Fashion Revolution

Até onde a sustentabilidade consegue avançar nas semanas de moda?

Nas passarelas de Nova York, Londres, Milão e Paris, eventos trazem personalidades ilustres, grandes marcas e peças mais sustentáveis. Moldes, porém, limitam mudanças

divulgação/Marc Hibbert
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Se você gosta de moda, deve ter acompanhado o “auê” que a maquiagem de boneca de porcelana de Pat McGrath causou nas redes. Para quem acompanha a semana de moda – ou melhor, semanas – é o anúncio do início das tendências para as próximas estações. Nova York, Londres, Milão, Paris: as principais cidades polo trazem, cada uma, características diferentes. Mas, entre elas, há algo que não escapa nem o mundo consumista da moda: a sustentabilidade. Ou, tentativa dela. Tais eventos buscam saídas para seguir existindo, porém, engessados em moldes do século passado, encontram limites para as mudanças necessárias.

A primeira semana de moda aconteceu ainda na primeira metade do século XX, em 1943, numa Nova Iorque em tempos de guerra. Eleanor Lambert, a idealizadora, impossibilitada de ir à Paris, queria ver coleções de diversas marcas e prestigiar talentos locais. De lá pra cá, muita coisa mudou, mas os moldes, de certa forma, seguem os mesmos: designers usam as passarelas como vitrine, apresentam tendências de cores, formatos, texturas, que serão seguidos por empresas do ramo pelos próximos seis meses, até repetição dos eventos.

Há quem diga que o mundo digital não pode acabar com os desfiles presenciais, pois a moda não é apenas visual, é experimental. Prova disso são os saldos da semana de Londres: corsets, suéteres de tricô, laços e transparência foram destaque. A semana de moda do Brasil também chama muita atenção. Criada nos anos 1990, é considerada a maior da América Latina e ocupa o quinto lugar em importância no mundo.

A São Paulo Fashion Week tenta quebrar um pouco o predomínio das tendências das semanas do Norte Global e evidenciar tendências nacionais. É um espaço que conversa mais com o microempreendedor, grande maioria no Brasil. Segundo dados do Sebrae, 87% dos 2,3 milhões de empresas ativas no segmento da moda são formalizadas como MEI, microempresa ou pequena empresa.

Para Camila Lourenço, estilista e criadora da marca Camola, as semanas de moda refletem em inspiração e tendências. “É preciso filtrar bem, entender de onde elas vêm e saber como transformar isso para nossa realidade regional”, explica. A Semana de Moda lhe chama atenção no artesanal da alta costura, detalhes de bordados e modelagem e releitura de tendências antigas, mas Camila confessa se incomodar com a falta de diversidade de corpos e de escolhas mais sustentáveis nesses eventos.

Ela dá como exemplo a opção de tecidos e materiais menos poluentes. “Existem inúmeras técnicas de criação de materiais como couro de fungos, por exemplo, que podem ser utilizados ao invés de materiais que demoram para se decompor”, relata, “trazer esses materiais para os desfiles ajudaria a popularizar essas técnicas que poderiam melhorar o impacto ambiental da moda”. Dentro dos moldes destes grandes eventos, é possível torná-los sustentáveis?

Os limites do sustentável

Na Semana de Moda de Nova York, Stuart Vevers, diretor de criação da Coach, disse em entrevista ao The Guardian que os desfiles têm que ser sobre sustentabilidade. “Não creio que seja mais certo para mim, como designer, deixar a sustentabilidade como algo com que as fábricas e os fornecedores se preocupem. A moda começa com o design, então a mudança tem que vir dos designers”, pontuou.

A fala de Vevers tem consigo o peso da poluição causada pela indústria da moda. Segundo relatório do The Quantis International 2018, os três principais impulsionadores dos impactos globais da poluição da indústria são tingimento e acabamento (36%), preparação de fios (28%) e produção de fibras (15%). A técnica do Zero Waste (“resíduo zero”) é essencial para a contenção dessa poluição.

Vale lembrar que as semanas de moda estão no olhar de uma sociedade mais ambientalmente consciente e crítica. Em 2023, o grupo ativista Extinction Rebellion interrompeu um evento na semana de moda de Londres para demandar o fim do patrocínio de eventos culturais com a maior produtora – e poluidora – de plástico do planeta, a marca Coca Cola.

Não é certo ignorar as tentativas de abordagens menos poluentes, como o que aconteceu na Semana de Moda de Copenhague, em 2023, no qual os designers participantes tiveram que cumprir 18 requisitos específicos de sustentabilidade para poder participar. Entre eles: metade das roupas desfiladas deveriam ser feitas com materiais mais sustentáveis e as marcas deveriam utilizar suas plataformas para educar e informar clientes sobre suas práticas de sustentabilidade.

Porém, existem limites nessas mudanças e aqui vão alguns dos porquês: uma das razões é as emissões. “Centenas de compradores, celebridades e influenciadores embarcaram em voos que consomem muita gasolina para ter uma visão fugaz de novas coleções, cuidadosamente elaboradas para uma obsolescência que significa que todos estarão dispostos a voltar a um avião e fazer tudo de novo dentro de seis meses”, declara artigo do Business of Fashion. Os jatinhos particulares dos ultra ricos estão em destaque por conta das altas emissões – eles poluem 14 vezes mais que voos comerciais.

Outra é o estímulo ao hiperconsumo. “Não existe prática de educação de consumo dessas grandes marcas. Eles nem querem falar sobre isso, pois vai impactar diretamente a venda deles”, afirma Mirella Rodrigues, estilista e empreendedora, “a cada semana de moda, os consumidores vão em busca de peças caríssimas de tendências, e quando acaba, as pessoas não querem mais usar essas roupas”.

Um relatório de 2023 da ONG Wrap aponta que, apesar dos esforços de empresas de moda no Reino Unido para aderir práticas mais sustentáveis, eles acabam sendo anulados pela produção e consumo exacerbados. O documento aponta que 130 marcas e varejistas participantes reduziram, entre 2019 e 2022, sua pegada de carbono em 12% e uso de água em 4%. Porém, no mesmo período, houve aumento de 13% na fabricação e comercialização de peças, o que aumentou o uso da água em 8% e diminuiu a pegada de carbono em apenas 2%.

Depois de atuar unicamente com sua marca de roupas, a Think Blue, Mirella abriu um brechó e começou a ensinar sobre economia circular e, hoje, declara que sua relação com a moda é outra. “Brechó tem essa responsabilidade ambiental, de volta para o ciclo uma roupa que foi descartada em perfeito estado”, explica, “e a gente proporciona para as pessoas o que eu chamo de ‘Dignidade do Vestir’, que é pessoas com pouco poder aquisitivo poderem ter uma roupa legal, com tecido incrível, como linho, com uma modelagem”.

Uma prática que não envolve a hiperprodução e o hiperconsumo também tem viés social. Mirella destaca como a produção do fast fashion impacta a vida das costureiras: “a cobrança é grande para produzir tudo muito rápido e isso é falado pouquíssimo, de quem de fato está fazendo nossas roupas”.

As costureiras, comumente deixadas de lado nos desfiles das semanas de moda, também são lembradas por Camila: “não sei se é possível trazer visibilidade para elas nestes eventos, mas deveriam. Visibilidade para as modelistas e costureiras, não só para os estilistas e ‘suas’ criações”.

A indústria da moda ainda tem muito que mudar para se tornar mais justa com corpos, pessoas, meio ambiente e essa discussão passa, invariavelmente, pelos desfiles das tão aceitas, e ultrapassadas, semanas de moda.

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