Educação

As grandes desigualdades entre o Novo Ensino Médio na escola pública e na escola particular

CartaCapital visitou instituições em São Paulo para discutir com coordenadores, professores e alunos a aplicação da reforma; governo Lula anunciou mudanças, mas não revogação

À esquerda, escola estadual do ABC paulista. À direita, Colégio Presbiteriano Mackenzie — Foto: Camila Da Silva/Montagem
Apoie Siga-nos no

Ana Clara, de 17 anos, está prestes a concluir a última etapa da formação básica, o Ensino Médio. Aluna da terceira série de uma escola pública da região metropolitana de São Paulo, sua história ilustra os abismos educacionais que os estudantes brasileiros experimentaram nos últimos anos.

Um breve histórico: em 2020, ela e outros milhões de estudantes brasileiros iniciaram o Ensino Médio durante a pandemia. Apesar dos esforços para não deixar os estudos de lado, ficou evidente que as telas dos celulares não foram suficientes para proporcionar uma qualidade de formação adequada aos jovens.

Em 2021, aos poucos, tentava-se voltar às salas de aula — cabe ressaltar, ainda sem qualquer sinal de ‘normalidade’ do cotidiano escolar.

E apesar dos anos incomuns, a tão esperada recuperação pós-pandemia não aconteceu, dando lugar às mudanças impostas pelo Novo Ensino Médio que, aprovado ainda no governo Temer, teve em São Paulo sua incubadora perfeita – o então secretário da Educação paulista, Rossieli Soares, fora também  ministro da Educação de Temer.

A premissa do governo paulista era investir no NEM para oferecer uma educação que estimulasse o protagonismo dos alunos e estivesse conectado à realidade dos jovens e ao mercado de trabalho.

No entanto, a mudança – aplicada de forma pioneira em 2021 às turmas de primeiro ano do Ensino Médio – não chegou de forma tão harmoniosa aos estudantes, nem aos professores.

Para Ana, que estudava pelo celular, entre as aulas presenciais e remotas, a mudança foi confusa.

“Foi na pandemia que a escola contou sobre o Novo Ensino Médio, só que não explicaram muito bem, né? E aí acabou que muita gente escolheu algo que não queria… eu escolhi a área da ciências humanas”, relembra a estudante.

A escolha a que ela se refere, é dos chamados itinerários formativos, que funcionariam como um aprofundamento de uma das quatro áreas de conhecimento — Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza.

Ou seja, após as aulas das disciplinas comuns (Português, Geografia, Biologia…), os alunos estudariam temas apenas da área escolhida.

A seleção em questão, aconteceu em junho de 2021, durante a rematrícula escolar. Para concluir o processo, os estudantes precisavam listar em ordem de prioridade, dentro das opções, quais os itinerários gostariam de cursar no primeiro semestre de 2022.

Alguns conseguiram fazer isso de casa e outros, sem entender do que se tratava, foram à escola para conseguir concluir e reservar sua vaga na instituição.

Ao todo, são 11 opções de itinerário disponibilizadas pelo currículo paulista, dentro das quatro áreas de conhecimento. As escolas são obrigadas a ter pelo menos uma opção de cada área.

A escola de Ana oferece atualmente as seguintes opções:

Só que para conseguir oferecer os itinerários e manter a carga horária do ensino regular de 20 horas semanais, as instituições precisaram reduzir a quantidade de aulas das disciplinas comuns. Um dos pontos mais criticados pelos especialistas contrários à reforma.

Ana, que estuda das 7h às 12h35, atualmente não tem aulas tradicionais de biologia, física, química, história, geografia, filosofia e sociologia. Estas matérias só são contempladas em sua grade, a partir da escolha do itinerário.

Em seu caso, que estuda Cultura em Movimento, ela tem acesso aos conteúdos de filosofia, sociologia, geografia e história, a partir desse itinerário.

