinho atirando] Mas cadê, entrando com educação? Cadê entrando com cultura? Cadê entrando com condições de dar cursos ali? Ai, eu e Glenn, a gente foi, saiu do país, porque a gente não tem condições de fazer as coisas. Fomos atrás dos recursos privados. A gente conseguiu montar um projeto lá no Jacarezinho com Jack Dorsey, o dono do Twitter. É que a gente sabe que não dá para só fazer com o Estado, que não está fazendo. O Estado vai lá e impõe a bala.” 

Ficamos chocados, para dizer o mínimo, quando um certo setor da esquerda – a parte que adora exibir sua pureza ideológica à custa de resultados tangíveis – começou a nos atacar por conta deste projeto. Nunca nos ocorreu que alguém – muito menos pessoas que se identificam como esquerdistas – tentaria retratar este projeto que foi pensado pelos moradores do Jacarezinho como algo nefasto. Mas foi exatamente isso o que aconteceu.

Os ataques começaram no Twitter, onde alguns internautas demonstraram preocupação sobre um suposto “patrocínio” de Jack Dorsey a mim, David. É bastante óbvio que Dorsey não está me “patrocinando” de forma alguma. A doação não foi feita para mim, e sim para um projeto social criado pelos moradores do Jacarezinho em parceria conosco. Nem eu e nem Glenn eu receberemos um centavo, mas isso não impediu que as mentiras se espalhassem rapidamente. 

A partir daí, um blog de conspiração em inglês, Brasil Wire, descreveu falsamente o projeto como “o investimento do bilionário libertário Jack Dorsey nas favelas do Rio”. Entretanto, Dorsey não está “investindo” em nada. Ele fez uma doação para um projeto de revitalização, sem direito ou expectativa de receber nada em troca. Mas a falsa narrativa espalhou-se rapidamente a: longe de ser um projeto social, essa seria uma tentativa clandestina de bilionário norte americano de explorar os recursos do Jacarezinho para enriquecer às custas dos moradores.

De todas as pessoas que deveriam entender a necessidade desse tipo de pragmatismo na política, os militantes da esquerda brasileira que há vinte anos votam no PT deveriam ser os primeiros

Essa narrativa criada para difamar o projeto é ingênua e fantasiosa. A ideia de que Jack Dorsey — um multi-bilionário com mais dinheiro do que poderia gastar em 100 vidas, para quem um milhão de reais é um montante irrelevante — está procurando “investir” e “explorar” os recursos de uma favela no Brasil não encontra nenhuma correspondência na realidade. Quais recursos do Jacarezinho Dorsey pretende explorar? Como exatamente ele explorou as favelas do Rio quando fez uma doação para o Voz das Comunidades?

Ainda que, no plano teórico e ideológico, possa-se em tese argumentar que as doações de um bilionário capitalista tenham a intenção de promover ideias neoliberais, como afirmam alguns militantes críticos ao projeto, como exatamente Dorsey atingiria esse objetivo sem ter nenhuma participação na concepção, execução ou gestão do projeto? 

Ao contrário do que afirmam os críticos, é justamente porque conhecemos e concordamos com muitas das críticas ideológicas à cultura de filantropia e doações de bilionários que buscamos uma doação totalmente irrestrita e sem condicionantes. Minha política, entretanto, é formada por experiências vividas como homem negro, gay e favelado, e não por debates teóricos. Quando decidi entrar para a vida pública, disse que só valeria a pena se ele tivesse a capacidade de mudar a vida das pessoas para melhor de formas concretas. 

Nós  pensamos muito em nossos filhos, que adotamos de um abrigo em Maceió. Apesar de extremamente inteligentes, eles chegaram a nossa família com 8 e 10 anos de idade sem conseguir contar, identificar os dias da semana e ou mesmo seus próprios aniversários. Essas deficiências em conhecimentos básicos e habilidades funcionais se deviam apenas a um fator: o azar na vida e a esmagadora desigualdade social no Brasil. Eles nunca tiveram oportunidades de aprender. Quatro anos mais tarde, vivendo conosco e tendo todo o apoio familiar e escolaridade necessárias, eles agora estão cheios de ambições, habilidades e potencial. Eles hoje competem, e às vezes até superam, seus colegas de classe, que tiveram oportunidades e acesso a vida inteira. 

