Entrevistas

Primeira ministra negra no TSE discute IA, fake news e desafios para mulheres na política

A CartaCapital, Edilene Lôbo classifica as fraudes à cota de gênero como “construção cuidadosa de exclusão” e diz que TSE está preparada para punir abusos no ambiente digital

Brasília (DF), 16/08/2023, A ministra do TSE, Edilene Lobo, participa do programa Reporter Brasil, nos estúdios da EBC. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
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Primeira mulher negra indicada a uma vaga no Tribunal Superior Eleitoral, a ministra Edilene Lôbo diz a CartaCapital que a Corte está preparada para punir abusos no ambiente digital e apresentar respostas duras a episódios de violência política nas eleições municipais deste ano.

“Existe um desafio, isso é evidente. Mas a Justiça Eleitoral tem dado mostras de que está preparada para lidar com aqueles tentarem manipular o resultado dos pleitos, abusando da comunicação no mundo digital. E não vai pactuar com a violência política, muito menos contra as mulheres e menos ainda contra as mulheres negras“, afirmou.

A magistrada classificou como “construção cuidadosa de exclusão” as fraudes à cota de gênero cometidas por partidos políticos e destacou que o Tribunal estuda formas de endurecer a fiscalização na distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral. Pela legislação, cada agremiação deve preencher o mínimo de 30% de candidaturas femininas, em qualquer eleição.

Em alguns casos, contudo, as siglas tentam burlar essa regra e apresentam candidaturas laranjas. Ao menos 200 processos sobre o tema foram julgados na Corte nos últimos doses meses. Na avaliação de Edilene, essa prática também é uma forma de violência simbólica.

“A violência política de gênero é a base de todas as outras violências, na medida em que exclui as mulheres da contribuição da participação na vida pública. Uma democracia sem mulheres é uma democracia falsa”, destacou. “Precisamos compreender que termos mais mulheres e mais mulheres negras na política é uma questão de justiça, de equidade”

A ministra-substituta do TSE desembarcou em Aracaju nesta segunda-feira, 4 de março, para ministrar uma palestra sobre a necessidade das mulheres negras ocuparem o ambiente político. O evento foi promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe e contou com a presença de inúmeras autoridades.

Mineira de Taiobeiras, no interior do estado, Edilene Lôbo é formada em direito pela Universidade de Itaúna e possui mestrado pela UFMG. Também foi professora na Universidade Sorbonne, em Paris, e assumiu a cadeira no tribunal em agosto.

Voz potente no Judiciário sobre as questões de gênero, Edilene Lôbo ainda disse considerar que sua chegada à mais alta Corte de Justiça Eleitoral brasileira é uma forma de mostrar “às meninas e mulheres negras que esses espaços também nos cabe”. E destacou a educação como uma das principais razões que a ajudaram a chegar ao cargo. 

Ao apresentar um breve panorama sobre a presença de mulheres negras em espaços de poder, a magistrada afirmou que o quadro atual é “vexatório”. Mais adiante, ressaltou não estar “buscando gentilezas ou migalhas”, mas a efetivação de direitos previstos na Constituição.

“Nós chegamos ao quadro de ocupação política que nós temos, que é um quadro vexatório, devo dizer. Não faz jus a grandeza deste país, a exclusão sistemática das mulheres do poder”, acrescentou. “Não é um favor falar de mais mulheres na política. Não se trata de uma gentileza”.

Na conversa, alertou ainda para a disseminação das fake news como um instrumento de perpetuação da violência política, além de contribuir com as desigualdades sociais de raça e gênero, e defendeu a necessidade de uma legislação específica para “estabelecer os limites da comunicação política no ambiente digital”.

Segundo a ministra, as resoluções sobre o uso de inteligência artificial e ilícitos eleitorais, publicadas pelo TSE na última semana, representam um passo importante para coibir essas práticas durante as eleições deste ano. Mas, acrescenta, ainda é preciso voltar a discutir o PL das Fake News.

Hoje, o projeto que tenta impor regras às big techs sobre a disseminação de informações falsas está travado no Congresso por resistências das plataformas digitais. Com as eleições se aproximando, parlamentares avaliam existir cenário favorável para pautar o texto em plenário.

“Se bem discutido, podemos ter um modelo vigoroso, bem desenvolvido e bem nítido de regulação do uso da Inteligência Artificial e do ambiente digital para a sociedade brasileira”, pontua Edilene.

Com as regras do TSE sobre a IA, os candidatos estão proibidos de usar deepkfake em peças de campanha e obrigados a identificar conteúdos manipulados pela tecnologia. Quem descumprir a determinação poderá ser punido com a cassação do registro de candidatura ou com a perda do mandato.

Também existe uma restrição ao uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação das campanhas com pessoas. O objetivo é evitar a circulação de montagens de imagens e vozes produzidas por aplicativos de inteligência artificial para manipular declarações falsas de candidatos e autoridades.

A Corte também determinará que as redes sociais tomem medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos inverídicos ou descontextualizados. As plataformas que não retirarem conteúdos antidemocráticos e com discurso de ódio, como declarações racistas, homofóbicas ou nazistas, serão responsabilizadas.

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