Política
Bolsonaro promove mudança à força no MEC e por interesses na Petrobras
As ambições reeleitorais e as pressões de integrantes da bancada evangélica pesaram nas decisões


O general da reserva Walter Braga Netto assinou uma espantosa mensagem em 30 de março para os quartéis festejarem o golpe militar de 1964 e, no dia seguinte, o da conclusão desta reportagem, deixaria o Ministério da Defesa, a fim de estar apto a ser vice de Jair Bolsonaro na eleição. Depois do golpe (ele não usa essa palavra, claro), diz a nota, o Brasil viveu um “período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no fortalecimento da democracia”.
No mesmo dia, Braga Netto assinou um decreto de aumento salarial para milicos, outro mimo de Bolsonaro às Forças Armadas, sócias no governo. O escolhido para ser seu sucessor na Defesa, caso a troca se confirmasse, era o chefe do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira. Como diz o coronel da reserva Marcelo Pimentel de Souza, os militares recuperaram em 2018 o Ministério da Defesa, criado em 1999 para um civil mandar nas tropas, e não querem devolver.
Essa retomada ocorreu com a chegada do general Joaquim Silva e Luna à pasta, na gestão de Michel Temer. Silva e Luna é o atual presidente da Petrobras e deixará o posto em 13 de abril, por decisão de Bolsonaro. Sua substituição vem no embalo de seguidos reajustes nos preços dos combustíveis, a castigar o bolso do povão, logo, as chances de reeleição do capitão. Segundo o Datafolha, 68% culpam o governo pelos reajustes. O futuro presidente da Petrobras, o economista e lobista Adriano Pires, apoia a atual política de preços da companhia, daí não estar claro se a sua missão tem a ver com preços ou, como se verá adiante, com negócios (duvidosos) na área de gás, de interesse do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do presidente da Câmara, Arthur Lira, ambos do PP. Essa última hipótese tem respaldo na trajetória do escolhido de Bolsonaro para comandar o conselho de administração da estatal, Rodolfo Landim, presidente do Flamengo.
A mudança na Petrobras, comentou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, serviu para tentar desviar a atenção do público do escândalo dos pastores-lobistas do Ministério da Educação, caso que derrubou Milton Ribeiro da pasta em 28 de março. “Escândalo de corrupção com as digitais do presidente”, tuitou Ramos, pois “o áudio do (ex-) ministro deixa claro que os pastores propineiros eram atendidos por ordem do presidente”. Nas últimas semanas, o noticiário mostrou que dois pastores, Gilmar dos Santos e Arilton Moura, intermediavam a liberação de verbas do MEC para prefeituras em troca de propina. Em um áudio divulgado pela Folha de S.Paulo, Ribeiro explicou por que abriu as portas do Ministério aos intermediários: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar”.
Pires: lobista com boas relações no PP – Imagem: Pedro França/Ag.Senado
Ribeiro deveria ter comparecido à Comissão de Educação do Senado para se explicar em 31 de março, dia da conclusão desta reportagem, mas deu o cano. Bolsonaro não queria a saída do subordinado. Quatro dias antes da carta de demissão, havia declarado que botaria a “cara no fogo” por Ribeiro. As ambições reeleitorais e as pressões de integrantes da bancada evangélica pesaram mais, no entanto. O deputado paulista Marco Feliciano, um dos expoentes da turma da Bíblia, afirmou: “Nós evangélicos estamos sangrando”, em razão do escândalo. “Bolsonaro não vai confessar que pode haver corrupção em seu governo, mas desta vez ele agiu cedo para estancar a sangria”, disse o vice-líder da bancada evangélica, Luis Miranda, do Distrito Federal.
Miranda foi quem levou ao presidente, em março de 2021, uma denúncia de irregularidade na compra de vacinas indianas anti-Covid, a Covaxin, pelo Ministério da Saúde. Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, acaba de negar a tentativa do procurador-geral da República, Augusto Aras, de engavetar o inquérito sobre uma possível prevaricação de Bolsonaro no caso. Prevaricar é o crime de agente público que se omite em relação ao dever de agir. O presidente tomou alguma providência após ouvir o relato de Miranda? Pelo que se sabe até aqui, não.
A compra de imunizantes havia colocado em cena religiosos-lobistas e seus negócios suspeitos. Na CPI da Covid, soube-se que, em março de 2021, um reverendo, Amilton Gomes de Paula, procurara Bolsonaro e a primeira-dama, Michele, para tentar vender uma vacina cujo preço fixado nos subterrâneos de Brasília incluía propina de 1 dólar por dose. O negócio não foi selado.
A demissão de Ribeiro busca “estancar a sangria” do governo e dos evangélicos, mas liquida o assunto? No Senado, a oposição propõe uma CPI para destrinchar o assunto, enquanto a Comissão de Educação adianta as coisas, ao decidir ouvir prefeitos que se depararam com o esquema do MEC. Detalhe: a comissão é comandada por Marcelo Castro, do MDB do Piauí, aliado de Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, na eleição de 2018, mas que agora está em pé de guerra na política piauiense com o ministro.
