Daniel Camargos

Daniel Camargos é repórter há 20 anos e cobre conflitos no campo, especialmente na Amazônia, para a Repórter Brasil. É fellow do programa Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center

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Precisamos falar sobre Nikolas Ferreira, o neto que todo golpista gostaria de ter

Mais influente parlamentar nas redes sociais, o deputado emana certa rebeldia, até mesmo um tom que pode ser interpretado equivocadamente como revolucionário

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
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Vira e mexe um deputado federal de 27 anos ganha destaque nacional. Seja usando uma peruca loira fazendo discurso transfóbico no plenário da Câmara no Dia das Mulheres ou berrando passagens bíblicas para se promover em cima de um trio elétrico ladeado pelos figurões da extrema direita brasileira.

Nikolas Ferreira (PL) já protagonizou cenas controversas, como o chilique ao ser impedido de visitar o Cristo Redentor por não ter apresentado o comprovante da vacina da Covid-19. Recentemente, foi eleito presidente da Comissão de Educação do Congresso, mesmo tendo dito que não tem conhecimento suficiente para saber que a terra é redonda.

De polêmica em polêmica, de bizarrice para absurdos, o radical da extrema-direita se tornou o deputado federal mais votado da história de Minas Gerais e o mais votado em todo o Brasil nas últimas eleições. Mesmo que você, caro leitor, discorde de todas as ideias de Nikolas, é impossível ignorar sua presença e influência.

Para este repórter da da geração Y, um millennial, é intrigante observar o jovem da geração Z trilhar caminho semelhante ao do símbolo da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PL), que considero pertencer à geração verde-oliva-pau-de-arara.

Sem coturno, mas com sapatênis, bíblia na mão direita e o celular na outra, Nikolas não precisa do palco do Super Pop ou das deixas do CQC, como Bolsonaro tão bem usou para sair do gueto de nanicos do Congresso.

Filho de pastor da Igreja neopentecostal Graça e Paz, de Belo Horizonte (MG), ele domina as redes sociais com uma desenvoltura que Bolsonaro nunca teve. É irônico, atrevido, provocador, sabe modular a voz aguda e pensa rápido – por mais apavorante que seja a mensagem. Um levantamento da Genial/Quaest apontou que ele é o deputado federal mais influente nas redes sociais.

São milhões de seguidores que comentam e engajam tudo que Nikolas posta. Por dever do ofício, acompanho grupos nas redes sociais de garimpeiros e grileiros (ladrões de terras públicas) da Amazônia e é impressionante como as postagens do deputado mineiro são compartilhadas lá.

Como morador de Belo Horizonte, a atuação política dele me afeta há mais tempo do que a do restante dos brasileiros. Nikolas foi eleito vereador na capital mineira, em 2020, com quase 30 mil votos. Sem terminar o mandato, foi candidato a deputado federal e recebeu 1,47 milhão de votos.

Com tantos eleitores, estão equivocados aqueles que não querem discutir sua atuação. Como se o silêncio fosse capaz de eclipsar ideias obscurantistas. Não é.

Nikolas já é o principal cabo eleitoral para a disputa da prefeitura de Belo Horizonte e vislumbra uma candidatura para o governo mineiro em 2026. Da esquerda à direita, passando pelo centro, todos aguardam qual será seu grau de envolvimento no pleito da capital mineira neste ano. Até então, o acordo é que Nikolas apoiará o deputado estadual Bruno Engler (PL), de 26 anos – também de extrema-direita e tão histriônico quanto, mas sem a mesma verve.

Antes da eleição para o governo estadual, em 2026, ele completará 30 anos, idade mínima para disputar o cargo. Ainda falta muito, mas pode enfrentar o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD), cotado em uma costura envolvendo o presidente Lula e o PT. O governador Romeu Zema (Novo) tem andando com seu vice e correligionário, Mateus Simões, a tiracolo, tentando torná-lo conhecido e viável politicamente para sucedê-lo.

É claro que a política é como nuvem, citando a manjada frase atribuída ao golpista mineiro Magalhães Pinto: “Você olha, e ela está de um jeito. Olha de novo, e ela já mudou”. Mas é certo o plano de Nikolas de ser presidente do Brasil. Precisa antes completar 35 anos, o que ocorrerá em 2031, ficando apto em 2034, daqui a 10 anos.

Sem muita sofisticação na metáfora, Nikolas deixou o desejo explícito quando discursou no último ato bolsonarista na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro: “Moisés não chegou a ver e entrar na terra prometida, mas teve um jovem chamado Calebe que entrou. Se não fosse a força de Moisés, Calebe não teria entrado. Talvez nós não veremos o Brasil prometido, mas os nossos filhos, os filhos dos nossos filhos, verão um Brasil novamente verde e amarelo”.

Calebe, ops, Nikolas é uma versão turbinada de Bolsonaro. Enquanto o ex-presidente possibilitou  o cidadão de bem retirar seus preconceitos da gaveta, vestir uma camisa verde e amarela, sair às ruas acampando em frente a quartéis, clamar pelo golpe, destruir prédios públicos e, é claro, cantar o hino nacional para um pneu; Nikolas é a fase seguinte.

Em outras palavras: é o neto que todo idoso golpista gostaria de ter.

Nikolas tem orgulho de ser conservador. Aliás, como demonstram recentes pesquisas sobre grande parte de geração Z a qual ele pertence. Tem respostas prontas e tiradas sarcásticas. Parece sempre pensar antes nos ataques que pode sofrer e deixa na ponta da língua um petardo, ou lacrada, como dizem os jovens. O trecho é devidamente editado, cortado e espalhado pelas redes sociais.

Assistindo aos vídeos do deputado é possível perceber que ele emana certa rebeldia, até mesmo um tom que pode ser interpretado equivocadamente como revolucionário, o que sempre encantou a juventude. Vide o que aconteceu no Congresso na semana passada.

Como presidente da Comissão de Educação, participou  do anúncio do governo Lula de 100 novos campi de institutos federais. O governo petista escolheu os convidados, entre eles vários estudantes. O clima tinha tudo para ser hostil, mas Nikolas foi tietado pelos jovens, que pediram autógrafos e fotos.

“Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, dizia Che Guevara. Ao assistir o vídeo com a cena lembrei-me da frase de Che, mas também da entrevista que li do professor de filosofia da USP, Vladimir Safatle: “A extrema-direita é hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica”, disse Safatle, que lançou recentemente Alfabeto das Colisões.

Em uma análise dos jovens brasileiros do século 21, o antropólogo Juliano Spyer definiu bem porque a esquerda deve estudar Nikolas além da maneira como ele maneja a internet. “Filho de pastor, retórica é uma disciplina acessível a ele desde cedo. Ele também encapsula valores e sonhos de superação de muitos jovens periféricos hoje. Em um contexto em que as esquerdas vêm envelhecendo e se distanciando do Brasil real, Nikolas já está trazendo outros jovens para a política.”

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