Essa experiência com nossos filhos nos ensinou uma lição valiosa que nos guia até hoje: é uma tragédia sem paralelo quando o potencial de uma criança se perde porque a sociedade não lhes fornece as necessidades básicas. Quando se está desesperado e sem o básico minimamente atendido, você não se importa como vai obtê-lo ou com quem te dará o que precisa. Apenas se importa obter o que precisa para continuar vivendo. 

Por isso, acreditamos que recusar-se a ajudar pessoas, especialmente crianças, quando se tem oportunidade de fazê-lo em favor de uma postura ideológica é moralmente condenável — especialmente se você se considera de esquerda ou progressista.

Ignorando o potencial de melhoria material e imediata na vida dos moradores do Jacarezinho, invoca-se a ideologia afirmando que o financiamento do setor privado é menos desejável do que um financiamento público. Tal afirmação é tão óbvia quanto inútil. É óbvio que seria melhor se conseguíssemos que o governo Bolsonaro ou o estado do Rio de Janeiro dedicassem recursos para reformar favelas e oferecer programas educacionais, esportivos e culturais para seus jovens. Mas no momento, isso é uma fantasia, um desejo, uma ilusão, e não uma realidade, apesar de toda luta empreendida nesse sentido. 

O que deveríamos ter dito quando moradores e ativistas do Jacarezinho pediram nossa ajuda para obter financiamento para o projeto que eles insistem ser vital para melhorar sua comunidade? Devíamos ter dito a eles: Sentimos muito, mas a única maneira ideologicamente aceitável de melhorar sua comunidade é por meio do socialismo. Mas não se preocupe. Em vinte ou trinta anos ou mais, uma sociedade socialista perfeita finalmente chegará, então espere algumas décadas e torça para que seus filhos sobrevivam até lá? 

De todas as pessoas que deveriam entender a necessidade desse tipo de pragmatismo na política, militantes da esquerda brasileira que há vinte anos votam no PT, seja no primeiro ou no segundo turno, deveriam ser os primeiros. Afinal, o PT é um partido financiado por bilionários, que fez alianças com gente como Eduardo Cunha e Michel Temer, que colocou um oligarca multimilionário (José Alencar) na vice-presidência em 2002, que agora considera se unir em 2022 a Geraldo Alckmin.

Pegos em 2005 comprando votos no escândalo do Mensalão, petistas justificaram todos esses “compromissos” argumentando que eles eram necessários para fazer o necessário e melhorar vidas. A ideia de que justamente esse setor da esquerda, que apoia Lula, vai de repente impor padrões de pureza ideológica a outros setores da esquerda (a tal ponto que devemos recusar uma oportunidade de ajudar dezenas de milhares de crianças porque o projeto é “ideologicamente impuro”) seria ridícula se não fosse tão perversa. 

Esse mesmo setor da esquerda inclusive celebra o trabalho do The Intercept Brasil, especialmente na oposição ao impeachment de Dilma e na denúncia da corrupção de Moro com a Vaza Jato — apesar do veículo ter sido financiado desde o início inteiramente por um bilionário, Pierre Omidyar, fundador do eBay. Isso deixa claro que as objeções a financiamentos privados são seletivas e direcionadas apenas a opositores, ainda que de esquerda.

Ainda que eu, Glenn, tenha arriscado sua vida para expor a ilegalidade da prisão política de Lula, e o fato de que David defende candidatura própria do PSOL à presidência parece ter nos tornado inimigos e parece ser a verdadeira motivação desses ataques. Essa postura é sintomática de um problema maior: apesar de ser tão obcecada com a ideia de diversidade, a esquerda brasileira tem se mostrado absolutamente incapaz de acolher diversidade real de pensamento. Como se a esquerda, a classe trabalhadora e os pobres fossem grupos monolíticos incapazes de abarcar divergências internas. 

