Sustentabilidade

Desmonte da estrutura de fiscalização e combate aos crimes ambientais minou o prestígio do País

Para mitigar a crise climática, o Brasil deve priorizar o combate ao crime ambiental e desenvolver projetos econômicos sustentáveis

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O Brasil deixou de ser uma potência ambiental para virar vilão nesse setor. A participação do País só não foi pior na COP26 porque houve grupos representando ONGs e empresas brasileiras, que acrescentaram ao debate. Um alento.” A análise é de Ricardo Galvão, ex-presidente do Inpe, demitido do cargo no início do governo Bolsonaro, após denunciar a tentativa de manipulação dos dados sobre o desmatamento na Amazônia. No webinar promovido por CartaCapital, o físico disse acreditar mais na sociedade civil do que nos governantes e apontou dois caminhos para o Brasil retomar o protagonismo perdido: redução do uso de combustíveis fósseis e proteção das suas florestas. “O Brasil tem condições de promover o sequestro de carbono e zerar o desmatamento”, garante Galvão, mencionando a existência de 1,5 milhão de hectares de terras vazias no mundo que poderiam ser reflorestadas, numa parceria entre o Poder Público e o capital.

O historiador Luiz Marques aponta algumas vantagens do Brasil em relação a outros países, na busca por uma nova matriz energética. Ele acredita numa grande capacidade de produção de energia alternativa no País, considerando fatores como o clima, a luminosidade solar e os ventos constantes na maior parte do ano, e destacou o papel da Petrobras na empreitada. “A empresa precisa comandar esse processo, porque existe um enorme patrimônio de experiência, conhecimento e tecnologia, podendo converter isso muito facilmente, desinvestindo no petróleo, fazendo com que as receitas desse produto sejam transferidas para outras energias, se não renováveis, de baixo carbono”, destaca. Paula Johns, da ACT Promoção da Saúde, acrescenta ser preciso combinar vontade política e conhecimento para transformar a realidade do Brasil e aposta numa mudança de rumos após as eleições do próximo ano. “O caminho a trilhar para sair da inércia é mobilizar a sociedade para, a partir de 2023, o Brasil voltar ao que era.”

Devastação. De 2020 a 2021, o desmatamento atingiu 13 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia

Na mesma linha, Jaques Wagner, presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, defendeu um modelo tripartite, com a participação da sociedade, do setor econômico e do Poder Público. O parlamentar dividiu o painel com o promotor de Justiça Alexandre Gaio e o defensor público Tiago Fensterseifer. Gaio fez duras críticas ao desmonte da estrutura de fiscalização de crimes ambientais que vem ocorrendo nos últimos anos, sobretudo no governo Bolsonaro, lembrando também o não cumprimento de acordos internacionais assinados pelo Brasil. Ele menciona, ainda, o projeto de licenciamento ambiental aprovado recentemente no Congresso, que facilita o avanço da exploração de terras habitadas pelos povos indígenas.

“O que vemos é a retirada total do dever do Estado de controlar atividades que são potencialmente poluidoras, deixando que o mercado se autorregule. Além de contrariar a Constituição, ainda colocam em risco a vida humana. Quantas vidas precisamos perder por conta da omissão do Estado e da falta de governança?”, questiona, ao relembrar as tragédias de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, que resultaram em centenas de mortos. Fensterseifer reforçou a crítica, lembrando que, de 2020 a 2021, foram registrados mais de 13 milhões de quilômetros quadrados de desmatamento, um dado negado cinicamente pelo governo brasileiro na COP26. “De nada adianta ter belos diplomas legislativos, se não tem quem execute, que deveria ser o papel central dos órgãos ambientais, os quais estão sofrendo de forma deliberada um processo de enfraquecimento e que reflete nesse cenário.”

“TEMOS CONDIÇÕES DE PROMOVER O SEQUESTRO DE CARBONO E ZERAR O DESMATAMENTO”, DIZ RICARDO GALVÃO, EX-PRESIDENTE DO INPE

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, diz ser preciso reconstruir a política ambiental no Brasil a partir de novas relações entre o Poder Público e a iniciativa privada, tendo os cientistas e as organizações sociais como importantes atores nesse realinhamento. “O Brasil é menor hoje não por conta da sociedade, mas por escolhas políticas equivocadas. A solução não é ir para Marte, como muitos estão falando. É preciso um trabalho global, com vários sistemas multilaterais operando em conjunto e com disposição para mudar”, opina. Izabella cita a dimensão da Floresta Amazônica e o que ela representa para o planeta. “A Amazônia pôs o Brasil em um protagonismo mundial e hoje ela o tira. Para estar de pé junto ao mundo, o Brasil também precisa conservar as suas florestas em pé.”

