Fashion Revolution

Para haver moda sustentável, a legislação ambiental precisa olhar para os têxteis

No Brasil, enquanto o PL 2524/2022 segue no Senado, falta o básico: dados

Acúmulo de resíduos têxteis. Foto: greenpeace/reprodução
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Em recente artigo, a Vogue Business se mostrou positiva a respeito do fortalecimento da legislação ambiental para reforçar uma indústria da moda sustentável. A declaração não é à toa, algumas leis estão, de fato, olhando para os têxteis e seus impactos ambientais. É o caso de uma lei aprovada na cidade de Nova York para proibir detergente em cápsulas, uma proposta na Califórnia que exige que máquinas de lavar filtrem microfibras e outra aprovada no parlamento francês para impedir que as fast fashion circulem anúncios no país. No Brasil, enquanto o PL 2524/2022 segue no Senado, falta o básico: dados.

A indústria têxtil é uma das indústrias mais consolidadas do país – com a maior cadeia têxtil completa do Ocidente, segundo a ABIT, referência mundial em jeanswear, beachwear e com projeção de se tornar o maior exportador de algodão do mundo em 2024. São 160 mil toneladas de resíduos têxteis gerados anualmente, muitos deles, no caso de jeans e tecidos sintéticos, contendo metais pesados que podem contaminar solo ou corpos hídricos. É o caso do rio Capibaribe, em Toritama, a capital brasileira do jeans.

Números enormes que, ainda sim, estão longe de contemplar totalmente a realidade. “É realmente bem complicado tentar encontrar informações, não somente têxtil, mas todos os tipos de resíduos”, afirma Agatha Carvalho, engenheira ambiental, “por exemplo, o SNIS (plataforma pública) diz uma coisa, já a Abrelpe (empresa particular) diz outra e, às vezes, é bem discrepante essa relação”.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10) não aborda o caso dos têxteis, tampouco relatórios como Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, da Abrama, que se afirma um “álbum de retratos do universo dos resíduos sólidos espraiado pelo Brasil”. “Os dados que achei para minha dissertação sobre resíduos têxteis foram mais de ONGs, como a Recicla Sampa e Fashion Revolution”, completa Agatha, “é importante termos uma legislação para poder ter subsídios para rastrear esses têxteis, o que não acontece no Brasil”.

Dois grandes problemas: jeans e plástico

Os impactos do jeans nas águas superficiais são diversos. Maria Eliza Hassemer, doutora em engenharia ambiental e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), aponta três principais: descarte de produtos químicos, resíduos industriais e consumo de água. “O processo de lavagem na produção de jeans envolve grandes quantidades de água, muitas vezes contendo detergentes e outros produtos químicos. O descarte inadequado desses produtos químicos pode contaminar as águas superficiais, causando poluição e afetando a qualidade do corpo hídrico receptor”, afirma.

O Jornal da USP destaca dados de 2020 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), de que a produção de uma calça jeans consome 3.789 litros de água, sem contar o tingimento com produtos químicos poluentes.

No Brasil, são fabricados dois tipos de jeans: o premium, 100% algodão e o misto, composto por algodão com poliéster, e às vezes com poliuretano, conhecido também como lycra. Ambos são tingidos com corantes sintéticos, que contêm poluentes e, claro, o mais produzido no país é o mais barato, mas com problemas na decomposição, devido à mistura de fibras. “ Essa mistura dificulta qualquer possibilidade de reciclagem e de transformar o tecido do jeans em fibra de novo e reincorporar”, ressalta Júlia Baruque Ramos, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e pesquisadora na área de reciclagem têxtil.

Já na decomposição, ambas fibras levam mais de 400 anos para se decomporem. Agora, imagine a capital do jeans, Toritama, que gera, por mês, 800 kg de resíduos, no qual apenas 30% da produção representa o jeans 100% algodão, colocando no mundo 60 milhões de peças por ano. 70% delas demoram 400 anos para se decomporem – e estamos falando de 16% da produção nacional.

