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Santo forte

Candidatos do campo progressista aos governos estaduais apostam todas as fichas na vitória de Lula no primeiro turno, para contar com o poderoso padrinho na etapa final

Haddad lidera, mas não abre mão do cabo eleitoral. - Imagem: Diogo Zacarias/Haddad 2022
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As vésperas da eleição, o Brasil aguarda ansioso para saber se Lula será eleito presidente ainda no primeiro turno. A expectativa é grande em toda a classe política, mas os candidatos do campo progressista aos governos estaduais vivem ansiedade redobrada, uma vez que a eventual vitória do petista no próximo domingo fará com que sua presença na campanha do segundo turno seja capaz de mover montanhas. Na avaliação de especialistas consultados por CartaCapital, o “fator Lula” poderá ser determinante em alguns dos maiores colégios eleitorais do País.

Tanto para candidatos que aparecem em primeiro lugar nas pesquisas – casos de Fernando Haddad em São Paulo e ­Elmano de Freitas no Ceará – quanto para aqueles que apostam em uma virada – Marcelo Freixo no Rio de Janeiro e Jerônimo Rodrigues na Bahia – a presença física do “presidente Lula” nas ruas e palanques do segundo turno é encarada como fundamental para deflagrar arrancadas e reverter rejeições. A possível vitória do petista no primeiro turno trará também esperança a candidatos que aparecem bem atrás de seus adversários, casos de Alexandre Kalil em Minas Gerais e Danilo Cabral em Pernambuco. “A presença de Lula será um fator decisivo e uma referência de liderança que pode impulsionar candidaturas. Se ele se sagrar vencedor já no primeiro turno, isso vai desequilibrar o jogo”, avalia a cientista política Priscila Lapa, da UFPE.

Cientista político da FGV de São Paulo e colunista do site de CartaCapital, Cláudio Couto prevê que, se eleito no primeiro turno, Lula terá de se desdobrar nas semanas seguintes: “Ele também estará envolvido nas negociações de transição de governo. E, com Bolsonaro muito provavelmente sabotando esse processo, não vai ser uma parada fácil. De toda forma, é importante para Lula ter candidatos fortes nos estados”, diz. Couto aponta Rio e Bahia como dois estados onde a presença de Lula no segundo turno “pode ser decisiva” para a vitória dos candidatos apoiados por ele. Coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública da Uerj, João Feres Jr. acrescenta que uma vitória do petista no primeiro turno das eleições presidenciais “será fundamental não somente para os candidatos aos governos estaduais que chegarem em segundo lugar, mas também para os que chegarem em primeiro, como no caso do Haddad”.

Em São Paulo, Garcia é um adversário mais difícil para Haddad. Por ser o candidato bolsonarista, Tarcísio sofre rejeição maior

Em São Paulo, pesquisa Ipec divulgada na terça-feira 27 mostra o ex-prefeito da capital e candidato do PT com 34% das intenções de voto, seguido pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas, do Republicanos (24%), e pelo governador Rodrigo Garcia, do PSDB (19%). A sondagem apontou estabilidade para Haddad e crescimento dos dois adversários, o que confirma o provável segundo turno. A questão é saber quem será o adversário do petista e como isso influenciará no resultado final. Couto avalia como “difícil” o quadro em São Paulo. “Garcia é um adversário muito mais complicado para Haddad. Por ser o candidato bolsonarista, Tarcísio sofre muito mais rejeição”, diz. Para o especialista, se o governador tiver a direita ao seu lado e avançar ao centro será um candidato competitivo: “Para Haddad seria mais fácil ganhar esse eleitor de centro contra o candidato bolsonarista”. Segundo o Ipec, no segundo turno Haddad venceria Tarcísio por 44% a 37%. Já contra Garcia o placar é de 41% a 38% a favor do petista, dentro da margem de erro.

