Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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É necessário rever os (pre)conceitos contra o subsistema financeiro

Fazer ‘denúncia do capitalismo’ não ajuda o interpretar para transformá-lo

(Foto: Asif HASSAN / AFP)
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A tendência deflacionária, ocorrida nas três últimas décadas, com a tendência de queda da taxa de salário pelo aumento massivo da força de trabalho explorada, em escala global, possibilitou a fase de baixa na taxa de inflação e, em consequência, na taxa de juro. Por isso, houve fuga da renda fixa para a renda variável (ações) ou imóveis.

Inflou bolhas especulativas até suas explosões. Para a não diluição das participações acionárias, houve financiamento de recompra de ações por meio de emissão de dívida corporativa (debêntures) com pagamento de juros nesses títulos de dívida direta.

Meus companheiros de esquerda, críticos como eu da ideia de as desigualdades serem naturais e insuperáveis, ficaram muito impressionados com a concentração da riqueza financeira. No entanto, para superar a desigualdade social é necessário rever os (pre)conceitos contra o subsistema financeiro, integrado ao sistema capitalista e interativo com o subsistema produtivo. 

O capitalismo, por ser um sistema complexo, emergente de múltiplos componentes interativos, não deve ser tratado como resultante de setores antagônicos: o setor financeiro versus o setor produtivo. As chamadas “empresas não financeiras” é uma denominação tão equivocada quanto a de “público não bancário” para se referir a clientes participantes ativos (ou componentes) do sistema bancário. 

Na realidade, “todas, todos, todes e todxs” somos participantes do sistema de pagamentos, financiamentos e gestão de dinheiro. Alerto aos companheiros para não caírem na armadilha da linguagem com a palavrinha-mágica – “financeirização” –, vindo facilmente à boca (ou ao teclado), pressuposta de ser capaz de explicar facilmente o holos, isto é, “o todo” em grego… 

Na verdade, fazer “denúncia do capitalismo” não ajuda o interpretar para o transformá-lo. O sistema bancário é constitutivo – e nãoaà parte – em toda a história do capitalismo. Daí é possível sim ver paralelos com períodos históricos pregressos para verificar sua dependência de trajetória: a história importa

Financiamento, pagamentos e gestão de dinheiro sempre existiu no capitalismo: não estamos em uma Nova Era. A “financeirização” é uma palavrinha-mágica e fácil, mas não encerra a discussão como se fosse A Verdade, encontrada de maneira definitiva.

Critico a literatura de denúncia da “financeirização” porque ela é seguidora de uma longa e preconceituosa tradição, muitas vezes antissemita, vinda da medieval postura cristã anti-usura. Parece-me seus autores terem confundido um ciclo de desalavancagem financeira com uma Nova Era, ou seja, uma mudança estrutural irreversível para a “dominância financeira”. 

Apresentam as Finanças Públicas, Corporativas ou Pessoais como fossem um fenômeno inédito no capitalismo. Ora, este é emergente justamente do encontro do capital-dinheiro com a força de trabalho livre (despossuída por um escravista ou um senhor) para ser vendida – e explorada.

Eu pergunto à la Galileu Galilei: como, apesar dessa absolutista “financeirização” ocorrer há décadas, o sistema capitalista continua habitualmente produzindo bens e serviços?! Eppur si muove: a terra gira… apesar da “financeirização”.

Não será a tese de o Sol (capitalismo) girar em torno da Terra (“financeirização”) um sintoma do “terraplanismo” ou negacionismo científico contemporâneo?

De acordo com o holismo – a visão sistêmica –, não há razão para a “financeirização” ser colocada como um novo fator antagônico aos investimentos produtivos, tal como é a capacidade produtiva ociosa. O Sistema Financeiro é sim interconectado e complementar ao Sistema Produtivo. 

Ambos podem ser vistos como subsistemas ao interagirem permanentemente. Todas as decisões de suas tesourarias, seja as das empresas, seja as dos bancos, levam em conta o custo de oportunidade na gestão do dinheiro: a aplicação dos seus recursos, líquidos e disponíveis, por conta própria ou pelo compartilhamento do lucro de outro com o uso de seu dinheiro. Pode ser via recebimento de juros ou dividendos.

Teoricamente, baseio essa minha análise nos quatro determinantes de investimento produtivo, expostos por Michal Kalecki (1954):

  1. Quando o grau de endividamento se depara com o princípio do risco crescente, as grandes corporações econômico-financeiras fazem desalavancagem financeira;
  2. Quando o ritmo de vendas diminui, os estoques se acumulam, elas adiam a produção e o investimento em nova capacidade produtiva – e enquanto isso fazem reservas financeiras;
  3. Quando não há nenhuma inovação disruptiva, empreendedores não fazem “destruição criadora” a la Schumpeter; 
  4. Quando o bônus demográfico se esgota, mais investimentos em reservas financeiras são realizados como preparação para um futuro ciclo de retomada do crescimento econômico, sustentado na produção de bens e serviços, adicionando valor na exploração da força de trabalho.

Estamos vivenciando uma fase cíclica. Não estamos ainda no fim do mundo… capitalista.

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