No Senado, a oposição tenta emplacar uma CPI para apurar as denúncias no MEC
Um dos prefeitos que o Senado quer ouvir é do PP, a sigla de Nogueira. Trata-se de Júnior Garimpeiro, da cidade de Centro Novo, no Maranhão. Garimpeiro fora anfitrião de Ribeiro em maio de 2021, encontro que serviu para ampliar o alcance do esquema dos pastores por cidades do estado. Em dezembro de 2021, o prefeito esteve em um jantar em Brasília com o então ministro. Tinha recém-deixado a cadeia, após dois meses preso, acusado pela Polícia Federal de chefiar um esquema que, para fins de mineração, desmatara ilegalmente 60 mil hectares na Amazônia. No jantar, contou a CartaCapital o secretário estadual de Cidades e Desenvolvimento Urbano do Maranhão, Márcio Jerry, o garimpeiro teria dado um bracelete de ouro de meio quilo a Ribeiro e um colar de presente para Bolsonaro.
Centro Novo fica a 50 quilômetros de Maranhãozinho, onde o deputado federal Josimar Cunha Rodrigues, chefe do PL no Maranhão, foi prefeito de 2005 e 2012. Um cargo que lhe trouxe fortuna: seu patrimônio subiu de 463 mil, em 2008, para 14,5 milhões de reais, em 2014. Em 11 de março, uma semana antes de estourar o escândalo do MEC, Rodrigues havia sido alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal, juntamente com dois colegas deputados do PL, Bosco Costa, de Sergipe, e, surpresa!, mais um religioso, o Pastor Gil. O parlamentar é investigado desde 2020 pela PF, em duas frentes, as operações Ágil Final e Descalabro, por suspeita de cobrar comissão em troca de verba de emendas parlamentares para municípios maranhenses.
A PF havia investido contra Rodrigues em 1º dezembro de 2021, um dia após Bolsonaro filiar-se ao PL. Logo em seguida surgiram na mídia dois vídeos estrelados pelo deputado, ambos de 2020. Em um, ele manuseia cash. Em outro, diz que “Valdemar cumpriu certinho comigo”. Valdemar é Valdemar Costa Neto, cacique-mor do PL, e a citação a ele refere-se ao repasse de dinheiro para campanhas do partido no Maranhão na eleição municipal de 2020. Por que os vídeos demoraram mais de um ano para vir a público? À época, Costa Neto foi alertado de que poderia ser uma armação do presidente com a PF para enfraquecê-lo e dar a chance a Bolsonaro de tomar o controle do partido. Costa Neto não deu bola. Detalhe: ele não é mais réu primário, por sua condenação no dito “mensalão”, daí que uma prisão agora, diante de alguma acusação, seria mais fácil.
A demissão de Ribeiro deu-se um dia depois de Bolsonaro participar de outro evento do PL, ao lado de Costa Neto, no qual vários bolsonaristas entraram no partido, agora o maior da Câmara dos Deputados. Idem o anúncio da mudança na Petrobras. Pires, um “lobista” do setor privado de petróleo e gás, conforme definiu o ex-presidente Lula em um evento com petroleiros no Rio de Janeiro, é a favor da atual política de preços da Petrobras. Mas também topa a criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis, projeto proposto por um senador do PT, Rogério Carvalho. Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, é contra. Embora a substituição na direção da estatal tenha se dado em um contexto de contestação da política de preços da Petrobras, há pistas de que outras motivações pesaram: negócios na área de gás natural que, tudo indica, são de interesse do Centrão de Arthur Lira e Ciro Nogueira, as cabeças por trás da escolha de Pires e de Landim.
Bolsonaro foi forçado a demitir Ribeiro. Braga Netto veste o figurino de vice. Nogueira expande sua influência na Petrobras – Imagem: Casa Civil/PR, Fernando Frazão/BR e Luis Fortes/MEC
Landim foi funcionário de carreira da Petrobras. No governo Fernando Henrique Cardoso, dirigiu a Gaspetro, que é da Petrobras, e o gasoduto Brasil-Bolívia. Com Lira e Nogueira por trás, o Congresso impôs ao governo, em 2021, a expansão do parque nacional de usinas térmicas a gás natural, mais poluidoras. Foi na votação da lei de privatização da Eletrobras. Os deputados incluíram no texto a obrigação de o governo garantir 6 mil megawatts de termelétricas distribuídos pelas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O Senado acrescentou outros 2 mil megawatts no Sudeste e, graças a uma incrível emenda oral de Nogueira, na época senador, não ministro, estabeleceu que o suprimento de gás para todo esse novo parque teria de ser com produto nacional.
Para que essa arquitetura saia do papel, provavelmente a Petrobras terá de entrar em campo e construir gasodutos, ao contrário do que queria Guedes. Pires apoia essa solução. Era consultor da Associação Brasileira das Distribuidoras de Gás Canalizado, a Abegás, e da Shell, multinacional que é sócia da Cosan, empresa dona da Comgás, distribuidora de gás natural. E Landim, apoia?
O cartola do Flamengo é réu desde novembro de 2021, acusado pelo Ministério Público Federal de gestão fraudulenta de grana de fundos de pensão estatais. A Operação Greenfield, responsável pelas investigações, foi informada pela Suíça do bloqueio de 15 milhões de dólares da conta de um empresário brasileiro, Carlos Suarez, o “S” da empreiteira OAS. Esse bloqueio se deu em razão da suspeita de lavagem de dinheiro. Um dos depósitos esquisitos feitos nessa conta saiu de uma outra, pertencente a Landim. Suarez é grande interessado na expansão do mercado de gás e usinas térmicas. Detém autorizações para construir gasodutos. Arrá! •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Óleo, Bíblia e propina “
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