Diálogos da Fé

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Por que o discurso antivacina vem ganhando espaço entre os evangélicos

Me refiro especialmente a uma característica desse grupo: a ênfase nos debates teológicos sobre o fim dos tempos

Foto: Agência Brasil
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Recentemente, o Observatório Evangélico teve acesso a uma pesquisa da organização Democracia em Xeque que mostra uma relação entre o discurso religioso – sobretudo evangélico – e o discurso anti-vacina no Brasil.

Mais do que uma semelhança de argumentos, os dados mostram uma verdadeira intersecção entre o movimento anti-vacina e certos movimentos religiosos. Esse é um fato que preocupa, pois a resistência massiva à vacinação traz riscos enormes. Pode fazer, por exemplo, que doenças se espalhem com mais facilidade, aumentando a chance de mutações mais perigosas de vírus e até ‘ressuscitando’ epidemias já erradicas.

Mas o que faz com que tantos religiosos encampem o discurso antivacina?

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que negacionismos de todo tipo ganharam força nos últimos anos. As redes sociais tornaram-se palcos para opiniões radicalizadas e disseminação de teorias conspiratórias sobre vacinas. Geralmente, essas teorias sugerem que um grupo oculto de poderosos usa medicamentos para controlar a sociedade ou reduzir a população global.

Para piorar, nos últimos anos, políticos populistas e da ultradireita vem capitalizando essas teorias conspiratórias para ganhar apoio. Ao incorporar elementos desses discursos, eles não só amplificam as falsas narrativas, como também lhes conferem um verniz de legitimidade e uma identidade política.

É o caso, por exemplo, de Bolsonaro – que, em meio à pandemia, fez várias manifestações públicas contra a vacinação, além de espalhar teorias conspiratórias. Chegou, inclusive, a sugerir que a vacina contra Covid poderia causar AIDS a quem a recebesse.

Sabemos que os evangélicos são o grupo religioso que mais apoiou Bolsonaro no último período. Em 2022, segundo o Datafolha, 69% dos votos válidos entre evangélicos foram para Bolsonaro, número bem superior a outros segmentos religiosos.

A afinidade de uma parcela significativa dos evangélicos com Bolsonaro pode explicar a prevalência do discurso anti-vacina nesse grupo. Esse fenômeno é reforçado por um ecossistema informativo pró-Bolsonaro, onde essas narrativas circulam mais livremente.

Mas há ainda outro elemento que ajuda a explicar o sucesso de teorias conspiratórias antivacina entre evangélicos pentecostais. Me refiro especialmente a uma característica desse grupo: a ênfase nos debates teológicos sobre o fim dos tempos, chamada também de escatologia.

Baseando-se no livro do Apocalipse, eles veem sinais do fim dos tempos, por exemplo, nas mudanças climáticas e transformações sociais, incluindo questões de gênero e sexualidade. A grosso modo, os demônios tentarão enganar e controlar os servos de Cristo, e os poderosos imporão práticas que o cristão deve resistir.

Esta visão escatológica inclui ainda a ideia de que forças demoníacas e grupos secretos controlam o mundo, tornando fácil enquadrar a vacinação nesse contexto. Para que campanhas de conscientização sejam eficazes, é necessário levar esse contexto em conta e reestabelecer uma cultura de confiança, algo cada vez mais escasso entre nós.

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