Política

Por que, sem fazer força, Romário está na cara do gol para a reeleição

Diante da pulverização, a ordem unida à esquerda e à direita é atacá-lo. O ex-jogador, por sua vez, se coloca candidamente ao lado de Bolsonaro

O senador Romário. Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
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Chamado de “gênio da grande área” pelo lendário jogador e treinador holandês Johan Cruyff, o craque brasileiro Romário sempre teve a habilidade de saber o exato posicionamento em campo, surpreendendo zagueiros e pondo a bola nas redes.

Na política, não é diferente. Romário estreou nos gramados de Brasília,, em 2010, pelo lado esquerdo, acumulando mandatos como deputado federal e senador pelo PSB. Aos poucos, adaptou seu jogo e agora atua confortável pela direita – está no mesmo PL de Jair Bolsonaro e Cláudio Castro. Ao longo destes doze anos, o Baixinho aprendeu a jogar parado, um atributo de jogadores e políticos veteranos. É é assim que, segundos as pesquisas de opinião, ele está na cara do gol para conquistar novo mandato no Senado, apesar da forte “marcação” tanto dos candidatos de esquerda quanto das tropas bolsonaristas.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada na quinta 29, Romário tem 37% das intenções de voto válidas, seguido por Alessandro Molon (PSB) com 18%, Clarissa Garotinho (UB) com 16%, André Ceciliano (PT) com 10%, Daniel Silveira (PTB) com 10% e Cabo Daciolo (PDT) com 7%.

Diante da pulverização, a ordem unida à esquerda e à direita é atacá-lo. De um lado, Silveira e Clarissa jogam pesado nas redes sociais para “alertar” os eleitores conservadores sobre a inconfiabilidade do atual senador. De outro, Ceciliano e Molon, em meio a sua própria disputa fratricida, pedem o voto contra Romário para “derrotar o bolsonarismo no Rio”.

A propaganda da candidata do União Brasil é mais dirigida ao setor evangélico e afirma que Romário “gosta da noite”, “passou os últimos oito anos jogando bola” e “não é comprometido com os valores da família cristã”. Já Silveira mira o “bolsonarismo raiz” e afirma que o adversário “não fez nada em oito anos como senador”. Nas redes, o candidato do PTB, que prega a fantasiosa versão da vitória de Bolsonaro no primeiro turno, diz que Romário, se for reconduzido ao Senado, “vai votar contra o governo e trair o presidente”.

Nas últimas horas, como última e desesperada tentativa de deter o Baixinho, circulam nas redes da extrema-direita até mesmo textos apócrifos que admitem o fracasso de Bolsonaro e afirmam que o senador já teria acertado “pular para o lado do Lula” após as eleições.

Os ataques a Romário são aprovados de forma tácita pelo clã Bolsonaro. Prova disso é a afirmação, feita pelo presidente faltando dez dias para o pleito, de que “mais tarde a gente define um nome para o Senado no Rio”. Até o fechamento desta matéria, Bolsonaro, que tem preferência pessoal por Silveira, não se manifestou. A falta de carinho do chefe contrasta com a maneira quase cândida com que Romário se coloca no campo bolsonarista: “Bolsonaro sabe que, na hora do jogo, estarei ao lado dele. Desde o primeiro dia de campanha, distribuí material com o nome do Bolsonaro”, diz. E acrescenta: “Como senador votei com o governo em 92% das pautas”.

Nas últimas semanas de campanha, Romário e Bolsonaro só estiveram lado a lado na noite do feriado de Sete de Setembro quando, após o comício travestido de ato cívico realizado em Copacabana, o presidente foi assistir ao jogo do Flamengo no Maracanã. Já com o governador Castro, também candidato à reeleição, o senador tem feito nas ruas uma dupla que, nas palavras de um assessor mais empolgado, “lembra a dobradinha com Bebeto na Copa de 94”. Ao lado de Castro em atividades marcadas para locais de grande concentração popular como o Mercadão de Madureira, a Zona Oeste e a Baixada Fluminense, Romário é invariavelmente ovacionado pela população quando aparece para falar no alto do carro de som. A estratégia de Castro acabou sendo boa para o ex-jogador, que até então vinha fazendo campanha na base de “jogos beneficentes” e churrascos nas cidades do interior.

