Fashion Revolution

Uma década de Fashion Revolution Brasil: o que mudou na indústria da moda?

Novas tecnologias e a preocupação com uma moda mais sustentável são tendências que vieram para ficar. Será preciso, porém, mais educação

O Instituto Fashion Revolution Brasil. Foto: Divulgação
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Há uma década, o Fashion Revolution chegava no Brasil e as comemorações já começaram: a Semana Fashion Revolution 2024 e a Escola de Moda Decolonial são algumas delas. O cenário da indústria da moda no Brasil também não é mais o mesmo. Novas tecnologias, como impressão 3D e tecidos com proteção ultravioleta, a preocupação com uma moda mais sustentável, como a busca por fibras de fontes regenerativas e upcycling, são tendências que vieram para ficar.

Uma pesquisa da Casa Firjan, realizada com empresários, especialistas, gestores e professores, atuantes na cadeia têxtil e no setor da Moda no Brasil, trouxe um diagnóstico dos sinais de mudança do setor nos últimos anos. É inegável as mudanças trazidas pela Covid-19, como a ampliação do e-commerce, investimento em experiências que integram o digital e o físico e mudança nos padrões de consumo.

No lado sustentável, a análise elenca a adoção de práticas de reuso, monitoramento da pegada de carbono e maior demanda por certificações ambientais. Bianca Matsusaki, professora do curso de Design de Moda do Centro Universitário SENAC, afirma que estilistas e designers têm tido uma preocupação maior na escolha dos materiais. Mas reconhece: essa postura permanece nas camadas que têm condições de pagar por fibras mais sustentáveis. “Nas confecções em geral, a maior parte das empresas ainda são pautadas pelo preço”, ressalta.

A mudança de comportamento dos consumidores e a realidade da emergência climática batendo à porta nos convida para a transformação na indústria da moda

Isabella Vasconcelos, docente no curso de Design de Moda, na Unifavip, também expõe sua percepção de escolhas mais sustentáveis, como matéria-prima certificada, incorporação de artesanias, reaproveitamento de resíduos e upcycling. Por outro lado, ela destaca que “às vezes, alguma prática é implementada, mas que por si só, não basta”, dando como exemplo um look bordado à mão, cuja etiqueta vem com o nome da artesã. “Isso não significa, necessariamente, o reconhecimento ao trabalho dessa mulher. Pode ser que a sua remuneração seja irrisória, que as condições de vida e de trabalho dessa bordadeira sejam precárias”, explica.

Do ponto de vista das marcas, o reconhecimento da importância da transparência é o que chama a atenção de Isabella Luglio, coordenadora do Índice de Transparência da Moda Brasil, produzido pelo Instituto Fashion Revolution. Avaliação anual feita desde 2018 mostra o aumento de núcleos de sustentabilidade dentro das empresas e a tendência de divulgação de listas de fornecedores cada vez maior – principalmente no fornecedor direto.

Além disso, as marcas que participam do Índice tendem a pontuar melhor ao passar dos anos. “Não é um processo simples de participar, mas nós recebemos como devolutiva das marcas que o questionário do Índice serve como um guia para ajudá-las a estruturar os processos internos de transparência”, afirma.

Já por parte dos leitores, Luglio enumera os diversos públicos que leva relatório para suas vivências cotidianas: “professoras que usam o Índice em sala de aulas, voluntários da semana Fashion Revolution que o usam para embasar suas ações, pesquisadores, cadeia de fornecimento e investidores”. Não tem volta: a divulgação de fornecedores e pegada de carbono, rastreabilidade, uso de fibras renováveis e pressão da sociedade civil fazem com que a indústria da moda mude – aqui e no mundo.

O que o futuro nos reserva? 

O futuro, na boca das nossas especialistas, é feito de educação e sustentabilidade. Entre os gargalos atuais da indústria da moda no Brasil, Bianca destaca a falta de opções sustentáveis para componentes como, por exemplo, aviamentos. “Se você quiser comprar um botão que não seja de plástico virgem, você vai ter uma única empresa – é pouca alternativa”, explica, “na Europa, Estados Unidos e ásia, você encontra aviamentos sustentáveis. Aqui, não”.

Outro ponto levantado é a quebra da indústria no elo da fiação. “Temos fábricas de fibras muito boas em solo brasileiro, mas a fiação é feita lá fora e a empresa brasileira compra de volta o tecido. Ficamos dependendo de insumos vindos da China, que prejudica muito a sustentabilidade da cadeia”, afirma. A quebra de empresas de fiação na década de 80 e 90, por conta da globalização, crise econômica e falta de manutenção das máquinas são as causas apontadas por Bianca, que também é pesquisadora do têxtil artesanal brasileiro.

A falta educacional também pesa. “Quantos cursos a gente tem de engenharia têxtil no Brasil? Não temos mestrado, nem doutorado. Para melhorar o nosso mercado precisamos também investir na educação”, ressalta. Além das poucas opções de cursos de pós-graduação na área da moda, eles também se concentram mais nas regiões Sudeste e Sul e em faculdades privadas. “O Nordeste é um polo industrial muito grande, na região Norte, tem um monte de fibra para ser estudada”, aponta.

Vasconcelos também emenda mudanças necessárias na educação, como a troca de planos pedagógicos obsoletos, que não contemplam pilares da sustentabilidade. Ela exemplifica: “‘pesquisa e planejamento de coleção’ é uma disciplina que poderia ser desenvolvida a partir da pesquisa do que está ‘sobrando’ na indústria e que precisa e pode ser reutilizado. Ao invés disso, as orientações são generalistas e trazem o pensamento linear que os alunos precisam começar suas coleções praticamente do zero – ou indo na loja de tecidos para escolher quais usar e comprar – ignorando a realidade de tantas empresas que, muitas vezes, têm estoques de tecidos e aviamentos parados”.

Luglio espera que, daqui há 10 anos, estejamos falando sobre descarbonização do setor na cadeia produtiva e decrescimento. “Espero também que a gente possa estar falando sobre mais divulgação de dados referentes a gênero e raça nos fornecedores”, acrescenta.

O caminho ainda é longo e nem tudo são flores. No relatório de 2023 do Moda em Panorama, as trends e o aumento de vendas em datas festivas e mediante descontos ainda foi destaque. Mas sendo o Brasil o quarto maior produtor mundial de artigos de vestuário e o setor têxtil e de confecção o segundo maior empregador na indústria nacional de transformação, o setor produtivo precisa evoluir para além da atuação atual.

A mudança de comportamento dos consumidores e a realidade da emergência climática batendo à porta nos convida para a transformação na indústria da moda. Um novo futuro depende de nós.

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