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As justificativas para as constantes cobranças a países ricos no combate às mudanças climáticas

Em discurso na ONU, Lula cobrou justiça climática; estudos mostram a relação direta entre modelo econômico e crise climática, e que o aumento na produção de CO2 é generalizado

Foto: Lindsey Parnaby/AFP
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Na tribuna da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao abrir os trabalhos nesta terça-feira 19, fez um discurso em que culpou os países ricos pelo patamar atual da crise climática no mundo. “Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima”, disse Lula, alertando para o fato de que é urgente fazer uma “correção de rumos”.

Não é por acaso que tenha vindo do mandatário do Brasil, justamente, uma defesa para que acordos climáticos sejam, de fato, implementados: a diversidade ecológica no extenso território brasileiro, além da própria Amazônia, põem o Brasil no centro do debate sobre a questão climática. Discussão, aliás, que envolve poder de barganha e promessas – até o momento – não cumpridas. A ausência de ações políticas concretas contra a crise global já foi criticada por Lula e por outros líderes globais, em várias oportunidades.

Mais do que isso: estudiosos apontam, há décadas, que são as populações vulneráveis, especialmente as do Sul Global, que serão as mais afetadas pelas mudanças no clima. A correlação de forças, nesse aspecto, foi ressaltada por Lula no discurso da ONU, ao dizer que “os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera”.

Se “urgência” é uma palavra adequada para dar o contorno do estado atual da crise climática – com frequência cada vez maior, o mundo se vê diante de eventos extremos -,  estudiosos também reconhecem que nem todos os países lidam com a crise com a mesma pressa.

Países ricos x países pobres no combate e nos efeitos da crise climática

A história da crise climática pode ser contada pelos mesmos termos pelos quais se descreve a desigualdade no mundo. Em resumo, as temperaturas, de fato, estão aumentando no planeta, mas as consequências desse fenômeno – e de outros, como o derretimento das geleiras, por exemplo – afetam, sobremaneira, os países mais pobres.

A própria mudança climática aumenta o abismo entre os povos de diferentes nações. Segundo um estudo da Universidade de Stanford, publicado antes do início da pandemia de Covid-19 e que faz referência a um período de meio século (entre 1961 e 2010), a diferença entre os países mais pobres e os mais ricos é 25% maior maior do que seria se o mundo não vivesse o crescente aquecimento global.

Os Produtos Internos Brutos (PIBs) de países africanos tropicais – como Mauritânia e Níger, por exemplo – ficaram, ao longo do tempo, 40% menores do que seriam se não houvesse o aumento das temperaturas. O Brasil, no período, poderia ter tido um crescimento econômico 25% maior.

Por outro lado, 14 dos 19 países analisados – e que contribuíram com emissões que passaram de 300 toneladas de dióxido de carbono per capita  – tiveram um crescimento médio adicional de 13% do PIB. O motivo é relativamente simples: a agricultura e mesmo a produtividade no trabalho não foram afetadas pelos efeitos do aquecimento de maneira tão intensa como nos países pobres.

O quadro, que é baseado em mais de 20 modelos climáticos, não exclui o fato de que mesmo os países ricos estão sujeitos aos efeitos do clima. O que se pode entender é que, por questões estruturais, os países ricos podem retardar os efeitos maléficos da crise climática em uma proporção inviável para as nações mais pobres.

Em 2022, um outro estudo confirmou a hipótese – que ressoa, inclusive, no discurso de Lula – de que as nações ricas deveriam estar em uma posição de ressarcir os países pobres pelos efeitos da crise climática. A análise é do instituto Dartmouth, e, ao ser publicada na revista Climatic Change, revelou que só os Estados Unidos – o maior emissor de carbono ao longo do tempo – causou um dano climático estimado em mais 1,9 trilhão de dólares a todos os demais países, entre 1990 e 2014.

Na sequência, aparece a China (1,8 trilhão de dólares), Rússia (986 bilhões de dólares) e Índia (809 bilhões de dólares). Embora busque o seu papel de líder das demandas do Sul Global, o Brasil aparece na quarta posição no estudo, com 528 bilhões de dólares. Nesse marco, pode-se dizer que EUA e China causaram, somados, um terço dos danos climáticos globais.

O estudo embasou as discussões sobre o Acordo de Paris, que foi adotado em 2015. À época, os países desenvolvidos assumiram o compromisso de destinar 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, às nações vulneráveis, em razão dos efeitos das mudanças no clima. Até o momento, o acordo não saiu do papel, a despeito dos rotineiros alertas de agências especializadas sobre as consequências no médio e longo prazo.

Modelo econômico contribui para o aquecimento global

Um olhar mais amplo sobre o que se convencionou chamar de aquecimento global levaria o debate para o início da Revolução Industrial, que deu o pontapé para o formato de produção que o mundo conhece hoje: da indústria aos trabalhadores, dos modelos de exportação/importação à logística. De lá para cá, não é insensato dizer, segundo os estudos, que o crescimento econômico está diretamente relacionado ao aumento das emissões de carbono. É, portanto, uma questão de modelo econômico.

Em março deste ano, um relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostrou que, nos países ricos, o fator que mais contribui para a emissão de CO2 é a afluência. Ou seja, o alto nível de consumo. Basta observar, por exemplo, que países como China e Índia ampliam exponencialmente seus índices de emissão de CO2, à medida que suas economias se expandem em ritmo frenético. Vale destacar, nas últimas décadas, a saída de milhares de pessoas da pobreza na China, fazendo com que consumam mais e que a indústria produza mais.

O relatório revelou como as emissões de carbono vêm sendo distribuídas entre países ricos e em desenvolvimento, ao longo de mais de um século. 

Na segunda metade do século XIX, por exemplo, a média anual das emissões de carbono dos países ricos foi de 0,21 milhões de toneladas de carbono (GtC) por ano. Naquela altura, a média dos países em desenvolvimento ficou em 0,005 Ctc. Entre 1850 e 1900, os países ricos emitiam 40 vezes mais carbono do que as nações mais pobres.

Essa lógica foi mudando gradativamente. Na primeira metade do século XX, a diferença entre as emissões de carbono dos países ricos e pobres caiu para 7,8 vezes. Na segunda metade do século XX, as médias se aproximaram: 2,61 GtC para os países ricos, 1,72 GtC para as nações em desenvolvimento (diferença de 1,5).

Nas duas primeiras décadas do século XXI, os países em desenvolvimento superaram as médias de emissão de carbono dos países ricos. As nações mais ricas produziram, em média, 3,56 GtC ao ano, enquanto os países pobres atingiram uma média anual de 5,14 GtC.

Os quatro recortes temporais, embora mostrem a inversão nas diferenças, revela, também, que as médias de emissão de carbono cresceram de maneira generalizada, seja entre países ricos ou pobres.

Números, siglas e índices econômicos mostram, em um exemplar consenso científico, que a crise climática é o fenômeno da era presente. Argumento que sustenta a tese de que, ao lidar com a crise climática, será preciso superar o discurso e adotar, definitivamente, medidas práticas.

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