Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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Teto de gastos: As restrições artificiais já retiraram R$ 37 bilhões do SUS

A resiliência da tese da austeridade implicou a paralisação do auxílio emergencial no primeiro trimestre deste ano

(Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil) Críticos falam em início de privatização do SUS (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)
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Após a crise de 2008, economistas tradicionais passaram a reconhecer o papel da política fiscal como instrumento de estabilização econômica. A mudança se deu no contexto de baixas taxas de juros nos países desenvolvidos, de modo que a política monetária se tornou ineficaz para garantir a recuperação das economias.

Desde então, houve amplo debate sobre o desenho de arcabouços fiscais, culminando em propostas de maior flexibilidade nas regras para que o gasto público possa funcionar como elemento de suavização dos ciclos econômicos.

Com a pandemia da Covid-19, observou-se crescimento das dívidas públicas e foram acionadas cláusulas de escape, com suspensão de regras fiscais. Diversos países estão prevendo crescimento do gasto público no “pós-pandemia” para dotar o Estado de capacidade de resposta aos desafios da retomada.

 

No Brasil, o Novo Regime Fiscal, instituído pela Emenda Constitucional nº 95/2016, introduziu um limite de gasto que corrige a despesa primária pela inflação passada. Na contramão do debate em curso no resto do mundo, o teto é uma regra que, independentemente da arrecadação, determina redução da despesa em relação ao tamanho da economia até 2026 (podendo ser renovado por mais 10 anos).

Para garantir o ajuste ao teto, um dos instrumentos é o congelamento do valor mínimo obrigatório de saúde. A regra da EC 95 previu que o piso de recursos do setor seja dado pelo valor mínimo de 2017, acrescido da inflação. Anteriormente, a regra determinava aplicação em saúde de, pelo menos, 15% da Receita Corrente Líquida – RCL de cada exercício.

Defensores da EC 95 alegam que o Estado está “quebrado”. O argumento sequer faz sentido. Num sistema fiduciário, o Estado emissor de moeda não “adquire dinheiro”. A moeda funciona como unidade de conta que registra débitos e créditos.

Ben Bernanke, em certa ocasião, afirmou que a compra de ativos pelo banco central americano em meio à política de quantitative easing não se valia de recursos de impostos, apenas implicando o “uso do computador” para creditar as contas dos bancos junto ao FED.

O governo emissor de moeda gasta creditando as contas dos beneficiários. O gasto deficitário implica ampliação das reservas bancárias. O excesso de liquidez deve ser esterilizado pela autoridade monetária, evitando que a taxa do mercado interbancário caia a zero, distanciando-se da meta da taxa básica de juros (supondo-se que seja positiva).

A experiência brasileira de 2020 é útil para compreender a questão. Para responder à pandemia, houve suspensão das regras fiscais e ampliação dos gastos em 524 bilhões de reais. O déficit primário do governo central foi de 10% do PIB. Diante da recusa do mercado em comprar títulos à determinada taxa, o Tesouro usou seu caixa para resgatar títulos e financiar ações emergenciais. O resultado foi uma injeção de liquidez na economia, levando a autoridade monetária a vender dívida para enxugar o excesso de reservas bancárias.

Em 2021, a retomada do teto inviabilizou a previsão de valores no orçamento para o combate à pandemia, levando à edição de créditos extraordinários. A resiliência da tese da austeridade implicou a paralisação do auxílio emergencial no primeiro trimestre deste ano, mesmo com o recrudescimento da pandemia.

Para 2022, a necessidade de ampliação de gastos em ano eleitoral levou o governo a propor a limitação do pagamento de precatórios e a alteração da fórmula de cálculo do teto para acrescer mais de 100 bilhões de reais às despesas previstas no projeto de orçamento. O dinheiro que havia sumido voltou?

Para a saúde, a mudança na fórmula da correção do teto deve acrescer 5,3 bilhões de reais em relação aos gastos previstos no projeto orçamentário. Ainda assim, o congelamento do piso de aplicação de saúde reduz o orçamento do SUS em 19,5 bilhões em 2022.

A tabela 1 mostra o impacto do congelamento do piso de saúde, levando a uma retirada de 37 bilhões do orçamento federal do SUS desde 2018.

Em meio à pandemia da Covid-19 e ao caos sanitário estimulado pelo governo, resultando em quase 620 mil óbitos, o que mais precisaremos para reverter o sequestro dos recursos do SUS?

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