Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

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A chapa Lula e Alckmin será a chapa da tristeza

Ao pensar em 2022, eu votaria nesta chapa sem duvidar. Mas esta será a mais evidente imagem de como a política pode ser triste

Geraldo Alckmin e Lula devem formar chapa para eleição neste ano. Fotos: Rovena Rosa/Agência Brasil e José Cruz/Agência Brasil
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Bom, não tem como fugir mais do tema. Temos de falar da possível chapa Lula-Alckmin. A gente sabe muito bem que política significa sujar as mãos, chafurdar nos problemas da governabilidade, se emporcalhar com as forças necessárias para ter uma mínima estabilidade em Brasília. Sim, a gente sabe que, para fazer política, tem de negociar com aqueles que nos fariam vomitar, tem de ceder diante de personagens que nos contaminam só com sua presença.

Sim, sabemos que, para mudar alguma coisa, não se pode permanecer na utopia, no reino do abstrato, das quimeras, pois o real está sempre muito mais embaixo. Sim, sabemos que não há político imaculado, sabemos muito bem que virgindade e política não combinam, aliás são absolutas inimigas. A gente sabe, mas, caramba, como a gente gostaria que fosse diferente.

Lula e Alckmin. Sim, ninguém duvida que esta é uma chapa potente em termos eleitorais. Lula tem de se aproximar do tal do mercado, essa figura onipresente que nomeamos de forma imprecisa, mas que tem uma enorme concretude, uma concretude às vezes lapidária, os nomes e sobrenomes que movem os bastidores do País. Sem eles, nada. Nomes que sempre têm de ser seduzidos uma e outra vez, uma e outra eleição. Nomes que nunca ganharam tanto dinheiro como nos governos Lula, mas que, mesmo assim, precisam ser novamente convencidos.

Lula também precisa conquistar o Centro, os insatisfeitos com Bolsonaro, mas que não confiam tanto nele como no passado. Aqueles que reconhecem o legado petista, que sabem, que sentem, no bolso, na boca, que com ele comiam melhor, pagavam mais boletos e tinham mais sonhos.

Lula tem de se aproximar do tal do mercado, essa figura onipresente. Também precisa conquistar o Centro, os insatisfeitos com Bolsonaro

Mas também são esses mesmos os que foram cativados pela lógica lavajatista de que o PT se apropriou do Estado para roubar e esses mesmos os que sentem que votar em Lula talvez seja voltar a um passado, um passado melhor, sem dúvida, mas passado vivido. No fim das contas, são esses mesmos os que desconfiam que Lula talvez não seja um homem garantidor da fé e dos bons costumes. São esses os que sabem da capacidade do ex-presidente, mas ainda não confiam totalmente, há aquela suspeita, aquele sentimento de incredulidade, aquela falta de firmeza.

Para esses, talvez a chapa com ­Alckmin seja interessante. Mostra um Lula que, em tempos de política intolerante e agressiva, é capaz de unir forças, de dialogar, de negociar em nome da tão urgente estabilidade. Talvez para eles mostre um Lula muito mais preocupado com a gestão, com o equilibro do País do que com a “politicagem” ou com o enfrentamento. Mostra um Lula conservador que não elegeu uma feminista para ser sua vice, elegeu um homem branco católico. Para o mercado, para o Centro, a chapa Lula-Alckmin pode funcionar.

Ao pensar no cenário de 2022, eu votaria nesta chapa sem duvidar. Gente, eu farei campanha por esta chapa porque não há nenhuma outra possibilidade, não para nós. Mas esta chapa será a mais evidente imagem de como a política pode ser triste. Temos de ganhar esta eleição. Temos de governar. Temos de nos manter no poder. Sim, sim, temos. Não há outra opção para nós. Bolsonaro não é opção. Moro não é opção. Para isso Alckmin pode ser um bom companheiro de viagem? Pode, a não ser que, uma vez no Alvorada, resolva dar uma de Temer e comece a sonhar mais com o Planalto… Para ganhar esta eleição é mais útil Alckmin do que um vice-presidente à esquerda de Lula? Sim. Sim, e nesta resposta radica uma profunda tristeza.

Temos de ganhar a eleição e, parece, isso nos impede de ir mais à esquerda. Será, provavelmente, o Congresso mais à direita da história. Como governar fora dos ­Alckmins da vida na chapa? Lula, por outro lado, transita muito melhor no Centro do que na esquerda. E se ele é o nome no qual depositamos nossas esperanças, sabemos que a política dele é esta. Como a gente queria algo diferente. Como a gente queria mais radicalidade, mais juventude, mais representatividade. Mas tudo em nome de ganhar as eleições. Tudo, até a tristeza.

Nunca canso de dizer que temos de “reencantar” os cidadãos com a política.  Devolver o tesão, a ilusão do fazer coletivo. Mas as necessidades eleitorais e as urgências do curto prazo parecem impor-se constantemente. As eleições nos obrigam a uma política pragmática, mas triste, a uma chapa útil, mas antitesão.

Se esta chapa se confirmar, a gente vai ter de criticar muito, com insistência, ficar de olho. Teremos de nos obstinar para fiscalizar todos os dias, mas fazer o quê? Se a chapa se confirmar, apesar de nossas mágoas, iremos todos às ruas em 2022 defender a candidatura.  E, sim, será uma chapa forte. E, sim, pode ser uma chapa vencedora. Mas, sim, será a chapa da tristeza.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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