Política
Petrobras: Governo, Centrão e setor privado digladiam-se pelo controle da estatal
A política de preços contamina a inflação e faz da estatal um pepino para a reeleição de Bolsonaro


A Petrobras é tema de eleições desde a sua criação, em 1953, e neste ano não será diferente. É fácil entender o motivo. Trata-se da maior empresa brasileira, responsável por 4% do PIB, que explora uma riqueza pela qual se fazem guerras. Na campanha de 2010, o pré-sal havia sido recém-descoberto, debatia-se a melhor lei para extraí-lo e dividi-lo, enquanto a estatal realizava a maior capitalização da história. Em 2014 e 2018, a companhia foi estrela negativa, em razão da Operação Lava Jato. Em 2022, Jair Bolsonaro resgatará o clima de “roubalheira” na petroleira para tentar bater Lula nas urnas. E até sopra que a privatizaria, ideia que faz a cabeça do pré-candidato tucano João Doria Jr. A disposição bolsonarista e os planos lulistas para a política de preços da estatal, política que é um abacaxi para o presidente, a colocam no centro do debate nos próximos meses.
Com esse pano de fundo, as últimas semanas desencadearam uma guerra entre grupos do governo e da Petrobras pelo controle da companhia, que registrou lucro recorde no ano passado, de 106 bilhões de reais. A política de preços que garantiu esse ganho, atrelada às cotações internacionais do petróleo, castiga a população e a popularidade governamental, ao encarecer a gasolina, o diesel e o botijão de gás. Também serviu de pretexto para uma investida do “Centrão” liderada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, para mandar no pedaço, operação abençoada por Bolsonaro. Se os dois enxergam o efeito danoso da inflação nas chances do governismo nas urnas, igualmente tentaram aproveitar a chance para enfiar apadrinhados na estatal que trabalhariam por interesses privados. Seria uma derrota das alas fardada e neoliberal do governo e dos acionistas privados, apesar de o perfil dos apadrinhados sugerir que a política de preços não sofreria mudança radical.
FRACASSARAM OS PLANOS INICIAIS DE CIRO NOGUEIRA E ARTHUR LIRA DE COLOCAR AS MÃOS NA EMPRESA
Cheios de conflitos de interesse em razão de duas atividades privadas, os apadrinhados (o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, ex-dirigente da Petrobras, e o lobista Adriano Pires) não resistiram à sabotagem que uniu o ainda presidente da petroleira, o general Joaquim Silva e Luna, e acionistas minoritários. Após Landim e Pires desistirem da indicação para o comando do conselho de administração e presidente-executivo, respectivamente, a solução encontrada pelo governo foi deixar tudo do jeito que está. Na quarta-feira 13, a Assembleia-Geral da Petrobras examinará os nomes do engenheiro civil Márcio Weber para a vaga destinada a Landim e o do químico industrial José Mauro Ferreira Coelho, mestre pelo Instituto Militar de Engenharia, para aquela de Pires.
Coelho foi secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia de 2020 a 2021. Saiu no dia em que Bolsonaro anunciou um auxílio de 400 reais a caminhoneiros, que sofrem com o diesel caro, subsídio que levou alguns neoliberais a deixarem o Ministério da Economia. Weber é do conselho de administração desde abril de 2021, por designação do governo, e seus discursos ali o mostram alinhado aos rumos atuais da companhia, não só nos preços. No governo Bolsonaro, a estatal vendeu 138 bilhões de reais em ativos. Esse encolhimento busca restringir a empresa a uma mera exploradora e exportadora de petróleo, uma das razões para os preços caros da gasolina, entre outras pelo fato de a empresa ter reduzido os investimentos em refinarias. “Bolsonaro tentou entregar a Petrobras para os dois setores, que, por motivos diferentes, reclamam da política de preços: o Centrão e o mercado”, avalia o economista William Nozaki, diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás, a propósito das abortadas nomeações de Landim e Pires. O Centrão reclama de preços altos e o mercado, de reajustes “tímidos”. A paulada de 18% na gasolina, de 25% no diesel e de 16% no botijão de gás em março foi anunciada após 57 dias de congelamento. As nomeações de Coelho e Weber, prossegue Nozaki, “é uma vitória” dos defensores da atual política de preços, mas permitirá a Bolsonaro “ganhar tempo” na opinião pública até ficar claro que nada muda.
