Saúde

Brasil chega a 200 mil mortes por Covid em meio a negacionismo e inércia

O cenário é marcado pela falta de um plano claro do governo para a vacinação e temores em relação à nova cepa do vírus

Eduardo Pazuello e Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Nesta quinta-feira 7 – trezentos e um dias após o registro da primeira morte – o Brasil ultrapassa a marca de 200 mil óbitos por Covid-19. E, apesar de conviver já há dez meses com o implacável avanço da doença, está longe de controlá-la.

Segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o total de óbitos registrados é de 200.498. Os casos confirmados são 7.961.673.

Essa terrível barreira foi quebrada em meio à politicagem em torno das vacinas. E é marcada pela falta de um plano claro do governo federal para iniciar o processo de imunização. Até mesmo a compra de insumos básicos, como seringas e agulhas, dá sinais de fracasso.

Na quarta-feira 6, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão para garantir que a pasta está preparada “em termos financeiros, organizacionais e logísticos” para executar o Plano Nacional de Imunização. Não apresentou, contudo, uma data para o início da vacinação, que já acontece em mais de 50 países.

A CartaCapital, o médico e escritor Drauzio Varella criticou a falta de planejamento do governo de Jair Bolsonaro.

“Nós estamos chegando na hora de vacinar e agora que a gente descobriu que nós não tínhamos seringas e agulhas? Olha o ponto que chegamos. E ainda temos todas as fichas do governo federal na vacina da AstraZeneca, que eu acho uma boa vacina, um imunizante que tem a chance de ajudar muito, mas vai ser insuficiente. Nós não poderíamos ter, a essa hora, uma briga do presidente da República com o governador de São Paulo. Então, se você me perguntar se vai correr bem o programa de imunização, eu não tenho a menor ideia, porque não dá pra confiar no Ministério da Saúde”, analisa.

Segundo o deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP), Bolsonaro “não aproveitou o reconhecimento internacional que as instituições brasileiras têm de fazer um plano de vacinação”.

“O Brasil está na rabeira. Enquanto vários países da América do Sul já vacinaram milhões de pessoas, o Brasil sequer começou a vacinar seus profissionais de saúde, sendo que tem condições para isso”, criticou.

O grande embate entre Bolsonaro e o governador paulista João Doria (PSDB) se dá em torno da Coronavac, vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac. A paternidade do imunizante é um trunfo político do tucano, potencial candidato à Presidência em 2022.

Nesta quarta, o governo de São Paulo anunciou que a Coronavac teve uma eficácia de 78% na prevenção de casos leves da Covid-19, segundo estudos finais realizados no Brasil. A vacina ofereceu ainda proteção total, de 100%, contra mortes, casos graves e internações aos voluntários vacinados que foram infectados.

Conforme declarou Dimas Tadeu Covas, presidente do Butantan, em coletiva, a pesquisa contou com 218 casos de Covid-19 no estudo: 160 receberam placebo e 58, as vacinas.

A disputa entre Doria e Bolsonaro em torno da Coronavac vem se arrastando por meses. Em 20 de outubro, Eduardo Pazuello anunciou, em reunião com governadores, a compra de 46 milhões de doses do imunizante pelo governo federal. Um dia depois, entretanto, o presidente desautorizou o ministro e declarou que o Brasil não compraria a “vacina da China”. Horas após o anúncio do Butantan, Pazuello veio a público mais uma vez. Segundo ele, o Ministério da Saúde está ‘comprando há meses’ a Coronavac e prometeu incorporar todas as doses produzidas pelo Butantan ao Programa Nacional de Imunização contra a Covid-19.

“Não sou coveiro, tá ok?”

Ao falar da China, Bolsonaro deu mais um passo no longo caminho de negação dos efeitos da pandemia. O ano de 2020 foi marcado pela tentativa do presidente de minimizar a doença que, até esta quinta-feira 7, matou quase 1,9 milhão de pessoas no mundo, segundo monitoramento da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.

Em declarações que rodaram o mundo, o presidente se referiu à Covid-19 como “gripezinha” e “histeria” – e ao coronavírus como “uma chuva que vem e você vai se molhar, mas não vai morrer afogado”.

Ele também defendeu o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, tentou evitar a adoção de medidas de restrição da circulação, lançou dúvidas sobre as vacinas em geral e disse que o Brasil tem de “deixar de ser um País de maricas”.

Em 20 de abril, dia em que o Brasil registrou 300 mortes por Covid-19, Bolsonaro rebateu um jornalista dizendo não ser “coveiro”. Oito dias depois, quando o País ultrapassou a marca de cinco mil óbitos pela doença, o presidente disse a um repórter: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.

Para José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, a atuação do governo Bolsonaro na pandemia é marcada pela negação da ciência e pelo desprezo à saúde pública.

“A União abriu mão do seu papel de coordenar a estratégia nacional de enfrentamento ao coronavírus. Bolsonaro criou uma falsa dicotomia entre saúde e economia, e o resultado é esse saldo de 200 mil mortos”, lamenta, em entrevista à mais recente edição impressa de CartaCapital.

“Agora, vivemos um momento de déjà vu. Repare o absurdo: temos o melhor programa de imunização do mundo. As campanhas contra a poliomielite são capazes de vacinar dez milhões de crianças por dia. Em 2010, imunizamos mais de oitenta milhões de brasileiros contra o H1N1 em apenas três meses. Em tese, temos todas as condições de garantir a proteção da população contra o coronavírus em um prazo relativamente curto, mas o governo sequer foi capaz de definir quando começará a vacinação. É um descaso total”, acrescenta.

Em paralelo à expectativa pelo início da vacinação, o Brasil sofre com a chamada segunda onda da Covid-19. A média móvel de mortes nos últimos sete dias, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, é de 683. Há um mês, em 7 de dezembro, era de 600. Há dois meses, era de 341.

Nova cepa é mais um alerta para 2021

O País ainda convive com o preocupação sobre uma variante do coronavírus potencialmente mais transmissível, embora não necessariamente mais letal, segundo estudos.

Essa nova cepa, identificada no Reino Unido, já infectou ao menos duas pessoas no Brasil, ambas em São Paulo. Os casos foram confirmados pelo governo paulista na última segunda-feira 4.

De acordo com Otavio Ranzani, médico epidemiologista e intensivista da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, o avanço da nova variante pode tornar necessárias medidas de distanciamento social mais restritivas.

“Nos grandes centros – em São Paulo, por exemplo – o cenário pode ficar ainda mais catastrófico mais rapidamente. Na África do Sul, no Reino Unido e na Irlanda, essa subida tem sido mais que exponencial. Pode ser que, em breve, seja necessário [adotar mais medidas restritivas]. Mas pode ser que seja tarde, se a maioria [dos novos casos] for da nova variante”, aponta o especialista.

“O problema é que, no Brasil, não há esse tipo de vigilância por variante. Fica difícil saber se ela já está tomando conta dos casos ou não”, finaliza.

Pesquisadores das faculdades de Medicina e de Odontologia da Universidade de São Paulo identificaram um dos fatores que tornam essa variante mais infecciosa. Os especialistas apontaram que a proteína spike dessa nova cepa tem maior força de interação molecular com o receptor ACE2, presente na superfície das células dos seres humanos. É com esse receptor que o coronavírus “se liga” para infectar uma pessoa.

No fim de dezembro, um estudo da London School de Higiene e Medicina Tropical, do Reino Unido, concluiu, com base em dados preliminares, que a nova cepa pode ser “50 a 74% mais transmissível”. O estudo ainda deve ser publicado em revista científica e analisado por pares.

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