Daniel Camargos

Daniel Camargos é repórter há 20 anos e cobre conflitos no campo, especialmente na Amazônia, para a Repórter Brasil. É fellow do programa Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center

Daniel Camargos

É o fim da trégua socioambiental a Lula 3?

Após um ano, o governo enfrenta a pressão crescente de greves dos fiscais ambientais, desafios na proteção de terras indígenas e a inércia na reforma agrária

Foto: Bruno Bimbato/ICMBio
Apoie Siga-nos no

O desmonte socioambiental perpetrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) levou setores da sociedade a darem uma trégua nas cobranças ao governo Lula (PT) durante o primeiro ano. O armistício foi intensificado após a intentona golpista do 8 de Janeiro, que ampliou o medo do retorno das trevas bolsonaristas, resultando em cobranças menos firmes do que deveriam ser. 

As reivindicações pela preservação ambiental, vindas de setores que a defendem, como os servidores públicos, e lutam pela sobrevivência, como os povos do campo, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, têm urgência e justiça. Contudo, após um ano de governo, a trégua parece chegar ao fim, evidenciada pela greve dos servidores do Ibama e do ICMBio.

Se existe uma classe que se entrincheirou para combater o antiambientalismo do governo anterior, sem dúvida, é a de fiscais ambientais. São 1,4 mil servidores do Ibama em greve desde de 2 de janeiro. O movimento recebeu a adesão de 600 funcionários do ICMbio na semana passada. Em carta, disseram que estão “estarrecidos” e “cansados” por não terem retorno do governo nos pedidos de reajuste do salário congelado há 7 anos e melhorias na carreira.

Os grevistas vão se dedicar apenas a atividades burocráticas internas. O trabalho em campo, incluindo as ações de fiscalização, estão suspensas, até que o governo apresente uma resposta às reivindicações. 

“Terá impactos significativos na conservação da biodiversidade e na preservação do meio ambiente”, diz trecho da carta assinada pelos grevistas. Entre os méritos de quem luta por melhorias está a queda de 50% nos alertas de desmatamento, depois de anos de alta no desmate.  

A valorização desses servidores está diretamente ligada a outro ponto de pressão no governo. Eles são fundamentais para os planos de desintrusão de terras indígenas invadidas por atividades ilegais, como o garimpo.

O governo Lula foi ágil para iniciar a operação de retomada da terra indígena Yanomami, em Roraima, nos primeiros dias do governo. A presença de 20 mil garimpeiros levou a uma crise humanitária, com casos de desnutrição. Na linha de frente, as equipes do Ibama foram recebidas com tiros  pelo menos dez vezes na TI Yanomami, segundo balanço divulgado na semana passada. 

O enfrentamento deu resultado. As áreas de garimpo reduziram em 85% na comparação com 2022. Contudo, ao longo do ano a operação perdeu força, e os garimpeiros já retornam ao território. Pressionado, o presidente Lula se reuniu com os ministros nesta terça (9), e disse que vai intensificar a ação do governo na região. 

Além da operação no território Yanomami, operações estruturadas ocorreram na Terra ìndigena Apyterewa (a mais desmatada do país e invadida por mais de 60 mil bois), Trincheira Bacajá e Alto Rio Guamá, todas no Pará. Outros territórios invadidos por garimpeiros, como as terras dos povos Munduruku e Kayapó, também no Pará, receberam apenas operações pontuais, insuficientes para eliminar o garimpo. Apesar da diferença gritante em relação ao governo anterior, o fato é que ainda falta muito para a proteção dos territórios indígenas. 

O governo Lula também não foi capaz de articular politicamente no Congresso o veto ao Marco Temporal; lei aprovada para atender interesses de ruralistas e que determina que uma terra indígena só pode ser demarcada se ficar comprovado que a área era ocupada pela comunidade em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Por esse entendimento, os povos expulsos de suas comunidades antes dessa data perdem o direito à terra. 

A tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e, esgotada a possibilidade política, é na suprema corte que está a esperança dos povos indígenas em barrar a nova lei. 

Os movimentos pela reforma agrária, sendo o MST o maior deles, também aguentaram quase calados a falta de avanço no primeiro ano do governo Lula. São 65 mil famílias em acampamentos e outras 30 mil em pré-assentamentos que aguardam a ação da União para criação de novos assentamentos. 

Sabe quantos assentamentos foram criados no primeiro ano do governo Lula 3? 

Nenhum. 

Pelo terceiro ano consecutivo nenhuma fazenda improdutiva ou terra pública foi convertida em áreas para produção das famílias de trabalhadores rurais sem terra. O argumento do Incra para a inação, segundo detalhou a Repórter Brasil, é que o governo anterior deixou um orçamento exíguo.

Contudo, passado um ano, a perspectiva não é boa. O MST afirma que é necessário um investimento de R$ 2,8 bilhões anuais na reforma agrária, mas o que está previsto para 2024 são R$ 567 milhões. ‘’O diálogo [com o governo] é uma beleza, mas não passa disso”, disse João Paulo Rodrigues, coordenador do MST, para a jornalista Fernanda Canofre, na Repórter Brasil.   

Em vídeo, João Pedro Stédile disse que 2023 foi o pior ano de todos os 40 do MST, considerando o número de famílias assentadas. Apesar disso, Stédile disse que compreende o momento e que a reforma agrária popular não se mede mais por hectares, mas por “ideias, conquistas políticas e sociais”.

Se as lideranças do movimento compreendem, resta saber se as milhares de famílias acampadas sob a lona preta seguirão compreendendo o contexto sem partir para novas ocupações, ou, como preferem nomear os partidários do agronegócio: as invasões.    

Menos alinhada ao governo, a Frente Nacional de Lutas no Campo e na Cidade (FNL) fez uma ofensiva, principalmente, no interior de São Paulo, com ocupações em fevereiro de 2023. Logo depois, em abril, o MST ensaiou um avanço, com ocupações no tradicional “abril vermelho”, que marca o aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás. Mas a reação do governo – pressionado pela bancada ruralista – arrefeceu o ímpeto. Além disso, a criação da CPI do MST drenou as forças do movimento.   

O governo Lula enfrenta um desafio maior à medida que as pressões socioambientais se intensificam. Greves dos fiscais ambientais, dificuldades na proteção de terras indígenas e estagnação na reforma agrária compõem um cenário complexo. 

A trégua inicial, influenciada pela ameaça bolsonarista, dá lugar à urgência de ação. O desafio é responder efetivamente às demandas tratando como prioridades centrais do governo. Isso, é claro, usando a habilidade política e o respaldo popular para negociar com o Congresso e enfrentar os interesses predatórios do agronegócio.  

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo