Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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As lições do Fed para o Banco Central brasileiro

Os números mostram que os EUA passam por um período de inflação muito acima de seus padrões históricos

Foto: Arquivo/Agência Brasil
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Pela primeira vez desde 2018, o FOMC (equivalente ao nosso COPOM) decidiu pelo aumento da taxa de juros básica (Fed funds) da economia norte-americana em sua última reunião, em março. Era uma decisão esperada, pois já anunciada no comunicado de janeiro. Como em qualquer regime de metas de inflação, a principal justificativa para a elevação de juros é a alta da mesma, que atingiu as maiores taxas dos últimos 40 anos.

Com a forte retomada da economia em 2021 (crescimento de 5,7%) e os problemas nas cadeias de fornecimento decorrentes da pandemia, a inflação também acelerou, fechando o ano em 7%, maior taxa desde 1981, bem acima da meta de 2% do Fed.          

Passando para o período mais recente, no mês de fevereiro, a taxa mensal de inflação foi de 0,8%, a maior para o mês desde 1981. Segundo o Bureau of Labor Statistics (BLS), dentre os grupos que compõem o índice de preços ao consumidor (CPI), habitação respondeu por quase 33% da inflação total. Alimentação e energia foram os outros “vilões”, sendo responsáveis, respectivamente, por 13,4% e 7,4% da variação do índice.

No acumulado em 12 meses, a inflação foi de 7,9%, a mais alta desde janeiro de 1982. Considerando os principais grupos, alimentação teve alta de quase 8% (a maior desde julho de 1981) e habitação 4,7% (a mais alta desde maio de 1991). No grupo energia a alta foi de 25,6%, com elevações de 38% da gasolina, 44% do diesel e 24% do gás natural. Veículos usados também tiveram expressiva alta, de 41,2%, possivelmente um reflexo das restrições das cadeias de suprimentos que ainda não se normalizaram. Esse fator também pode ajudar a explicar a alta inflação dos preços ao produtor, que foi de 0,8% em fevereiro e 10% no acumulado em 12 meses. Já o núcleo da inflação, indicador que exclui grupos mais voláteis e por isso responderia mais diretamente a uma variação na taxa de juros, teve alta de 0,5% em fevereiro e 6,4% no acumulado, a maior desde agosto de 1982.

Os números mostram que os EUA passam por um período de inflação muito acima de seus padrões históricos, com taxas vistas pela última vez somente no início dos anos 1980. Ao longo de 2021, conforme a elevação de preços se acelerava, o discurso do Fed era de que se tratava de um fenômeno transitório, não havendo, portanto, a necessidade de se adotar uma política monetária contracionista, sob risco de interromper a recuperação da economia. Este último fator é importante, pois o Fed tem mandato dual, em que se compromete não apenas a manter a inflação em baixos níveis, como também a taxa de desemprego. Porém, com a inflação se mostrando mais resiliente do que o esperado, a palavra “transitório” saiu dos discursos. Ademais, a taxa de desemprego já havia retornado praticamente aos níveis pré-pandemia (em fevereiro de 2022 estava em 3,8% contra 3,5% antes da pandemia). Era chegada a hora, então, de priorizar o combate à inflação.

A mudança de orientação da política monetária vem se dando por diferentes instrumentos. Primeiro, pelo aumento de 0,25 p.p. da taxa de juros, que agora se situa no intervalo de 0,25% e 0,5% ao ano. Também pelo tapering, que consiste na queda gradual das compras líquidas de ativos, o que tende a aumentar as taxas de juros de longo prazo, contraindo a atividade econômica. 

Pelo último comunicado, esse processo deve ter início a partir da próxima reunião, em maio. Houve também a sinalização da continuidade do aperto monetário, uma vez que as projeções indicam em torno de dez novas altas de mesma magnitude (0,25 p.p.) ao longo de 2022 e 2023, com a taxa podendo chegar a 2,75% a.a. em 2023, um ritmo mais forte do que vinha sendo anunciado, mostrando que cresceram as preocupações com a inflação. As projeções de inflação, por sua vez, indicam uma taxa de 4,3% em 2022, 2,7% em 2023 e 2,3% em 2024, acima, portanto, da meta de 2%, colocada no último comunicado como um objetivo de longo prazo (ou seja, sem um horizonte de tempo definido).

Neste já adverso cenário doméstico, com inflação persistente e disseminada pelos diferentes grupos de bens e serviços, o ambiente externo traz doses adicionais de incerteza. A primeira vem da guerra na Ucrânia e diz respeito aos preços de commodities, como petróleo e gás, que têm sido afetados e cujos aumentos tendem a pressionar a inflação. Além disso, alguns países asiáticos vêm passando por aumentos nos casos de Covid-19, trazendo o risco de novos problemas nas cadeias de produção e elevação de preços de frete.

Diante disso, ainda há questionamentos sobre uma possível “suavidade” do ritmo de elevação dos juros. Isso mostra um problema do regime de metas de inflação. Os juros agem sobre a inflação por meio da contração da atividade econômica, ou seja, da demanda, sendo que o problema atual é fundamentalmente de custos. Aumentar os juros seria, assim, pouco eficaz para combater, por exemplo, altas nos custos de transporte e energia.  Além disso, se as projeções estiverem corretas, a inflação ficará em torno de 4% neste ano e abaixo de 3% nos seguintes, taxas bem mais palatáveis.

Portanto, faz sentido que o Fed se mostre cauteloso na condução da política monetária e que não tenha tanta pressa em levar a inflação de volta à meta. Uma boa lição para o Banco Central brasileiro, que apesar de também enfrentar uma inflação de custos, não mede esforços para sabotar o já anêmico crescimento econômico com juros de quase 12% a.a., que por uma infeliz coincidência é o mesmo valor da igualmente alta taxa de desemprego.  

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