Justiça
PRFs torturaram Genivaldo e mandaram multa à família depois da morte, diz sentença
‘A tortura foi praticada à luz do dia, na presença de várias pessoas que se acumularam ao redor da ocorrência’, ressaltou magistrado


Os três ex-policiais rodoviários federais responsáveis pela morte de Genivaldo Jesus Santos, asfixiado no porta-malas de uma viatura da PRF no interior de Sergipe, enviaram uma multa de trânsito à família dele mesmo após o crime. A informação consta da sentença assinada pelo juiz federal Rafael Soares Souza.
A íntegra do documento foi divulgado nesta segunda-feira 9. Após doze dias de julgamento, os agentes Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Kléber Nascimento Freitas e William Barros Noia foram condenados por homicídio qualificado e tortura seguida de morte no último sábado 7. O crime aconteceu em maio de 2022.
Na sentença, o magistrado destacou que a forma como Genivaldo foi torturado mostra que o crime extrapolou a normalidade. Também disse que o uso de gás lacrimogêneo no porta-malas da viatura é uma prática completamente fora do padrão.
“A tortura foi praticada à luz do dia, na presença de várias pessoas que se acumularam ao redor da ocorrência, verbalizando alertas de cuidado aos agentes, sendo seguida de um conjunto de atos fortes, culminando com o uso da granada e o resultado morte. E mesmo com tudo o que aconteceu, a multa de trânsito foi lavrada e enviada aos familiares de Genivaldo“, escreveu.
Souza também criticou o fato de a defesa dos ex-PRFs ter apresentado uma “encenação” aos jurados, na qual um dos advogados aparece no porta-malas de um carro enquanto uma aparente granada lacrimogênea é acionada.
“O uso do gás para fazer alguém ‘se acalmar’ ou para proceder a uma prisão é algo completamente inédito, off label, tão fora de parâmetro que sequer possui testagem para aferir suas consequências”, acrescentou. “É perceptível no vídeo que o causídico ‘toma fôlego’ antes do acionamento do dispositivo.”
Kléber Nascimento e William de Barros foram condenados a 23 anos, um mês e nove dias de prisão por tortura seguida de morte. Já Paulo Rodolpho foi condenado por homicídio triplamente qualificado a 28 anos de prisão.
As penas de William e Kleber foram agravadas pelo motivo fútil, pela asfixia e pelas circunstâncias que impossibilitaram a defesa da vítima. Além disso, foram considerados os fatos de o crime ter sido cometido por agentes públicos e contra pessoa com deficiência, conforme o Código de Processo Penal e a Lei n° 9455/1997.
Os três estão presos desde outubro de 2022 no Presídio Militar de Sergipe. Eles foram denunciados pelo Ministério Público Federal por homicídio triplamente qualificado e tortura-castigo, cujas penas poderiam chegar a 40 anos de prisão. Também foram alvos de processo administrativo que resultou na demissão do grupo da PRF, em agosto do ano passado.
Sob forte esquema de segurança, o júri popular começou em 26 de novembro no Fórum da Justiça Federal em Estância (a quase 70 quilômetros de Aracaju). Foram convocadas 30 testemunhas e seis peritos – do total, oito foram dispensadas.
Genivaldo morreu em decorrência de asfixia e insuficiência respiratória após ser trancado no porta-malas de uma viatura da PRF e submetido à exposição de gás lacrimogêneo. O caso aconteceu em 25 de maio de 2022.
A vítima foi abordada pelos policiais quando pilotava a motocicleta da irmã sem capacete. Levado ao chão, teve as mãos algemadas e os pés amarrados com fitas. Também foi alvo de rasteira e chutes, em meio a xingamentos. Depois, Genivaldo foi imobilizado por dois agentes que colocaram os joelhos sobre seu tórax.
Já no porta-malas da viatura, ele foi obrigado a inalar gás lacrimogêneo. Nas gravações da cena, é possível ver fumaça escapando do veículo enquanto a vítima tentava deixar o compartimento. Em outubro, a Justiça Federal condenou a União ao pagamento de 1 milhão de reais em indenização à família de Genivaldo.
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