Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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Lições de Sunkel para Campos Neto

A fé cega do Banco Central em uma teoria da inflação equivocada obsoleta não lhe permite entender a complexidade do processo inflacionário em curso e vislumbrar outra forma de combatê-lo

Cédula de 200 reais
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no lançamento da nova nota de R$ 200,00. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
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Como ressaltado na semana passada nesta coluna, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central do Brasil, deverá dar continuidade à elevação da taxa básica de juros (taxa Selic), apesar de sua ineficácia para combater a inflação corrente e dos elevados custos dessa medida.

É o que indica a ata da última reunião do colegiado. Apesar de acertadamente ressaltar que o pleno efeito do aperto das condições monetárias ainda está por vir, são muitos os trechos que da ata que dão a entender que a taxa Selic continuará a subir. Por exemplo: “As leituras recentes vieram acima do esperado e a surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como nos mais associados à inflação subjacente. Nos itens mais voláteis, continua se destacando o aumento do preço da gasolina, com impacto maior e mais rápido do que era previsto”.

Na ausência de políticas mais eficazes de combate à inflação – que atuem diretamente em suas causas –, resta unicamente ao BC a responsabilidade de conter os preços. Como não contamos, por exemplo, com uma política de estoques reguladores (de commodities estratégicas) nem com uma regra mais adequada de precificação dos preços praticados pela Petrobras, o BC, infelizmente, seguirá elevando a Selic.

O problema é que o Tesouro Nacional, por ser o maior devedor do país, é quem vai pagar a maior parte dessa conta: o custo da dívida pública Federal aumenta, pari passu, com a alta dos juros. Além disso, a atividade econômica – que se encontra em estado de letargia desde 2015 – vai ser ainda mais prejudicada.

Mas por que acreditamos que o COPOM dará continuidade ao ciclo de alta da SELIC? O uso, exclusivo, de uma única ferramenta segue se revelando inapropriado: a inflação não sede, apesar do expressivo aumento dos juros. 

A inflação divulgada em maio deve ter surpreendido mais uma vez o Copom: o IPCA de abril subiu 1,06%, registrando a maior alta em 26 anos. Para nós, porém, nenhuma surpresa. As pressões de custo, cujas origens remontam ao ano de 2021, ainda persistem. Fatores inerciais, característicos à economia brasileira, também operam.

Naquele momento, chegou-se até a associar a inflação a um aumento de demanda, devido ao crescimento do gasto público derivado do auxílio emergencial para os mais pobres, durante o isolamento decorrente da pandemia da covid-19. Ali já era claro que a natureza da inflação a tornava pouco sensível à ação do BC. 

Explicamos. Primeiro, houve um brutal choque negativo de oferta decorrente das restrições à circulação de pessoas e de mercadorias em todo o planeta. Cadeias globais de produção se desarticularam bruscamente. O custo do frete marítimo disparou. Esses fatores resultaram em aumento dos custos de produção em escala global. Algo inédito na história do pós-guerra. 

Assim, encerrou-se uma era muito benigna para a inflação, cujas origens remontam aos anos 1990. Neste período, o processo de globalização avançou e se constituíram as cadeias globais de produção. A China tornou-se uma grande exportadora, forçando preços para baixo. Com a crise norte-americana do subprime, o fantasma da inflação sai de cena e quem passou a assombrar os países desenvolvidos foi a deflação. 

Ademais, para piorar esse quadro somam-se dois fatores. O real passou por um intenso processo de desvalorização, com efeitos inflacionários por nós bem conhecidos. Houve expressivo aumento da demanda externa por alimentos, o que elevou o preço de uma série de commodities, originando no Brasil a inflação dos alimentos – recorrentes vilões da alta do IPCA, como no último mês.

A fé cega do BC em uma teoria da inflação equivocada obsoleta não lhe permite entender a complexidade do processo inflacionário em curso e vislumbrar outra forma de combatê-lo. É bem verdade, contudo, que essa tarefa não deveria ser exclusiva de um banco central, uma vez que envolve uma gama de políticas.

Enquanto a atual estratégia de combate à inflação não for substituída por um arcabouço mais amplo, que combine medidas monetárias (a cargo do BC) com medidas do lado real da economia (a cargo do Ministério da Economia e demais), a inflação não cederá de forma expressiva e os juros, fatalmente, seguirão nas alturas. Continuaremos a apresentar juros, inflação e desemprego de dois dígitos – e crescimento próximo a zero.

Há que se ressaltar: o receituário que propomos não é nada novo. Os estruturalistas Latino-americanos reunidos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) da ONU, como Oswaldo Sunkel, há muito tempo já separavam os fatores “estruturais” – não monetários ou reais – dos fatores “propagadores” da inflação.

Sunkel, escrevendo em 1958, segue atual e acertado: “É necessário, pois, começar a superar os tradicionais enfoques de curto prazo com que se costumava analisar a inflação de nossos países […] A verdade é que a inflação não ocorre no vácuo, mas, sim, dentro do marco histórico, social, político e institucional do país. […] As fontes subjacentes da inflação nos países pouco desenvolvidos encontram-se nos problemas básicos do desenvolvimento econômico, nas características estruturais que apresenta o sistema produtivo desses países”. 

Desde 2016, foi implantado um marco institucional de política econômica que inviabiliza o uso de estratégias mais amplas de combate à inflação. É preciso sair dessa armadilha e adotar novas respostas, sob pena de alongar ainda mais a depressão brasileira.

 

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