Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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O Estado brasileiro precisa despender mais com investimentos e gastos sociais

A crise da Covid-19 no Brasil mostrou que a política fiscal foi fundamental para a recuperação do choque recessivo

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A crise financeira internacional de 2008 pôs em xeque a concepção de que a política fiscal era um mero farol das expectativas dos agentes, uma mera fiadora da estabilidade macroeconômica. Com taxas de juros muito baixas ou próximas a zero nas principais economias do mundo, a política monetária convencional perdeu a capacidade de exercer o papel de protagonista que havia desempenhado durante a Grande Moderação. Em várias economias, a política fiscal deixou de ser a fiadora e passou a ser a timoneira da recuperação econômica.

A necessidade de lidar com a crise reacendeu uma série de discussões sobre política fiscal dentro e fora do mainstream econômico: A ideia de finanças saudáveis ainda deveria ser a principal referência para a política fiscal? Qual a relação entre endividamento público e crescimento econômico? A austeridade pode ser expansionista? E, principalmente, quais impactos o Estado é capaz de gerar sobre a economia?

Esta última pergunta recebeu uma enorme atenção dos economistas a partir da discussão empírica sobre os multiplicadores fiscais. Nessa seara, importava discutir não só o tamanho do multiplicador de gastos agregados, mas também como diferentes rubricas do orçamento poderiam impactar a geração de renda na economia. Ademais, cabia pensar se esses multiplicadores poderiam ser distintos conforme a fase do ciclo econômico: A política fiscal seria, de fato, mais eficaz em recessões? Qual o mix ideal de gastos e tributos que o governo poderia lançar mão?

A pandemia de Covid-19, em toda sua gravidade, reforçou as preocupações do final da década de 2000 em relação ao papel da política fiscal e o que ela seria capaz de entregar. Agora, porém, num contexto de crise bem distinto, que exigiu uma resposta do Estado ainda mais aguda. Para além dos necessários gastos emergenciais, a década de estudos empíricos sobre multiplicadores serviu para respaldar que os gastos públicos têm sim efeitos positivos sobre a renda e o emprego. Ademais, diversos autores defendem que esses efeitos são maiores em recessões, muito embora esse ponto não seja consensual.

A literatura sobre multiplicadores fiscais no Brasil é relativamente escassa, mas contou com várias contribuições nos últimos anos. Num trabalho recém-publicado analisamos as principais referências que visam a estimar empiricamente esses multiplicadores para a economia brasileira. Uma conclusão preliminar é a de que há grande dispersão de resultados, reproduzindo em nossa experiência doméstica as controvérsias presentes na literatura internacional.

As divergências podem ser explicadas por vários fatores, como os diferentes períodos de análise, as metodologias e os “tipos” de multiplicadores escolhidos e as diferentes fontes de dados. No entanto, a maior parte dos trabalhos sugere que os multiplicadores dos gastos públicos afetam positivamente o PIB, alinhando-se ao que na literatura se convencionou chamar de “resultados tipicamente keynesianos”. Há um número muito pequeno de estudos que destoam deste resultado, com a evidência acumulada apontando de forma robusta para tal característica.

Os trabalhos que desagregam os gastos públicos por categorias de despesa convergem para estimativas de que os gastos em investimentos e os gastos sociais possuem multiplicadores mais elevados e mais persistentes ao longo do tempo. Há, porém, menor convergência entre as análises que diferenciam o multiplicador ao longo do ciclo econômico.

A crise da Covid-19 no Brasil mostrou que a política fiscal foi fundamental para a recuperação do choque recessivo. Segundo dados do Tesouro, 524 bilhões de reais foram dispendidos pelo governo central para lidar com a pandemia em 2020. Desses recursos, parte relevante se destinou ao pagamento do auxílio emergencial, 293 bilhões, um gasto social com multiplicador elevado, cujos efeitos foram importantíssimos não só pelo seu aspecto econômico, mas também por permitir a sobrevivência das famílias brasileiras.

Contudo, o governo brasileiro parece ter assumido que a pandemia iria acabar em 31 de dezembro de 2020: o volume de gastos em 2021 foi significativamente inferior, da ordem de 121 bilhões de reais, desses, 61 bilhões para o auxílio emergencial, a despeito da maior intensidade e gravidade da segunda onda.

Nesse âmbito, parece que ignoramos solenemente o que a literatura de multiplicadores fiscais nos ensinou nos últimos anos. Deveríamos privilegiar gastos sociais e investimentos públicos. No primeiro caso, o Auxílio Brasil não trouxe mudanças relevantes em termos do volume do gasto. No segundo caso, o teto de gastos pressiona tanto as despesas discricionárias, que o espaço para expansão dos investimentos públicos é muito limitado. Precisamos urgentemente rever o arcabouço fiscal brasileiro para alterar esse quadro e, por meio de uma política fiscal bem desenhada, começar a moldar nossa recuperação.

 

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