Pelo lado da esquerda, a tentativa na reta final é usar contra Romário seu desempenho para lá de discreto no Senado e também sua obscura relação com o Orçamento Secreto. Embora o Portal da Transparência elenque emendas do senador que somam R$ 100 milhões, ele afirma em sua propaganda no rádio e na tevê ter “destinado mais de R$ 400 milhões ao estado”. Indagada, a assessoria de imprensa do governador diz que “a discrepância pode se dar por conta das emendas do relator”. O gabinete de Romário, no entanto, não divulgou quais seriam as emendas aprovadas por ele e sua destinação por tratar-se de “documentos de trabalho interno”.

Outro flanco do ex-jogador a ser atacado é o patrimônio fake declarado ao Supremo Tribunal Federal e já questionado pela Justiça. Inicialmente, Romário declarou um patrimônio pessoal de apenas R$ 684 mil. Após a celeuma criada pelo anúncio da quantia – risível para alguém que há tantos anos é famoso e bem sucedido – o senador afirmou que sua contabilidade havia “cometido um erro” e acrescentou créditos que somam R$ 5,2 milhões, o que elevou seu patrimônio a R$ 5,7 milhões.

Ainda assim, foram omitidas da declaração enviada ao STF uma casa na Barra da Tijuca e uma Ferrari F430 que juntas somam R$ 6,7 milhões. O senador vive na luxuosa casa, avaliada em R$ 5,8 milhões, desde 2016, mas esta continua em nome da advogada Adriana Sorrentino que, segundo a Justiça, vendeu o imóvel a Romário. Já o automóvel, largamente utilizado pelo ex-jogador para se deslocar pelo Rio e avaliado em R$ 900 mil, está em nome de uma de suas ex-mulheres, Isabella Bittencourt.

Cientista político e professor da UFRJ, Luiz Eduardo Motta afirma que “se formos confrontar Romário com seus adversários, sua popularidade está em um nível que nenhum dos demais jamais atingiu”. O fato, por si só, já seria suficiente para explicar sua liderança nas pesquisas. Além disso, diz o especialista, os outros candidatos ao Senado têm apelo mais localizado: “Clarissa no norte do estado, Silveira na região metropolitana, Ceciliano mais forte na Baixada Fluminense e Molon espalhado pela capital e Região Serrana”.

Segundo Motta, outro aspecto que favoreceu o candidato do PL é a fragmentação da esquerda em duas candidaturas: “Molon não aceitou o acordo nacional firmado pelo PT com Marcelo Freixo de apoio ao Ceciliano para o Senado. Não se fez no Rio, por exemplo, o que fizeram Fernando Haddad e Márcio França em São Paulo. Essa divisão fez com que a candidatura do Romário não fosse sequer ameaçada ao longo da campanha”, diz. Além disso, Romário tem “certa fluidez” que o permite até mesmo angariar votos em que vai optar por Lula e Freixo: “Ele se apresenta como um candidato que apoia Bolsonaro, mas não expressa isso com afinco como Silveira ou com uma pauta agressiva nos costumes como é a de Clarissa, que hoje milita no campo do ultraconservadorismo”.

Para o cientista político, apesar da forte polarização que caracteriza tanto a disputa nacional entre Lula e Bolsonaro quanto a disputa estadual entre Freixo e Castro, o voto em Romário não tem o clássico corte ideológico: “Ele é o candidato da popularidade. Foi jogador dos principais times do Rio, à exceção do Botafogo, foi estrela do tetra na Copa do Mundo. Apesar da polarização das eleições para presidente e governador, esta eleição, se mantido o que preveem as pesquisas, está mostrando que Romário transcende a dicotomia entre esquerda e direita no Rio”.

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