A política de preços contamina a inflação e faz da Petrobras um pepino para a reeleição do presidente. Do início dos reajustes quase automáticos, em 2017, ainda na gestão de Michel Temer, a 2021, a inflação foi de 28%. No período, a gasolina encareceu 80%, o diesel 72% e o botijão, 84%. O estrago foi particularmente grande no ano passado. Enquanto o IPCA atingia 10%, maior nível desde 2015, a gasolina subia 47%, o diesel 46% e o botijão, 37%. É uma situação que empobrece o brasileiro. Em dezembro de 2017, o salário médio dos trabalhadores era de 2.669 reais. No último mês de 2021, era 7% menor, 2.484 reais.
A maioria da população bota a culpa no governo pela alta dos combustíveis. Segundo uma pesquisa de março do Datafolha, 68% acham que a gestão Bolsonaro tem “muita responsabilidade” ou um “um pouco de responsabilidade” pela situação. O presidente é perdoado por 30%, aparentemente a parcela bolsonarista do eleitorado. A aprovação ao governo está entre 25% e 30%. As intenções de voto no capitão, em 30%. Números de dois levantamentos dos últimos dias, do Ipespe e da Quaest. Em ambos Lula lidera o primeiro turno com 45% e bateria o adversário por 20 pontos no duelo final.
*Fonte: Pesquisa Datafolha de março de 2022
**Fonte: Pesquisa PoderData de março de 2022
Bolsonaro queria uma Petrobras com preços mais controlados ao designar Silva e Luna em 2021, em substituição ao neoliberal Roberto Castelo Branco (que, aliás, será chefe da 3R Petroleum, que negocia a compra de ativos da estatal desde que o economista estava na Petrobras, caso clássico de “porta giratória”). Fracassou. O general, conta uma fonte da companhia, foi aliciado pelos acionistas privados, para os quais a empresa não é estatal e tem a missão de encher o bolso de quem detém seus papéis, não importa o custo para o País. Dos 106 bilhões de reais de lucro no ano passado, 101 bilhões serão distribuídos em dividendos. Quem embolsará? Do capital total da empresa, o governo detém 36%. O restante está em mãos privadas, 45% com estrangeiros. O general repete que a Petrobras não tem de fazer política pública nem pensar no social, isso é com o governo. É por causa desse aliciamento que Bolsonaro de vez em quando diz que seria melhor vender a petroleira. Livrar-se do problema: uma saída fácil.
O general “não entende” de petróleo e gás e a Petrobras “não dá satisfação a ninguém”, talvez seja melhor mesmo privatizá-la, declarou Arthur Lira após perder a batalha pelo controle da estatal. Um nome explica por que o apadrinhado dele, Pires, e o de Ciro Nogueira, Landim, foram bombardeados na Petrobras por “conflitos de interesse” e desistiram de assumir cargos lá. É o empresário Carlos Suarez, o “S” da OAS, empreiteira cujo ex-presidente, Léo Pinheiro, afirmou em delação premiada ter pagado no passado propina a Nogueira, motivo de o ministro ser investigado sigilosamente no Supremo Tribunal Federal. Suarez tem interesses no setor de gás. É dono, entre outras, da distribuidora Termogás e detentor de autorizações para construir gasodutos. É influente no Congresso, dizem parlamentares, tem acesso até no campo progressista. Uma força vista em duas votações no governo Bolsonaro, a da nova Lei do Gás e a da privatização da Eletrobras.
O GENERAL SILVA E LUNA NÃO FOI CAPAZ DE ENTREGAR O QUE BOLSONARO QUERIA: REAJUSTES MAIS CONTROLADOS DOS COMBUSTÍVEIS
No primeiro caso, Suarez arrancou benesses do relator no Senado, Eduardo Braga, do MDB, em dezembro de 2020, questionadas em público por deputados governistas. O empresário controla a Cigás, sociedade com o estado do Amazonas, terra de Braga. Em 2020, a Assembleia Legislativa amazonense aprovou outra legislação para o gás e o presidente da Casa na época, Josué Neto, do PTB, acusou Suarez de pagar suborno por ela. Servir para pagar propina e lavar dinheiro foram razões para uma conta de Suarez na Suíça ter tido 15 milhões de dólares bloqueados, descoberta da Operação Greenfield. O numerário depositado no banco suíço saiu de uma conta de Landim. Este é réu desde novembro de 2021 por uma denúncia da mesma Greenfield.