Além dos itinerários comuns, existe a possibilidade de realizar junto o ensino técnico integrado, o NovoTec. Somado a isso, no cronograma de aulas obrigatório em São Paulo existem também as disciplinas do projeto Inova: Tecnologia, Projeto de Vida e Eletiva.

A exclusão de matérias tradicionais, para adição dos itinerários e Inova nas escolas públicas são de orientação estadual e não próprias das instituições.

No total, são 7 aulas de 45 minutos por dia. A cada ano, as disciplinas tradicionais perdem 5 aulas, para agregar os itinerários e o programa Inova. Ao final da formação do Ensino Médio, a Base Comum perdeu 15 aulas semanais.

No primeiro ano, das 35 aulas semanais, 30 são das disciplinas tradicionais e as outras 5 do Inova. No segundo ano são 25 aulas das disciplinas tradicionais, 5 do itinerário e 5 do Inova. E no terceiro ano, 20 aulas da base comum, 10 de itinerário e 5 do Inova.

Como no ditado popular, nem sempre quantidade é sinônimo de qualidade. “Eu sinto muita dificuldade em Matemática e Português que diminuíram bastante, são só duas aulas por semana”, conta Ana. “Tem bastante itinerário, então a gente fica sentindo falta [de algumas matérias] e sabe que vai fazer falta pra gente ir lá na frente também”.

A falta do básico, reflete o impacto do déficit educacional gerado pelas dificuldades de aprendizado na pandemia e amplificadas com a reforma.

Os problemas provocam, além da reclamação dos estudantes, questionamentos dos próprios pais.

“Hoje eu atendi uma mãe há pouco tempo desesperada, o filho chorou aqui, queria mudar de escola”, relata Alessandra*, coordenadora de Ensino Médio na escola estadual do ABC. “Aí eu sentei, mostrei a grade horária para a mãe e falei: ‘É assim, não tem pra onde fugir. Não é a nossa escola que inventou isso’. Alguns pais não entendem e acham que é a escola”.

Para a coordenadora, a proposta tem boas intenções mas não foi bem estruturada para o contexto dos colégios públicos, o que SE reflete na dificuldade de implementação.

“É desesperador, vejo que essa geração vai ficar perdida. Por exemplo, as poucas aulas da base comum não prepararam para nada, e eles já tinham perdido muito conteúdo na pandemia. Eles não vão nem para o mercado de trabalho e nem para a acadêmica, porque é um ensino que não forma nada“, desabafa Alessandra.

Na instituição, são 700 alunos de Ensino Médio, neste cenário.

A falta das disciplinas tradicionais no cotidiano escolar é um consenso entre as escolas públicas e particulares, mesmo com os diferentes contextos de aplicação.

Saindo da região do grande ABC e indo para o centro da capital paulista, em Higienópolis, a equipe de reportagem visitou o Colégio Presbiteriano Mackenzie.

Luana, de 17 anos, estudante do terceiro ano e integrante das primeiras turmas com o novo modelo, conta que também sentiu dificuldades diante da perda de aulas básicas.

“A gente vê muita coisa mas não tem tempo para fazer exercício, simplesmente passa o conteúdo e não tem mais aula para fazer outra coisa, entendeu?”, relata. “As matérias que a gente tinha antes ficaram mais corridas.”

A grade horária do Ensino Médio do colégio, assim como no público, permaneceu a mesma.

No entanto, os alunos ficam das 7h às 13h30 e às terças-feiras em período integral, das 7h às 17h. O que repercute em 38h de aulas semanais e permite que o dia com maior carga horária, seja exclusivo para as matérias da base comum.

Nas disciplinas priorizadas, por exemplo, Português não sofreu nenhum corte e conta com seis aulas na semana e as aulas de matemática passaram de cinco para quatro semanais.