Na avaliação do cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, a presença de Lula no segundo turno será fundamental para conter uma possível virada do candidato tucano no segundo turno. “O Ipec indica que Garcia poderia vencer Haddad no segundo turno. Seria, sem dúvida, um candidato mais competitivo do que Tarcísio. Acredito que, por estar no governo, deter o controle da máquina e ter o apoio de muitos prefeitos, ele teria um leve favoritismo no segundo turno”, diz. Já Feres Jr. analisa a questão sob o prisma do “clássico espectro ideológico” que envolve qualquer eleição: “Tarcísio está na extrema-direita, Garcia na centro-direita e Haddad na centro-esquerda. Para os eleitores que estão vindo da extrema-direita é muito mais fácil parar na centro-direita do que na centro-esquerda. Já os eleitores de Garcia tendem a se dividir no segundo turno”.

No Rio, a pesquisa Ipec divulgada na terça 27 trouxe o governador bolsonarista Cláudio Castro, do PL, em primeiro lugar com 38% das intenções de voto, à frente de Marcelo Freixo, do PSB, que tem 25%. Os dois deverão se enfrentar no segundo turno e a presença de Lula será fundamental para reverter a resistência que o candidato da esquerda enfrenta no eleitorado do interior. O Ipec aponta vantagem de 10 pontos de Castro (44%) sobre Freixo (34%) na simulação de segundo turno: “Hoje, Lula não pode abrir mão das dezenas de políticos que defendem a dobradinha ‘Castro-Lula’ no interior. Mas, se já tiver vencido no primeiro turno, poderá apoiar Freixo mais decisivamente”, diz um dirigente do PT.

No Ipec de 23 de setembro, ACM Neto está na dianteira, mas outras pesquisas recentes apontam para uma virada do petista Jerônimo – Imagem: Redes sociais

A esperança da virada foi renovada até mesmo em quem não pode sequer chegar ao segundo turno, caso de Alexandre ­Kalil em Minas. Também na terça 27, o Ipec mostrou o candidato do PSD, que tem o apoio de Lula, com 29% das intenções de voto, ainda bem atrás do governador Romeu Zema, do Novo, que aparece com 45%. A boa notícia, no entanto, é que Zema vem caindo lenta e gradualmente e Kalil cresceu 6 pontos em uma semana. A aposta na campanha do PSD é colar em Lula, se houver mesmo segundo turno: “Lula tem potencial maior do que qualquer um dos candidatos a governador e será um cabo eleitoral importantíssimo. Se há muita gente que não vota de jeito nenhum no candidato do Lula, há mais gente ainda que fará questão de votar no candidato dele”, observa Feres Jr.

Lula pode ser decisivo também na Bahia. Na pesquisa Ipec divulgada em 23 de setembro, Jerônimo Rodrigues, do PT, aparece em segundo lugar com 32% das intenções de voto, em uma tendência de acelerado crescimento que contrasta com a queda registrada na reta final de campanha por ACM Neto, do União Brasil, que aparece em primeiro com 47% e ainda pode vencer no primeiro turno. Pesquisas mais recentes publicadas por outros institutos, no entanto, já mostram Rodrigues à frente de ACM, fato comemorado pelo governador petista Rui Costa, outro importante cabo eleitoral: “Jerônimo terá 53% dos votos válidos no domingo. Anote esse dado”, disse. Indagado de onde vinha tanta confiança, Costa respondeu com outra aposta: “Na Bahia, Lula terá acima de 70% dos votos válidos”.

“Jerônimo terá 53% dos votos válidos no domingo. Anote esse dado”, aposta o governador baiano Rui Costa, do PT

Em outros dois estados no Nordeste, o cenário projetado para o segundo turno e a importância do “fator Lula” ganham um ingrediente a mais, uma vez que as disputas locais estão provocando movimentos tectônicos nas respectivas lideranças regionais. No Ceará, a pesquisa Ipec divulgada em 22 de setembro traz uma situação de raro equilíbrio entre três candidatos, com Elmano de Freitas, do PT, na liderança com 30% das intenções de voto, seguido pelo candidato bolsonarista Capitão Wagner, da UB (29%), e por Roberto Cláudio, do PDT (22%), apoiado por Ciro Gomes. Como pano de fundo da disputa eleitoral há um racha político na família do candidato a presidente, uma vez seus irmãos – o ex-governador Cid Gomes e o ex-prefeito de Sobral Ivo Gomes – apoiam o candidato do PT. “A facada ainda está doendo muito aqui. A ferida está aberta, está sangrando neste momento. Dói pra valer”, lamentou Ciro, em recente entrevista ao Jornal da Record. Segundo ele, as divergências familiares o afastaram da campanha no Ceará, o seu berço político.

