Sociedade

Vinho proveniente de trabalho escravo não pode ser usado em missas, diz CNBB

Fundador da Educafro alerta, porém, que igrejas construídas com mão de obra escrava são tão ‘indesejáveis’ quanto o vinho

O secretário-geral da CNBB, Dom Joel Portella Amado. Marcelo Camargo/Agência Brasil.
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Após as denúncias de que as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton utilizavam funcionários submetidos a uma condição análoga à escravidão, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil emitiu uma nota a afirmar que vinhos produzidos por fabricantes que violem “o respeito à dignidade humana” não devem ser escolhidos para uso nas igrejas do País.

“No Brasil existem diversas vinícolas que oferecem vinho canônico. Desse modo, é recomendável que se busquem, para a celebração da missa, vinhos de proveniência sobre os quais não existam dúvidas a respeito dos critérios éticos na sua produção”, afirma a CNBB.

O uso de vinho é comum nos rituais da Igreja Católica. Segundo a nota, assinada por Dom Joel Portella Amado, secretário-geral da CNBB, “a Igreja tem a responsabilidade de zelar pelo tipo de vinho utilizado nas celebrações das missas”.

Entidade cobra postura mais incisiva

Apesar da manifestação da CNBB, há cobranças por ações mais concretas da Igreja. Uma delas partiu do Frei David Santos, teólogo, ativista e fundador da organização não-governamental Educafro, que atua na defesa dos direitos da população negra, especialmente no campo da educação.

Em entrevista ao portal Crux, especializado na cobertura da Igreja Católica, David Santos parabenizou a CNBB pela decisão “madura”, mas afirmou ser necessária a adoção de outras medidas. Segundo ele, a nota foi particularmente motivada por questionamentos que a Educafro apresentou à entidade.

“Nós tememos pela validade de uma missa celebrada com vinho sacramental produzido por trabalho escravo”, afirmou David Santos. “Por isso, questionamos a CNBB.”

Para ele, é necessário que a Igreja revisite sua história de colaboração com a escravidão no Brasil, para que possa tomar atitudes concretas em relação à população afro-brasileira. Ele cita como exemplo o fato de que as missas são celebradas em igrejas que, antigamente, foram construídas por escravos. O processo colonial brasileiro envolveu a participação da Igreja Católica e o País só aboliu a escravidão em 1888. 

Para o fundador da Educafro, as igrejas construídas por escravos devem ser consideradas tão indesejáveis quanto o uso de vinho produzido com mão de obra escrava. “Os trabalhadores escravos que produzem o vinho sacramental hoje são os mesmos que construíram igrejas no passado”, pontuou. Ele cita, ainda, o ouro extraído por escravos que ornamenta igrejas no Brasil.

Ação contra Sandro Fantiel

No último dia 28, o vereador de Caxias do Sul Sandro Fantiel, ao tratar do caso de Bento Gonçalves na Câmara dos Vereadores, proferiu declarações xenofóbicas contras os nordestinos submetidos ao trabalho análogo à escravidão nas vinícolas. O Ministério Público abriu investigação contra o vereador, que foi expulso de seu partido, o Patriotas.

Marlon Reis, advogado da Educafro, afirmou que a organização, ao lado de outros três representantes do movimento negro, processará Fantiel por danos morais coletivos.

“A compensação financeira a ser paga por ele será usada para financiar organizações de igualdade racial”, disse Reis. Para ele, “já é hora de a Igreja Católica ser mais transparente sobre o seu papel histórico na escravidão no Brasil”.

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