As disciplinas de química, biologia e física deixaram de ter quatro aulas por semana para duas, o que também foi alvo de reclamação dos pais. “No primeiro ano que a gente fez as divisões, Biologia ficou com uma aula na primeira série, aí eu tive demanda. Os pais vieram: “Nossa, como que Biologia tem uma aula só?””, conta o coordenador do Ensino Médio do Colégio Mackenzie, Rogério Tognetti, “Através disso fizemos ajustes, no próprio ano fizemos uma eletiva no período da tarde que pudesse suprir essa necessidade de Biologia”.

No entanto, a percepção de qual matéria era mais importante para os pais também teve um recorte de área: “As que mais vieram foram Biologia e química. Por incrível que pareça, sobre Filosofia e Sociologia, até hoje não chegou nada pra gente.”

Como são as novas aulas que ‘substituem’ as disciplinas tradicionais

É nas novas aulas que se observa uma das maiores discrepâncias entre a implementação da reforma nas escolas públicas e particulares.

No colégio de Ana, no ABC, os itinerários são sugeridos pela Secretaria de Educação de São Paulo e as escolas escolhem conforme o interesse dos alunos e os recursos disponíveis na escola. 

O formato é pensado para que os alunos permaneçam no mesmo itinerário durante a segunda e terceira série, como foi o caso de Ana. E daí surge um grande quebra-cabeça.

Todos os itinerários tem em sua composição, as chamadas ‘Unidades Curriculares‘ (UC) e tem duração de um semestre. São duas UC’s na segunda série e quatro UC’s na terceira. 

Em cada unidade curricular existem aprofundamentos que funcionam como disciplinas. 

Neste semestre, por exemplo, Ana tem duas UC’s: Compromissos com o Patrimônio cultural e ambiental e Representações da humanidade: teorias e práticas.

Dentro dessas duas UC’s ela tem um total de 8 “disciplinas”, lecionadas por diferentes professores:

  • Preservação e conservação do patrimônio material e imaterial;
  • Esportes radicais, trilhas e tribos;
  • Cartografia social e afetiva;
  • Processos de assimilação e aculturação;
  • Núcleo de estudo: Mídia hegemônica; 
  • Oralidade e produção escrita: As representações do Eu;
  • Narrativas Transmídias: Construindo culturas;
  • Cidadania e Justiça. 

Para a professora Katia*, mesmo com dois anos de implementação, a reforma ainda é bastante confusa, sobretudo para os alunos. “Está uma zona na cabeça deles, porque eles não conseguem diferenciar as unidades curriculares ainda. Aos poucos eles estão tentando, toda aula que a gente entra, eles ficam: ‘É o que hoje, professora?'”.

Katia ministrava as aulas de História no ensino regular e agora leciona os componentes curriculares de ‘Processo de assimilação, Narrativas transmídias e Cultura, simbolismo e clima’, que estão dentro da sua formação em Ciências Humanas. 

A ‘expectativa vs realidade’ dos itinerários na sala de aula, começa com a proposta de interdisciplinaridade. A ideia era que os professores que dão aula dos aprofundamentos de uma Unidade Curricular fizessem um cronograma conjunto que interagisse e complementasse um ao outro. 

No entanto, “os professores têm horários diferentes na escola. Esse plano de aula ser feito em conjunto é muito difícil”, registra a diretora do colégio Luciana*. 

Outro ponto levantado pelo corpo docente é o material de apoio. A apostila disponibilizada pela secretaria de educação paulista, o Material de Apoio ao Planejamento e Práticas de Aprofundamento (MAPPA), é avaliada pelos professores como muito básica para a preparação de aulas.

No aprofundamento curricular de “Narrativas Transmídias”, lecionado por Katia, são apenas 17 páginas, com cinco atividades orientadas para um componente curricular que dura seis meses. 

“É um material muito curto para o período extenso que é o itinerário, é como se ele fosse só uma raiz, entende? Uma raiz”, lamenta a professora Katia. “O que tá aqui [no MAPPA] faz parte da minha área, mas eu faria isso com 10 aulas, e aí eu preciso fazer uma proposta de trabalho para o meu aluno durante um semestre no mesmo assunto”. 

