Justiça

A cada quatro horas, uma pessoa negra foi morta pela polícia em 2022

Dados da Rede de Observatórios da Segurança mostram que negros foram 87% das 3.171 vítimas de agentes policiais, em oito estados do Brasil

Morticínio. Em 2022, foram registradas 1.464 mortes decorrentes de intervenção policial na Bahia, o maior número do País – Imagem: iStockphoto
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Em maio de 2022, o Rio de Janeiro foi alvo de uma das chacinas mais letais da história do estado, a da Vila Cruzeiro, que deixou ao menos 26 mortos. 

Longe de ser um caso isolado, o episódio cruel é um retrato do resultado de operações policiais no Brasil – que, em tese, tem como alvo o crime organizado, mas, na realidade, não erram a mira nos corpos negros. 

Em 2022, das 3.171 pessoas que morreram em intercorrências policiais, 87% eram negrosIsto significa dizer que, a cada quatro horas, uma pessoa negra morreu em decorrência de intervenção policial. 

A porcentagem de pessoas negras mortas durante intervenções leva em consideração apenas os boletins de ocorrência com registro de raça. Entre os registros totais, um a cada quatro não continham a informação sobre a cor/raça das vítimas. 

Os dados são do monitoramento feito pela Rede de Observatórios da Segurança, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), divulgado nesta quinta-feira 16. 

A organização tomou como dados das secretarias estaduais de segurança pública de oito estados: Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Pará, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. 

Pela primeira vez, Bahia supera o Rio em letalidade

Em todos os estados, jovens entre 18 a 29 anos estão entre as principais vítimas.

No levantamento deste ano, pela primeira vez, a Bahia ultrapassou o índice de mortalidade em operações do Rio. Com isso, o estado com a maior quantidade de população negra tem a corporação mais letal do País.

De 2015 a 2022, as mortes registradas como decorrentes de violência policial baiana cresceram 300%.

Somente em 2022, ao todo foram 1.465 vítimas — ao qual, 94,76% eram pretos ou pardos — e 74% com idade entre 18 e 29 anos.

O recorde na escalada de violência é consequência do histórico letal e de programas policialescos das corporações na Bahia. 

Apenas no mês de setembro deste ano, o estado contabilizou 72 pessoas mortas em ações policiais, segundo mostram os dados do Fogo Cruzado.

“Trata-se de uma leitura estigmatizante dos territórios negros e explica as mortes a partir da presença massiva de traficantes de drogas”, aponta a doutora em Direito e professora da Universidade Federal da Bahia, Ana Flauzino. 

“É uma história para justificar os homicídios praticados pela polícia como o resultado de um esforço das elites de civilizar esses territórios, nunca o reflexo de uma política de Estado que usa o contingente policial como meio de impor o terror e perpetuar a desigualdade”, complementa.  

Se somadas as mortes ocasionadas pela PM na Bahia e no Rio, os estados foram responsáveis por 66,23% do total dos óbitos no País, em 2022. 

A polícia do Rio de Janeiro matou 1.042 pessoas negras naquele ano, o que significa 86,98% das mortes em intervenção no estado. 

Assim como o estado baiano, o Rio também vive um drama complexo que envolve a guerra às drogas, somadas com a ação da polícia e o aumento da violência entre as organizações criminosas, como facções e milícias, para coibir a atuação dos agentes. 

O resultado, no fim das contas, é a morte de pessoas que nada ou pouco tinham a ver com a dinâmica do crime na região. 

O que falta ao poder público

Com a escalada dos casos extremos de violência neste ano, o governo Lula (PT) tem apostado em programas nacionais para o enfrentamento ao crime organizado.

Como o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) que prevê investimento de 900 milhões de reais para integração das polícias, equipamentos e reforços para inteligência nas investigações das corporações.

Para a pesquisadora Juliana Borges, os novos rumos deveriam passar, sobretudo, por uma “reforma nas corporações policiais”.

“Ao analisarmos os números da segurança pública, fica evidente que somos ‘a pele alvo’, os corpos a serem controlados, detidos e exterminados pelas políticas e forças de segurança. Nunca é ruim repetir que temos a polícia que mais mata e mais morre no mundo”, afirma Borges, também oordenadora de advocacy da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. 

Na contramão, o estado de São Paulo ficou entre os menores índices de letalidade policial, após a implementação das câmeras corporais nas fardas. Ao todo foram 419 mortos, mas destes 63,90% eram negros. 

Apesar de ter alcançado esse número, a capital paulista neste ano, segue um caminho inverso. Na atual gestão, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o corte no programa de câmeras foi cotado em mais de 15 milhões de reais, o governador também informou que não pretende mais comprar os equipamentos.

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