Muitos questionam como um político filiado a um partido socialista pode buscar doações de um bilionário para projetos sociais. Essa é uma discussão válida que deve ser feita não apenas por ideólogos, acadêmicos e militantes profissionais, mas sim com participação e protagonismo daqueles que são diretamente afetados: pessoas crescidas nas favelas e lideranças comunitárias locais, que exercem a política não como um jogo abstrato, e sim como um instrumento concreto para mudar a realidade dos mais necessitados. 

Talvez, a discussão ideológica que pode e deve ser feita neste momento histórico, seja: como podemos garantir que projetos sociais, mesmo que financiados por recursos privados, criem as condições para que mudanças estruturais mais profundas ocorram num futuro próximo? Como podemos garantir que o financiamento de bilionários capitalistas possa ser usado para oferecer uma educação verdadeiramente emancipatória e uma formação política libertadora?

Acreditamos que buscar doações completamente irrestritas e livres de condicionantes seja um caminho, talvez não o perfeito e ideal, mas o possível e necessário no atual momento. Continuamos abertos à sugestões, mas os críticos em nenhum momento sugerem qualquer alternativa nem ofereceram ajuda na obtenção de um financiamento alternativo que seja mais aceitável ideologicamente. Simplesmente atacam e desprezam uma iniciativa que apesar de imperfeita ideologicamente, certamente mudará materialmente e imediatamente a vida dos mais necessitados. Esse tipo de ataque não passa de autopromoção superficial e e santimônia vazia que não ajuda ninguém, exceto o ego daqueles que a praticam. 

O caminho para a mudança raramente é linear e a realidade é sempre infinitamente mais complexa e multifacetada que quaisquer teorias e ideologias. O compromisso com a tomada de poder e a construção de uma sociedade melhor no futuro, não pode e nem precisa levar à paralisia diante das injustiças e demandas urgentes do presente, pois nunca é justificável colocar qualquer dogma acima da vida real de qualquer ser humano. E a realidade é que as pessoas precisam antes de tudo estarem vivas, ter um teto, comida no prato, acesso à saúde, à educação, à cultura, para poderem se tornarem agentes de mudança.

Os críticos que estiverem interessados apenas em vencer debates teóricos nas redes sociais podem se consolar com seus dogmas. Nós não iremos deixar de fazer o que estiver a nosso alcance para alavancar projetos que tenham o potencial de promover mudanças concretas e imediatas na vida dos que mais precisam. Ações concretas muitas vezes exigem o enfrentamento de contradições teóricas, mas agir como se já vivêssemos em um mundo socialista perfeito, quando na verdade estamos enfrentando um governo fascista, não ajuda a ninguém — exceto se o que se busca é se sentir puro, superior, e ganhar aplausos dos ideólogos nas redes sociais. 

A “impureza ideológica” desse projeto pode custar a mim, David, algum apoio político nos setores mais dogmáticos e fanáticos da esquerda. Mas a satisfação em saber que estamos ajudando concretamente e não apenas discursivamente os mais necessitados, vale muito mais que votos que se baseiam na fixação por uma ideologia que na prática parece desprovida de empatia.

Em última análise, acreditamos que há muito mais brasileiros que apoiam projetos que ajudam a aliviar o sofrimento dos mais necessitados, do que brasileiros que buscam depreciá-los por motivos egoístas e puramente teóricos. Uma política que não coloca como prioridade absoluta ajudar os mais oprimidos (e não apenas em futuro longínquo, quando a revolução ideológica for alcançada, mas também no imediatismo do presente e de formas concretas) é uma política que é autoindulgente, egoísta e inútil. A política só tem valor na medida em que melhora diretamente a vida das pessoas. Essa é a única política em que estamos interessados. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar