Observatório do Banco Central

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A PEC dos Combustíveis é decisiva para deflação de julho, mas apresenta limitações e problemas

Enquanto os objetivos da Petrobras se mantiverem exclusivamente na distribuição de lucros, que bate recorde atrás de recorde, o país continuará à mercê do contexto internacional

A refinaria Rlam, na Bahia, foi vendida na bacia das almas e hoje pratica o preço mais alto do mercado - Imagem: Agência Petrobras
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Na última semana, foram divulgados os dados da inflação de julho e o resultado chamou a atenção. O IPCA de julho apresentou deflação de 0,7%, puxado pela queda de 4,5% no grupo Transportes, o que significa uma redução de 1,00 p.p. sobre o IPCA. Outro grupo que contribui com a deflação foi o grupo Habitação, o qual registrou baixa de 1,05%, impactando negativamente o índice em 0,16 p.p. Por outro lado, o grupo Alimentação e Bebidas apresentou nova alta, desta vez de 1,30%, contribuindo com elevação de 0,3 p.p. no IPCA. 

Como até o mês passado o grupo de Combustíveis era um dos principais responsáveis pela elevação da inflação, não só por ser atualmente o de maior peso no IPCA, mas também por ter efeitos encadeadores nos preços, poder-se-ia esperar que passasse a ter um efeito contrário, contribuindo para a baixa generalizada. Contudo, a queda dos combustíveis foi puxada pela gasolina (-15,5%) e pelo etanol (-11,4%). Sozinha, a gasolina contribuiu para uma queda de 1,04 p.p. O diesel, ao contrário, apresentou nova alta, de 4,6%.

O efeito de maior encadeamento ocorreria se essa redução fosse estendida para o diesel, já que o transporte de carga é feito predominantemente por rodovias. Já o preço da gasolina afeta um volume reduzido de transporte de carga urbano, insuficiente para espraiar o efeito de sua queda para o conjunto de preços da economia. No dia 04 de agosto foi anunciado pela Petrobras uma redução de 3,6% no preço do diesel, variação inferior à alta registrada em julho e o patamar do repasse aos postos ainda é desconhecido. Cabe destacar que para a maioria dos estados a queda do ICMS não teve qualquer impacto sobre o diesel, uma vez que muitos já praticavam uma alíquota abaixo do teto imposto de 17%. 

A queda recente no preço da gasolina é uma combinação de dois fatores. Primeiro, a imposição de queda do ICMS por parte dos estados e o zeramento das alíquotas federais. Segundo, pela redução do preço do petróleo no mercado internacional, cuja média de julho foi significativamente mais baixa em relação ao mês anterior.

No mês de agosto a tendência de queda do petróleo no mercado internacional se mantém. A conjunção da queda do preço internacional com a redução dos impostos foi um golpe de sorte por parte do governo, pois toda a recente queda observada na gasolina é propagandeada como resultado das medidas adotadas por ele. Sobre essas medidas, cabe destacar que estão longe de serem as ideias.

Primeiro, porque não resolve a volatilidade dos preços dos combustíveis. O contexto internacional, que combina o risco de recessão mundial com elevação da taxa de juros dos EUA e desaceleração da economia chinesa – por consequência das medidas restritivas relacionadas ao combate da covid-19 – tem contribuído para a queda recente nas cotações do petróleo internacional e de outras commodities. 

Todavia, existe a possibilidade desse cenário internacional benigno ser revertido por fatores como: a) reabertura completa das atividades na China e aceleração do crescimento; b) desaceleração na economia acima da expectativa fazendo com que o Fed freie as altas nos juros; c) extensão e agravamento do conflito na Ucrânia; d) fim dos aumentos nos níveis de produção pela Opep (já reduziu o ritmo de alta); e e) inverno mais rigoroso na Europa. Enfim, são várias possibilidades que podem inverter a tendência recente de queda. Neste caso, as medidas de redução dos impostos serão inócuas para impedir novas altas. 

O segundo problema dessa medida é o custo fiscal. O ICMS sobre os combustíveis é uma das principais fontes de arrecadação dos estados. Essa perda pode se agravar em uma eventual queda mais significativa nos preços de combustíveis praticados no Brasil.

Sem entrar no mérito dos limites fiscais da União, a perda dos impostos federais que foram zerados, PIS e COFINS, pode trazer prejuízos sociais, pois eles tinham como destinação os gastos sociais. Em contexto de disputa por alocação de recursos decorrente das auto-imposições fiscais, essa queda na arrecadação pode significar uma redução efetiva nos gastos sociais em um futuro próximo. 

Por fim, cabe questionar se a redução da alíquota tributária sobre combustíveis fósseis seria a melhor a estratégia para o país no contexto de metas de diminuição de CO2. Isso é ainda mais agravado ao se observar que a partir de 2023 a energia solar produzida nas casas e fazendas passará a ser tributada, a chamada “taxação do sol”. 

Como destacado em outra coluna, existia no Senado uma alternativa significativamente melhor para contornar o problema dos combustíveis para o curto e médio prazo. Este seria o Projeto de Lei (PL) 1.472/2021, o qual propunha um limite de flutuação dos preços dos combustíveis, que seriam atrelados aos custos de exploração, produção, refino e distribuição no país e não aos preços praticados no exterior. Como houve elevação da oferta por parte do setor privado, haveria uma espécie de subsídio para que todos os agentes conseguissem reduzir os preços. Contudo, as fontes de receita seriam provenientes do próprio setor petroleiro e não reduzindo importantes fontes de arrecadação para os estados, como na PEC aprovada. 

Fica então a questão: A deflação de julho será uma nova tendência? Os dados trazidos pelo IPCA de julho e os limites da PEC dos Combustíveis não apontam para uma tendência generalizada de queda da inflação. Isso não quer dizer que não ocorrerá, mas os elementos para tal ainda não estão colocados. Enquanto os objetivos da Petrobras se mantiverem exclusivamente na distribuição de lucros, que bate recorde atrás de recorde, o país continuará à mercê do contexto internacional. E isso, como mencionado em texto prévio, é uma opção política e não possui qualquer relação com os custos de produção e distribuição de combustíveis no Brasil. 

 

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