Na programação do webinar, ­CartaCapital reservou um painel específico para tratar do papel e da importância da Floresta Amazônica para debelar a crise ambiental planetária. Um dos convidados para a mesa foi o delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, afastado do cargo após investigar o ex-ministro Ricardo Salles por facilitação ao tráfico ilegal de madeira e atrapalhar medidas de fiscalização ambiental na região. O delegado responsabilizou o Estado por não dar respostas ao crime organizado, que avança cada vez mais. “Vemos uma complacência do Poder Público, fazendo com que o desmatamento e o garimpo aumentem”, afirma. “Quando o Estado tem um discurso favorável a isso, o País passa a ser controlado pelo crime, não pelo império da lei.”

Letra morta? Jaques Wagner, Alexandre Gaio e Thiago Fensterseifer exigem o cumprimento da legislação ambiental

Com larga experiência no combate ao crime organizado na Região Amazônica, Saraiva sustenta que os criminosos são eficientes e estão articulados com a classe política. “Enquanto a sociedade brasileira não exigir a proteção da Amazônia, a gente vai continuar vendo parlamentares defendendo criminosos. Se é crime é crime! O parlamentar não tem de questionar a decisão da polícia, porque a legislação precisa ser cumprida. Operacionalmente, não é difícil acabar com o garimpo, o que falta é vontade política”, destaca o delegado, defendendo a regularização da mineração até onde é possível, para gerar riqueza e emprego, sem provocar grandes danos ao meio ambiente, como acontece com a madeira ilegal, apontada por ele como “a grande mola econômica de destruição da Amazônia”.

Nesse mesmo painel, estavam ­Gabriela Savian, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, e Mauro de Almeida, advogado e secretário de Meio Ambiente do Pará. Gabriela apresentou dados sobre o desmatamento na região, sobretudo em áreas ribeirinhas e de terras públicas, sem que os órgãos de fiscalização contivessem os crimes. Segundo ela, até 2014, existiam políticas públicas voltadas para reduzir o desmatamento sem travar o desenvolvimento econômico. A partir de 2015, no entanto, os crimes ambientais aumentaram de forma expressiva. “Nosso patrimônio está disponível para ser dilapidado. É preciso ações contundentes não só do Poder Público, mas arranjos privados para essas iniciativas”, diz, lembrando do lobby existente no Congresso Nacional para aprovar projetos que interessam aos desmatadores. “A cada quatro votos, três são a favor de instrumentos que favorecem a insustentabilidade e os crimes ambientais.”

Em chamas. Alexandre Saraiva, Mauro de Almeida e Gabriela Savian lamentam a impunidade dos desmatadores, a dilapidação do patrimônio ambiental do Brasil

Mauro de Almeida falou dos projetos desenvolvidos pelo Pará e pelo Consórcio Amazônia Legal, cuja pauta é coletiva a partir do interesse comum à região. “Precisamos pensar num modelo de economia baseado no cuidado com as pessoas, com a floresta e com os rios. Se ultrapassarmos o teto de 1,5ºC até o fim deste século, o prejuízo não vai ser só para o Brasil, mas para o mundo todo. Portanto, estamos tratando de uma pauta urgente.”

Para mitigar a crise climática, acrescenta o secretário, o Brasil deve priorizar o combate ao crime ambiental, desenvolver projetos econômicos sustentáveis, dispor de crédito para pequenos e médios produtores e apostar nos saberes da floresta para reduzir os efeitos do aquecimento global. Ele lembra, ainda, que 40% da água potável do planeta provém da Amazônia e defende uma reorientação para o desenvolvimento da região. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1188 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: BRUNO KELLY/AMAZÔNIA REAL – IPAM/AM, REDES SOCIAIS, ROQUE DE SÁ/AG. SENADO, FELIPE WERNECK/IBAMA E TV CULTURA

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