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Gilead é aqui

A obsessão religiosa, o moralismo cínico e o oportunismo eleitoral unem-se no ataque aos direitos básicos femininos

O constrangimento da menina catarinense provocou protestos - Imagem: Bruno Santos/Folhapress
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Alívio. Esta foi a sensação de Rebeca Mendes, 35 anos, ao concluir um procedimento de aborto seguro. O ano era 2017. Rebeca descobriu a gravidez dias antes de ficar desempregada. Estava na metade do curso de Direito, graças a uma bolsa do ProUni, e sabia que o sonho de se tornar advogada iria por água abaixo caso levasse a gestação adiante. Pior, a estudante, mãe de outras duas crianças, não tinha como sustentar mais um filho. Rebeca recorreu ao Supremo Tribunal Federal em busca de uma autorização para interromper a gravidez indesejada, embora sua situação não se enquadrasse nos casos de aborto previsto em lei: risco de vida para mãe, gravidez decorrente de estupro ou anencefalia do feto. O STF rejeitou o pedido, mas ela não desistiu. Com o apoio de uma ONG, viajou até a Colômbia, país no qual, à época, o procedimento era garantido a mulheres que sofressem riscos físicos e mentais em decorrência da gravidez. “Foi apavorante saber que estava grávida. Já tinha dois filhos, mãe solo, não tinha condições de arcar com mais uma criança. Comecei a pesquisar para fazer o aborto, pensei em comprar medicamentos, morria de medo de ir a uma clínica qualquer”, relata. “No dia 5 de dezembro, embarquei para a Colômbia e, no dia 7, interrompi a gestação. Foi surpreendente. Quando terminou, eu disse: É isso? Acabou? Todo meu sofrimento em meia hora terminou? O que senti ali foi um grande alívio por ter encerrado aquela situação. E se hoje sou advogada e posso dar uma condição melhor para meus filhos é graças a essa oportunidade. Se tivesse levado a gestação adiante, não teria acontecido.”

A partir de sua experiência pessoal, Rebeca Mendes abraçou a causa do aborto legal e, em 2020, criou o projeto Vivas, que leva mulheres a países onde o procedimento não é crime, entre eles Colômbia e Argentina. “Se eu for olhar o todo, é muito pouco, mas, quando a gente muda a história de uma mulher, muda também o mundo dela”, afirma, antes de lamentar a dificuldade no Brasil para o abortamento, inclusive nos casos previstos em lei. A dificuldade citada pela advogada materializou-se no recente caso, em Santa Catarina, de uma menina de 10 anos que engravidou após sofrer estupro. A menor teve o direito ao aborto negado pelo hospital e, em seguida, pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, que, não bastasse o drama da vítima, submeteu a requerente a constrangimentos durante a audiência. Uma tripla violência, duas delas praticadas pelo Estado que deveria proteger a garota.

“Estamos diante de um fanatismo de perseguição às mulheres”, diz a antropóloga Débora Diniz

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