Nesse sentido surge outra preocupação, os vestibulares. Nenhum dos principais exames alterou seu modelo de prova pensando na reforma, ou seja, ainda existem os conteúdos curriculares cobrados em prova, que não necessariamente estarão contemplados nos itinerários ou nas poucas aulas da base comum. 

“Quando você faz esse recorte, o itinerário é uma pincelada. Você não consegue trazer por exemplo garantir que eles passem por tudo que é importante”, aponta a professora, que na tentativa de não deixar seus alunos sem o conteúdo necessário, busca conexões entre o currículo do itinerário e a formação tradicional, para conseguir ensinar aos alunos os principais assuntos. 

Ademais, outro item ‘perdido’ no quebra-cabeça, segundo os docentes, é a proposta de tornar o aluno protagonista. Nesse modelo o estudante teoricamente precisa escolher um itinerário e ficar no mesmo até o final do Ensino Médio para garantir a formação completa. 

Caso esse aluno mude do itinerário “Cultura em Movimento” no meio do ano letivo para “Se Liga Na Mídia”, por exemplo, ele nem finaliza o conteúdo do primeiro e acaba pegando outro itinerário pela metade. Ou seja, não há continuidade, nem grandes possibilidades de escolha. 

Em um outro cenário, se ele muda de escola e na nova instituição não tem o mesmo itinerário da escola antiga, ele também fica impossibilitado de complementar essa formação. 

A única estrutura que une todos os itinerários são as habilidades e competências apontadas na Base Nacional Comum Curricular, a responsável pela reestruturação curricular do Novo Ensino Médio. 

Todos os itinerários precisam dar conta de que o aluno desenvolva as competências elencadas ali, qualquer que seja a escolha dele. 

Estrutura, orientação pedagógica e material próprio

Na instituição particular, os itinerários, chamados de trilhas pedagógicas, são elaborados pelos professores do colégio. Um passo anterior à implementação, os alunos que ainda estavam no nono ano do Ensino Fundamental, participaram do processo de elaboração elencando os temas de interesse e a partir das respostas, os professores do Ensino Médio desenvolveram as primeiras trilhas. 

Os alunos precisam escolher obrigatoriamente 4 trilhas, uma de cada área do conhecimento. Diferentemente dos itinerários da escola pública, na trilha, ela funciona como uma disciplina completa, sem ‘componentes curriculares’ incluídos. 

“Essa criação de uma trilha, eu acho que passa por duas perguntas. Quais são as habilidades que eu domino? E quais são os interesses dos alunos?”, explica o professor de geografia, Lucas Picolotto Ribeiro, que também leciona uma trilha ao Ensino Médio, nomeada como “A natureza do espaço”. 

Cada trilha tem duração de três meses, com o desenvolvimento de um produto e/ou trabalho final. Ao todo, o colégio disponibiliza 13 trilhas por série, que abrangem um total de 300 alunos (400 alunos a menos que no ABC). 

Diante a atuação mais específica e com menos alunos, a interdisciplinaridade ficou mais próxima da realidade dos alunos e professores. Elder Al Kondari, professor de história no colégio desde 2020, conta que chegou a criar uma trilha e conteúdos com colegas da área de física e biologia para pensar um conteúdo a respeito do Bicentenário da Independência.

“É um desafio muito grande da gente incorporar essas várias áreas, em alguns momentos”, relata. “Mas essa interdisciplinaridade não se manifesta assim sempre, com um conteúdo que as diferentes áreas conseguem abordar. Elas se manifestam nas habilidades e competências então, por exemplo, como professor de história, eu demando muito dos meus alunos, uma leitura de imagem, que não é algo próprio da história, é algo próprio da matemática”. 

Para construir essas conexões, existiu uma nova etapa na carga horária de trabalho docente: a criação do conteúdo curricular das trilhas. 

