Opinião
Os BRICS podem (e devem) fazer mais pela agenda climática global
Os países-membros estão entre os maiores emissores globais de gases poluentes, mas decisões na Cúpula podem dar fôlego para os ‘compromissos verdes’
Entre 22 e 24 de agosto foi realizada, em Joanesburgo, a 15a Cúpula dos BRICS, coalizão até então formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Mesmo antes da expansão do grupo, que passará a ter Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos enquanto membros a partir de 2024, o bloco já reunia algumas das maiores potências econômicas, políticas e militares do mundo. Por isso, a solução para grande parte dos desafios globais, inclusive a guerra na Ucrânia e a crise climática, passa pelos BRICS.
Embora não tenha obtido consenso em assuntos como a questão ucraniana, para além da expressão do “apreço a propostas relevantes de mediação e resolução pacífica do conflito“, o encontro de chefes de Estado buscou dar fôlego a soluções em áreas de maior convergência, como a transição energética. Desde sua fundação, declarações conjuntas do BRICS têm enfatizado a importância do desenvolvimento sustentável. O grupo também possui uma série de projetos relevantes à pauta climática, como a Plataforma de Cooperação em Pesquisa Energética do BRICS, criada em 2018, e o plano de ação para cooperação energética até 2025, com ênfase em energias renováveis, biocombustíveis e transportes sustentáveis.
A Declaração final da Cúpula de Joanesburgo saúda “o fortalecimento da cooperação e os investimentos crescentes nas cadeias produtivas em direção a transições energéticas” e reconhece a necessidade de participação plena na cadeia global de energia limpa. Ainda assim, o caminho para que os BRICS alcancem a neutralidade climática é longo. Os países estão entre os maiores emissores globais de gases poluentes e acabam de admitir como membro a Arábia Saudita, segundo maior produtor de petróleo do mundo. Além disso, grande parte das trocas comerciais intrabloco, sobretudo entre China e Rússia, ainda gira em torno de combustíveis fósseis, notadamente petróleo e gás. Dentre os países do grupo, o Brasil possui a matriz energética mais limpa, com fontes fósseis compreendendo 54%. Em contraste, a África do Sul depende de fontes fósseis em 97% de sua matriz, a Rússia em 94%, a Índia em 92% e a China em 87%. Por outro lado, grande parte das exportações brasileiras para o bloco segue dominada por produtos com forte associação com o desmatamento, como a soja e a carne bovina.
Paralelamente, os BRICS convivem com elevados índices de pobreza e desigualdade, tornando essencial aprofundar a cooperação visando a transição para modelos econômicos mais verdes e, ao mesmo tempo, socialmente responsáveis. Um primeiro passo seria ampliar o papel que o Novo Banco de Desenvolvimento, hoje liderado pela ex-presidente Dilma Rousseff, pode desempenhar no impulso à transição ecológica e equitativa. Embora durante a sua passagem pela África do Sul o presidente Lula tenha declarado que o banco do BRICS “deve ser um líder global no financiamento de projetos que abordem os desafios mais urgentes de nosso tempo,” desde a sua criação a instituição concedeu somente 15 empréstimos para projetos em energia renovável e apenas cinco para infraestruturas sociais. Só três deles foram alocados ao Brasil, para projetos de transmissão energética, instalação de painéis solares e fortalecimento do sistema educacional de Teresina, no Piauí.
Os BRICS, produtores de um terço dos alimentos do mundo, também se comprometeram a fortalecer a cooperação em agricultura sustentável. Os países do bloco denunciaram o que consideram barreiras comerciais discriminatórias “impostas por certos países desenvolvidos sob o pretexto de combater as mudanças climáticas.” Mesmo antes da ida à África do Sul, onde o presidente Lula se opôs ao que classificou como “neocolonialismo verde“, o Brasil já havia demonstrado insatisfação com medidas tomadas por atores como a União Europeia, que aprovou lei que visa impedir a compra de produtos associados ao desmatamento e adotará uma taxa de carbono para importações de vários setores, incluindo aço, alumínio, cimento e fertilizantes.
Mesmo diante do temor de que tais medidas possam ser instrumentalizadas para impor distorções injustas ao comércio internacional, é fundamental que existam regras claras e mecanismos eficazes para livrar as cadeias produtivas de crimes ambientais e de violações aos direitos humanos. Por isso, os BRICS deveriam incentivar um arcabouço global, negociado multilateralmente, para estabelecer critérios e exigências socioambientais robustos e em conformidade com as regras do comércio internacional da Organização Mundial do Comércio.
Apesar do contexto geopolítico turbulento, os BRICS devem ampliar a sua ambição na implementação de medidas concretas de cooperação em direção à transição verde e justa em seus países, ao mesmo tempo em que reforçam a cobrança sobre as nações desenvolvidas para que honrem suas responsabilidades climáticas históricas.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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