Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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O erro duplo do governo Bolsonaro no combate à inflação

O mais grave é o erro de diagnóstico. Para piorar, há, também, erro na estratégia seguida por Campos Neto

Foto: EVARISTO SA / AFP
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“Os erros no combate à inflação nos levam a crer que, infelizmente, a Selic ainda será elevada substancialmente. Já uma queda proeminente e duradoura da inflação não é algo tão provável”

A estratégia de combate à inflação de Jair Bolsonaro e de Paulo Guedes tem sido duplamente equivocada. O mais grave é o erro de diagnóstico. Para piorar, há, também, erro na estratégia seguida por Campos Neto. Assim, a maioria da população (notadamente os pobres e a classe média) que já vem sofrendo com a alta dos preços, também, sentirá o fardo do encarecimento do crédito decorrente da alta dos juros.

Quanto ao erro no diagnóstico, a política monetária não é indicada para combater a inflação atual. Ela não resulta de aumento da demanda, mas, em larga medida, de gargalos estruturais na oferta de produtos estratégicos (alimentos, combustíveis, energia, transporte etc.).

Trata-se de um tipo de inflação que, fundamentalmente, vem pelo lado dos custos. Neste caso, a Selic atua, na melhor das hipóteses, apenas sobre o sintoma – coíbe o repasse da alta dos custos para os preços (ou os efeitos de segunda ordem). A alta dos juros não incide sobre as causas estruturais (ou verdadeiras) desse tipo de inflação.

Por exemplo, a explosão nos preços dos alimentos – um dos vilões da inflação – pouco tem a ver com a demanda doméstica. Por isso, não faz sentido restringir ainda mais a demanda com nova alta da Selic.

Desde o governo Temer, houve esvaziamento paulatino da política de segurança alimentar: desmonte da CONAB, com a eliminação dos estoques reguladores de alimentos da cesta básica; enfraquecimento do Plano de Aquisição de Alimentos (PAA), que estimula a agricultura familiar, voltada para o mercado interno, e etc. Ademais, verificou-se expansão da área plantada para a agricultura voltada à exportação. Enquanto esse quadro perdurar, os alimentos vão continuar mais caros e/ou subindo – a despeito dos juros.

Uma Selic maior tampouco vai resolver o problema da explosão dos preços da gasolina. Neste caso, um retorno à política de alinhamento dos preços dos combustíveis – realizada com relativo sucesso nos governos Lula e Dilma – seria recomendado.

Quanto à estratégia, o COPOM tem atuado muito “atrás da curva”, no jargão do mercado financeiro. Explicamos: ele tem sido lento na resposta ao desvio do IPCA em relação à meta. Por isso, o Banco Central do Brasil (BCB) de Campos Neto tem dado (e, provavelmente, vai continuar dando) sucessivos sustos nos agentes econômicos.

Por exemplo, no último dia 8 de fevereiro, foi divulgada a ata da 244ª reunião do Copom. Ficou claro que novas altas da Selic estão por vir. São várias as passagens nas quais o BCB mostra que errou feio nas suas estimativas da inflação. Por exemplo: “A inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada entre vários componentes, e segue se mostrando mais persistente que o antecipado”; “As leituras recentes vieram acima do esperado e a surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como, principalmente, nos mais associados à inflação subjacente”.

Por isso, a indesejável surpresa com a última decisão do colegiado, que elevou a Selic para 10,75% ao ano. No regime de metas de inflação (RMI), o BCB calibra a Selic com o objetivo primordial de cumprir a meta para o IPCA estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Como a Selic afeta a inflação apenas de forma defasada, o COPOM atua de maneira prospectiva: se baseia nas previsões de inflação para períodos entre 12 e 24 meses. Ou seja, ele olha para frente ao fixar a Selic.

Além disso, os bancos centrais que adotam o RMI, realizam a chamada suavização da taxa de juros (como reza a chamada Regra de Taylor ampliada). Porém, o COPOM presidido por Campos Neto tem atuado de forma defasada (não prospectiva) e abrupta (não suave).

Para piorar, outro equívoco chama a atenção na última ata: a insistência em condicionar a retomada do crescimento econômico à realização de novas reformas econômicas. Não há mais reformas liberalizantes a serem feitas! Já foram realizadas a reforma trabalhista, da previdência, da educação etc.

Nenhuma delas trouxe o crescimento de volta. Insistir nessa agenda nos condena à estagnação. O resultado líquido e certo das reformas foi apenas a precarização das relações de trabalho, perda de direitos, piora na qualidade do ensino, e etc.

A esperança dos reformistas está em um longo prazo abstrato que, a cada dia, se torna ainda mais distante. Já no curto prazo, os erros na condução da política econômica geram repercussões dramáticas para a economia e para a população brasileira.

Em suma, a política monetária está equivocada: erram tanto o Ministro da Fazenda quanto o presidente do Banco Central. Os gargalhos estruturais na oferta, que estão na origem da alta de preços estratégicos, não estão sendo revertidos. Os erros no combate à inflação nos levam a crer que, infelizmente, a Selic ainda será elevada substancialmente. Já uma queda proeminente e duradoura da inflação não é algo tão provável.

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