“A sala de aula é a parte fácil, lidar com os alunos”, comenta Elder. “[Ali] é a demanda de um curso novo e eu particularmente, por exemplo, criei cursos todos os anos. No ano de 2021, era pandemia, eu criei um curso sobre história da Saúde da medicina. Em 2022 criei um curso sobre a independência do Brasil, já que se tratava do Bi Centenário trazendo as novidades historiográficas”. 

Atualmente, ele passou a ministrar exclusivamente às aulas de trilhas para 10 turmas do Ensino Médio apenas no colégio Mackenzie. 

O professor Lucas Picolotto reforça que a dificuldade de adaptação está no processo criativo, “porque as habilidades já estão definidas, elas permanecem pela BNCC e a gente tem que trazer temas novos para ficar se reinventando, mas utilizando as mesmas habilidades”. 

A saída encontrada pelo professor de Matemática, João Vitor Mattos foi unir o conteúdo com os estudos do mestrado. “A palavra perfeita para falar dessa liberdade dos professores proporem os temas é a formação continuada. Eu por exemplo pesquiso a história da matemática e eu vejo que é como se fosse um pedacinho do nosso corpo de pesquisa aqui dentro [no curso]”.

Quanto à formação e preparação para as aulas, os professores se reúnem três vezes ao mês, e também usam o material didático próprio do colégio, para dar base a criação dos conteúdos. 

O que também colabora para a dedicação aos cursos, é a possibilidade de dedicação exclusiva a uma única instituição.

Para Katia, no ABC, as reuniões pedagógicas como apoio ao professor, vieram no sentido do uso de ferramentas tecnológicas. No entanto, o uso dessas ferramentas não é aplicado em sala de aula. 

Além disso, a maior parte das formações sobre os itinerários e as disciplinas eletivas — estas, criadas pelos professores, acontecem virtualmente pela Efape, Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo, em cursos com média de 30h de formação.  

As eletivas, também com duração de um semestre com duas aulas por semana, buscam, na teoria, uma conexão com os assuntos de interesse dos alunos na disciplina de Projeto de Vida. Ou seja, pensada ‘do zero’ pelo corpo docente. 

Sobre este componente que viralizou as matérias de ‘Brigadeiro Gourmet’, ‘Mundo Pet’, ‘RPG’, criada por professores na tentativa de atrair os alunos para as aulas.

O documento usado pelos docentes com exemplos e a base curricular que deve compor qualquer eletiva tem 162 páginas e conta com opções como: ‘Educação Midiática’ e ‘Turismo’. 

Orçamento escolar 

Em ambas escolas, por terem optado em manter a carga horária tradicional das aulas, não existiu um aumento de gastos de forma direta para a estrutura escolar. 

No entanto, esta última fez diferença na prática das aulas com os itinerários na instituição do ABC. “A maioria das atividades [do MAPPA] é proposto que utilize o QR Code, é proposto que o professor desse a atividade fora da sala de aula, em outros espaços da escola. Como? Nós não temos espaço para tudo isso aqui”, registra a diretora Luciana, que tem em toda a escola, cerca de 970 alunos. 

A alternativa encontrada pelos professores foi a impressão das atividades, já que as salas não possuem Wi-Fi para acessar os sites propostos. Mesmo assim, nem sempre a opção se mostra suficiente, “neste outro QR-Code, por exemplo, tem 50 imagens, como que eu imprimo em uma sala que tem 40 alunos, 50 imagens para cada aluno? E isso eu estou falando apenas de uma aula”, exemplifica Luciana. 

A instituição possui dois laboratórios de informática, mas para as aulas de itinerário nem sempre é possível levar as turmas para lá com frequência, pois também compartilham o espaço com as turmas de Ensino Fundamental I e II. 

Entre 2021 e 2022, primeiros anos de implementação, o governo paulista investiu 184 milhões de reais para as escolas estaduais, através do ​​Programa Dinheiro Direto na Escola Paulista (PDDE Paulista). Conforme mostram dados obtidos por CartaCapital através da Lei de Acesso à Informação.