Segundo Maria Eliza, os impactos de poluição dos corpos hídricos podem ser reversíveis, “mas isso depende de medidas eficazes de mitigação e de medidas corretivas”. A reversibilidade pode variar de acordo com a gravidade da poluição. “Em geral, medidas corretivas podem levar de médio a longo prazo para mostrar resultados significativos”, afirma.

A indústria da moda omite sua ligação com os combustíveis fósseis, mas as petroleiras não negam, haja vista que elas seguem querendo empurrar plástico para o mundo. Hoje, 60% das roupas produzidas mundialmente são derivadas dos fósseis, e os microplásticos provindos das roupas representam um terço do montante que entram diariamente nos oceanos.

Atualmente, países realizam um esforço de, a nível internacional, assinar um tratado sobre a poluição plástica. Segundo o Greenpeace, o tratado deve reduzir a produção de plástico em pelo menos 75% até 2040, para garantir a meta de aumento de 1,5 ºC dos níveis pré-industriais acordada em 2015 no Acordo de Paris. Como sempre, há resistência e críticas, com pressão para que os países acelerem seu trabalho para ratificar o tratado – a próxima reunião deverá acontecer em Ottawa, Canadá, em abril.

No Brasil, a principal movimentação para contenção da poluição plástica é o PL 2524/2022, o Projeto de Lei do Oceano Sem Plástico, que propõe a adoção da economia circular do plástico e é apoiado por 78 organizações da sociedade civil. O PL está agora na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e deve seguir para a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado.

Luísa Cortat, diretora de cursos em direito ambiental na Academia de Direito Europeu, relembra que, apesar de associarem poluição plástica com lixo despejado, o ciclo de vida inteiro do plástico gera poluição. “Estamos falando da extração do material – 99% das vezes é do petróleo – da produção, dos monômeros, dos polímeros, de todos os químicos associados, da distribuição, do consumo e do descarte”, explica.

O plástico presente nos químicos e fibras das roupas são associados a desregulação endócrina e outras doenças, apontam relatórios como o PlasticChem. São 16 mil produtos químicos plásticos, nos quais 4.200 são considerados altamente perigosos para a saúde humana e o meio ambiente. Anteriormente, um outro estudo descobriu que tecidos usados para a fabricação de roupas de ginástica, como tops e leggings, possuem fórmulas com aditivos químicos prejudiciais à saúde humana que são absorvidos pela pele.

Leis para uma moda sustentável

Luísa não descarta a importância das ações voluntárias das empresas para serem mais sustentáveis, mas afirma que nenhum tipo regulatório sozinho é capaz de resolver um problema dessa natureza. “As soluções que a gente encontra é pela via das legislações, porque a lei soma diferentes formatos e serve para organizar a sociedade”, explica.

Além da regulamentação dos químicos, e banimento de alguns grupos como plástico BPA, BPF e BPS – disruptores endócrinos – Luísa também cita a importância da redução da produção de plástico, pois sem ambos pontos, “o Tratado do Plástico não vai caminhar”. “Temos uma série de soluções possíveis ao longo do ciclo de vida do plástico, mas não temos como dar conta da situação se não tivermos que lidar com uma situação menor”, ressalta.

Agatha aponta como imprescindível a adição dos resíduos têxteis na Política Nacional de Resíduos Sólidos, pois a partir da lei nacional, as estaduais começam a se movimentar para que as municipais também se movimentem. “Como eu trabalho com resíduos de aterro eu foco muito nisso: pra gente poder entender o que acontece no início, a gente tem que focar no final também, entender para onde é que eles vão”, frisa.

O Fashion Revolution tem sempre reforçado seu apoio ao fortalecimento de leis ambientais que combatam a poluição têxtil, como o caso da iniciativa #modasemveneno e a Agenda Legislativa de Moda Ética. Abrir espaço para quebrar a estrutura vigente e aderir a práticas mais sustentáveis também estão no core de ações como a Escola de Moda Decolonial – que está com inscrições abertas – e a Semana Fashion Revolution, que em 2024 acontece de 15 a 24 de abril.

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