“Se Elmano e Wagner chegarem ao segundo turno, o PDT tenderá a caminhar em direção ao candidato do PT. Não acredito que Ciro vá interferir contra essa possível aliança. Com a presença física do próprio Lula, há maior possibilidade de ­Wagner ser derrotado no segundo turno”, avalia Ismael, da PUC-Rio. Feres Jr., por sua vez, não descarta a possibilidade de um afastamento entre Ciro e o PDT: “Ele é candidato, mas na verdade é um inquilino do partido. Sacrificou muito os recursos do PDT em nome de sua própria pretensão de ser presidente da República. A partir do momento em que Ciro for carta fora do baralho, acho que a burocracia partidária falará mais alto. Faz muito mais sentido fechar acordo com Lula”. Couto acrescenta: “Pode haver uma recomposição importante para governar o Ceará. O risco maior é o Ciro se isolar cada vez mais”.

O racha em um clã tradicional da política, a reunir as famílias Arraes e Campos, também marca a disputa eleitoral em Pernambuco. Líder na pesquisa Ipec divulgada em 22 de setembro, Marília ­Arraes, do Solidariedade, tem 34% das intenções de voto. Atrás dela, um quádruplo empate, dentro da margem de erro, entre Raquel Lyra, do PSDB (15%), Danilo Cabral, do PSB (13%), Miguel Coelho, do UB (13%) e Anderson Ferreira, do PL (11%). Candidato escolhido pela família do ex-governador Eduardo Campos, Cabral disputará com Marília o apoio de Lula em um eventual segundo turno, embora o PT apoie oficialmente o PSB.

Líder isolada, Marília Arraes aguarda a confirmação do adversário que enfrentará no segundo turno – Imagem: Tiago Calazans/Marília Arraes 2022

“Esse racha se acentuará, caso o segundo turno ocorra entre Marília e Danilo. A tendência de que Marília se consolide como liderança no estado, ela ganhe ou não a eleição, coloca em risco a proeminência da família Campos como sendo a portadora legítima da herança de Miguel Arraes. Na verdade, é como se fosse uma retomada da liderança de Arraes pelas mãos de quem é mais do núcleo Arraes do que do núcleo Campos”, diz Priscila Lapa. Ela avalia que o Brasil vive uma disputa entre o bolsonarismo e o lulismo, e a vitória de uma dessas figuras no primeiro turno fortalecerá um desses movimentos. “A vitória de Lula no primeiro turno consolida que o lulismo se tornou maior do que o antipetismo. É disso que a eleição trata.”

Nos estados do Sul, onde Bolsonaro tem maior apoio entre os eleitores, a expectativa dos candidatos progressistas ao governo é de que o movimento pelo voto útil e o crescimento de Lula registrados na reta final de campanha os levem a reverter uma situação desfavorável e chegar ao segundo turno que hoje parece distante. No Rio Grande do Sul, maior colégio eleitoral da região, a pesquisa Ipec divulgada na segunda 26 mostra o ex-governador tucano Eduardo Leite à frente, com 38% das intenções de voto. Em segundo aparece Onyx Lorenzoni, do PL, com 25%. Apoiado por Lula, o candidato do PT, Edegar Pretto, está em terceiro com 15%.

Em Santa Catarina, estado que dá a Bolsonaro a maior vantagem sobre Lula (50% a 25%), há empate em 20% entre o governador Carlos Moisés, do Republicanos, e Jorginho Mello, do PL, ambos declaradamente bolsonaristas. Décio Lima, do PT, está em quinto lugar, 10 pontos atrás dos líderes. Já no Paraná, a força do neopetista e ex-governador Roberto Requião até aqui não vem sendo suficiente para evitar a vitória do governador Ratinho Júnior no primeiro turno. Segundo pesquisa Ipec de 16 de setembro, o candidato do PSD, apoiado por Bolsonaro, mas que abandonou o presidente durante a campanha, lidera com 55% das intenções de voto. Requião aparece em segundo lugar com 28%. “Se chegarmos ao segundo turno com Lula presidente, ainda dá para virar”, aposta. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1228 DE CARTACAPITAL, EM 5 DE OUTUBRO DE 2022.

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