Ao considerar o número de escolas e de estudantes, dos 845 distritos que o montante foi distribuído, algumas instituições receberam 26,23 a 45,72 reais por aluno. Em geral, a variação por escola foi de 6.300 a 199 mil reais.

O repasse, segundo a secretaria, foi feito por meio das Associações de Pais e Mestres (APMs), ao qual as escolas solicitaram apoio para conseguir oferecer os itinerários formativos.

Já no Colégio Mackenzie, o coordenador de Ensino Médio, Rogério Tognetti, conta que o investimento em infraestrutura não foi necessário, pois o prédio já passava por reformas para ampliação de novos espaços, como o laboratório Steam, pensado para integrar atividades práticas de Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática. 

Devido ao acréscimo de itinerários neste ano, o que aconteceu foi a contratação de novos 5 profissionais. 

Laboratório STEAM, para atividades de ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática, no Colégio Presbiteriano Mackenzie, em São Paulo — Foto: Camila da Silva/CartaCapital

Protagonismo para inglês ver?

Para os alunos ouvidos, as novas disciplinas não estimularam, na prática, a “autonomia estudantil” proposta pela Lei da Reforma.

“Como a gente sabe que tem muita tarefa, as pessoas falam ‘ah, essa trilha é bem fácil, a gente não faz nada’, aí a gente acaba escolhendo essas daí, porque a gente quer só ter uma folga e então não teve muito envolvimento, ninguém escolhe pelo assunto, eu diria que é mais por tanto ela ser fácil ou não, e pelos professores”, relata Enzo Lopes, estudante da terceira série.

Ana, também ressalta que apesar de algumas disciplinas agregarem no cotidiano escolar, ainda não consegue perceber a conexão entre itinerários e o conhecimento produzido ao final do ciclo.

“Projeto de vida, mesmo não sendo itinerário, é interessante que faz a gente pensar no nosso futuro, mas tem uns itinerários que eu acho que não tem necessidade desses assuntos”, conta. “Oralidade e escrita que estamos tendo agora, por exemplo, temos um debate sobre aborto. Só que lá na nossa sala não é muito legal fazer debate que é uma sala que o pessoal não respeita a opinião do outro. E tem outras que eu acho que só é muito texto, tem professor que entra e fica só nisso assim”.

Ao final dos itinerários, em cada componente/disciplina, eles desenvolvem algum trabalho ou texto, que também nem sempre está conectado uns aos outros, o que impacta nesse sentimento de improdutividade acadêmica dos alunos.

“Eu só gostaria que voltasse ao normal sem essas matérias, sabe? Que a gente voltasse até as aulas de português e matemática que eu acho que é o mais importante é o básico para a gente saber hoje em dia, então se eu pudesse voltaria como era antes”, conclui.

Futuro à deriva

Apesar das manifestações e pressões do movimento estudantil para que o Novo Ensino Médio seja revogado, sob o argumento de que não seria possível ajustar um modelo que já não se aplica à realidade da maioria das escolas, o presidente Lula (PT) garantiu que não haverá revogação.

O que está em discussão neste momento é a reestruturação do Novo Ensino Médio a partir de uma consulta pública iniciada em 8 de março e que prosseguiu até o mês de julho. No documento apresentado no último dia 7, o MEC propõe aumento da jornada, em função da diminuição das aulas base, e redução dos itinerários formativos. Apesar disso, a oferta de cursos técnicos ainda é uma incógnita

Agora o projeto está nas mãos dos órgãos normativos e após o resultados dessa pesquisa, entrará em vigor a suspensão por 60 dias do cronograma de implementação. O que incide sob a atualização curricular e principalmente sobre as discussões de atualização do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Enquanto não há definições, as instituições seguem com a aplicação do modelo. Para as mudanças entrarem, de fato, em vigor, as novas propostas devem ser votadas na Câmara e no Senado. 

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes e evitar represálias. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo