Política

Inelegível e na mira da PF, Bolsonaro aposta as fichas em um de seus últimos recursos

Fora do poder e sob o risco de ser preso, o ex-capitão convoca sua teimosa base de apoio popular a ir às ruas. As chances de sucesso, contudo, minguaram

Anderson Torres, Jair Bolsonaro e Augusto Heleno em outubro de 2022. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Quatro dias após ser alvo de uma operação da Polícia Federal sobre a trama golpista de 2022, Jair Bolsonaro (PL) decidiu convocar seus apoiadores para um ato na cidade de São Paulo, em 25 de fevereiro. O objetivo seria se defender do que chama de “acusações imputadas à sua pessoa”. Na prática, há dúvidas sobre o que o ex-presidente espera obter da mobilização e o impacto que o evento pode gerar.

Conforme mostrou CartaCapital, não há consenso entre juristas sobre as chances de o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, decretar uma prisão preventiva de Bolsonaro. Este é, no entanto, um temor que acompanha o ex-capitão há bastante tempo, percepção evidenciada com a gravação de uma reunião ministerial de julho de 2022 tornada pública na semana passada.

Parte do mundo político entende que chamar um ato público logo após uma ação da PF autorizada por Moraes representa uma afronta ao Supremo. Para o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, no entanto, não há provocação. “Vinga a liberdade de ação e expressão”, disse à reportagem.

Quantas pessoas estão dispostas a ir para as ruas defender o ex-presidente?

O jornalista Thomas Traumann, coautor do recém-lançado Biografia do abismo, avalia que a forma como Moraes tem conduzido as investigações demonstra que, em algum momento, a prisão de Bolsonaro será decretada.

Agora, a reação do Bolsonaro é tentar mostrar algum tipo de força, dar um sinal: ‘se me prenderem, o País pega fogo’. O que ele quer é uma tentativa de demonstração de força, mas no fundo também de intimidação da Polícia Federal e do Supremo”, diz Traumann. “É a ideia de que, se houver uma determinação de prisão, o País entra em uma conturbação social que o desestabiliza.”

Com a experiência de porta-voz da Presidência da República e ministro da Secretaria de Comunicação Social sob Dilma Rousseff (PT), Traumann também destaca um objetivo político mais imediato para Bolsonaro: não perder o controle da oposição.

Assim, o ato de 25 de fevereiro não seria apenas um recado ao Supremo, mas a figuras como os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ronaldo Caiado (Goiás), que buscam herdar o comando do antipetismo com a inelegibilidade do ex-presidente.

Não será simples, no entanto, mensurar o eventual sucesso da manifestação. Traumann relembra, por exemplo, os 125 mil presentes no 7 de Setembro de 2021 na Avenida Paulista, em São Paulo, marcado por um discurso golpista em que Bolsonaro atacou ministros e prometeu não cumprir decisões do STF.

“Isso é suficiente para meter medo no Supremo? Não sei. É suficiente para dar um sinal para outros candidatos de que eles têm de beijar a mão dele? Também não sei. É muito arriscado. Ele pode ele pode sair muito fragilizado desse processo.

Para Márcio Moretto, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidade da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, Bolsonaro passou a jogar com as cartas que têm nas mãos, uma vez que está fora do poder e inelegível, mas ainda conta com uma base popular.

“O que acho curioso é que não se trata mais de defender um projeto político. Ele apela para que as pessoas vão defendê-lo pessoalmente”, ressalta. “E esta é a questão: quantas pessoas estão dispostas a ir para as ruas defender o o ex-presidente?

O Monitor coordenado por Morettto é um projeto que investiga a polarização e suas consequências políticas e sociais, por meio de aplicação de pesquisas de opinião e análise de mídias sociais, entre outras metodologias.

Na avaliação do professor, além de enviar sinais ao Supremo, Bolsonaro tenta se projetar como cabo eleitoral relevante para as disputas municipais de 2024, demonstrando ainda ter capacidade de mobilização popular.

Além disso, reforça Moretto, em sociedades muito polarizadas – como a brasileira – as informações concretas não ajudam necessariamente a reduzir esse racha, mas têm o potencial de aprofundar as divisões.

“Será interessante olhar para as pesquisas de opinião, sobre quanto as informações, conforme são reveladas, jogam a população na direção de um consenso de que de fato houve um complô e uma conspiração pelo golpe de Estado – ou se, conforme a gente avança nas investigações, o que acontece é que aumenta ainda mais o fosso.”

Este é, de acordo com o professor, o cenário mais provável: enquanto se torna cada vez mais evidente que Bolsonaro tramou um golpe de Estado em 2022 e se aproxima uma punição, forma-se no horizonte não a percepção nacional de que aquela conspiração de fato ocorreu, mas “um agravamento do fosso das convicções políticas”. Seria esse, portanto, o sentimento que o ex-capitão buscaria ressaltar na manifestação de 25 de fevereiro.

Em artigo publicado no site de CartaCapital nesta quarta-feira 14, o cientista político Josué Medeiros chamou a atenção para o fato de que, mesmo inelegível, Bolsonaro continuará a polarizar a política brasileira com o presidente Lula (PT) em 2024 e, provavelmente, em 2026 – embora seja razoável supor que sua base de apoio diminuirá na comparação com o cenário de 2022.

Assim, analisa Medeiros, a tendência é que a popularidade de Bolsonaro leve público à Avenida Paulista no fim deste mês, mas em dimensão inferior ao que ocorreu nos últimos anos, uma vez que a extrema-direita não tem mais acesso ao dinheiro e à estrutura política que teve à disposição antes do 8 de Janeiro.

Os últimos dias evidenciaram que Bolsonaro teme (talvez mais do que nunca) ser alvo de um mandado de prisão. Longe do Palácio do Planalto, inelegível e alvo de diversas investigações – da conspiração golpista às joias sauditas, passando pelos cartões de vacinação –, ele aposta em um de seus últimos ativos para tentar emparedar o Supremo: uma base de apoio popular.

No feriado da Independência em 2021, após o já mencionado discurso de ruptura democrática na capital paulista, coube ao ex-presidente Michel Temer (MDB) tentar jogar água na fervura. Resta saber se, dois anos e meio depois e com uma relação ainda mais desgastada com o STF, Bolsonaro dobrará aquela aposta ou tentará apenas investir em sua imagem de suposto “perseguido”.

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