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O tamanho da imagem e da potência eleitoral de Michelle Bolsonaro

Pensar sobre isso, mais do que um exercício de futurologia, é uma tarefa importante dos setores democráticos

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) junto à esposa Michelle e o pastor Silas Malafaia, no Reino Unido. Foto: Chip Somodevilla/POOL/AFP
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Com a volta de Michelle Bolsonaro dos Estados Unidos, diversos veículos e analistas apontam a ex-primeira dama como uma possível candidata nas eleições de 2026, seja como senadora ou mesmo presidente da República. Para muitas pessoas do campo progressista, a ideia de que Michelle possa ter apelo superior ao de Jair Bolsonaro entre setores populares pode ser estarrecedora, mas há elementos que apontam, sim, nessa direção. 

Um primeiro aspecto a ser discutido, nesse sentido, é a ligação da ex-primeira dama com a população evangélica. Michelle é, de fato, evangélica, e faz uso das características desse grupo para ser reconhecida entre seus pares: do traje ao styling, do tom de voz ao gestual, passando pelo vocabulário e corporalidade, Michelle comunica sua identidade religiosa.

E, se a máxima diz que “quem é verdade sabe quem é de mentira”, o contrário também é válido. Michele pode exagerar, mas não passa aos olhos do grupo como impostora. 

Mais do que isso, o uso político do pertencimento religioso é feito com maestria: quando visita igrejas, a ex-primeira dama não pede um aparte para discutir política. De forma muito mais eficiente, ela faz do próprio culto a política.

Não há pedido de licença para falar sobre eleições, e sim uma pregação religiosa – em que o conteúdo eleitoral é exposto em meio ao uso de línguas estranhas, com a tonalidade da voz e a performance corporal de uma missionária que estaria avivada pelo Espírito Santo.

O uso dessa abordagem e com esse alcance é novo. Pode parecer pouco ou uma diferença sutil para quem é alheio a esse universo, mas não para quem é pertencente a ele.

Quando falamos de religião, a ritualística é fundamental, e os elementos presentes, a ordem ou modus operandi fazem toda a diferença na efetividade e alcance da mensagem. Para fazer um exercício de analogia: em uma tradição espiritualista ou afro-brasileira, uma fala de um líder ou sacerdote no meio de uma celebração vai ser entendida de forma totalmente diferente se ele se ele está incorporado ou não. 

Outro aspecto que aumenta a força de Michelle é que ela é positivamente interpretada tanto entre aqueles que sustentam uma estrutura familiar tradicional, quando entre aqueles que buscam, a partir da fé, a reconstrução de seus lares. Nas mais variadas igrejas evangélicas, não é rara a presença de mulheres que lutam para mudar o comportamento de um marido ou familiar, vendo, inclusive, a possibilidade de conversão do ente querido como meio para tal.

A religião, afinal, é um dos principais motores de transformação na vida das pessoas. Michelle, casada com um marido comumente lido como grosseiro e agressivo, “mas com um bom coração”, estaria em situação semelhante à de muitas evangélicas, gerando identificação e admiração.

Os evangélicos são um grupo de importância crescente na sociedade e na política brasileira. Hoje, correspondem a cerca de um terço do eleitorado brasileiro, e devem se tornar majoritários já na próxima década. Uma penetração consolidada nesse segmento, como tem Michelle, e um trabalho para além dele, alcançando outros grupos do condomínio bolsonarista, daria à ex-primeira dama uma força política das mais relevantes.

A pergunta é se, para além do setor evangélico, Michelle teria o mesmo apelo. 

A socióloga e professora da UFF, Christina Vital da Cunha, nos dá pistas centrais par  respondermos a essa questão. Para ela, Michelle “mobiliza muito bem símbolos para se comunicar com a maior parte das mulheres, evangélicas ou não, e tem também um potencial de atração política para homens”.

Esses símbolos, completa, “invocam uma mulher de fé, que é uma mulher que vence batalhas. Ela mobiliza essa força do feminino: modernidade, força, trabalho, vencedora de batalhas. E é, ao mesmo tempo, uma mulher que cumpre um papel caridoso porque ela é sensível ao universo das deficiências”. 

São símbolos, portanto, que se comunicam com uma multiplicidade de grupos, o que é uma característica rara e potente na política, e reforça o apelo eleitoral da ex-primeira dama. Pensar sobre isso, mais do que um exercício de futurologia, é uma tarefa importante dos setores democráticos. Não podemos esquecer que ainda há no Brasil um setor social que ameaça o Estado de Direito. Analisar quem pode aglutiná-lo e dirigi-lo é tarefa fundamental dos que buscam garantir a democracia.

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