No caso da privatização da Eletrobras, apurou CartaCapital, Suarez foi um dos principais nomes consultados pelo relator na Câmara, o baiano Elmar Nascimento, indicado por Lira. Nascimento, do ex-DEM, obrigou o governo a tirar do papel usinas térmicas no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, um total de 6 mil megawatts. Ideia na contramão da energia limpa requerida cada vez mais nos tempos atuais. Essa ampliação das térmicas só vingará se a Petrobras investir em gasodutos que forneçam a matéria-prima. Com a nova Lei do Gás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, queria tirar a estatal do setor. Um dos estados onde a Termogás tem a ganhar com distribuição do produto é o Piauí, de Ciro Nogueira. Quando a lei da privatização foi votada no Senado, Nogueira era senador, não ministro, e emplacou uma incrível emenda “oral” que impôs o suprimento nacional das novas térmicas. A Petrobras produz 93% do gás.
Lula evocou a soberania em evento com petroleiros no Rio. A dupla Lira e Nogueira é insaciável – Imagem: Sindipetro NF e Michel Jesus/Ag.Câmara
O relator da privatização no Senado, Marcos Rogério, do ex-DEM, incluiu 2 mil megawatts de térmicas no Sudeste entre as obrigações do governo. Quem ganha? Um bom palpite é a Cosan, do empresário do agronegócio paulista Rubens Ometto. A empresa controla, em parceria com a Shell, a maior distribuidora de gás do País, a Comgas. Pires era consultor da Shell e da associação das distribuidoras de gás, a Abegás. O presidente da Abegás, Augusto Salomon, é da confiança de Ometto. Em 29 de março, um dia após o governo indicar Pires para a presidência da estatal, Salomon fez lobby pelo lobista. “Solicitamos, se possível, o apoio de V. Sas. e de pessoas próximas, com declarações positivas à indicação”, escreveu aos associados.
Se voltasse a ocupar o cargo que quase ficou com Pires, o economista José Sergio Gabrielli, comandante da Petrobras de 2005 a 2012, não tem dúvidas de sua primeira medida. Proporia ao conselho de administração outro plano estratégico, a fim de a empresa deixar de priorizar a exploração e a exportação de petróleo do pré-sal, foco definido no plano atual. O País, diz, precisa discutir o abastecimento interno de derivados de petróleo, ou seja, gasolina, querosene de aviação, diesel e gás de cozinha. “O Brasil só não vive um problema mais grave de preço dos combustíveis porque a economia está estagnada há vários anos”, afirma. “Qualquer soluço de crescimento vai bater na incapacidade das nossas refinarias de atender à demanda. Com os preços altos do petróleo lá fora, a situação aqui será pior, se não investirmos em refinarias.”
LULA, EM EVENTO COM PETROLEIROS: “O QUE FIZERAM COM A PETROBRAS FOI CRUCIFICAR A MAIS IMPORTANTE EMPRESA QUE NÓS TÍNHAMOS NO BRASIL”
Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, a Petrobras anunciou a intenção de vender oito refinarias. A maior, na Bahia, foi entregue no início de 2022 a um grupo árabe e agora cobra mais caro do que a Petrobras pela gasolina. Segundo Gabrielli, a estatal tem condições de duplicar a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, ainda inconclusa, e de iniciar a construção de uma nova, projeto de quatro a cinco anos. Pensar em uma Petrobras gigante, a atuar com distribuição de gasolina e gás natural, operadora de gasodutos, em suma, uma grande companhia de energia, não dá mais. A reorientação defendida para a empresa, com foco no mercado interno e na produção de derivados, exigiria, diz Gabrielli, “enfrentar o capital financeiro, porque o capital financeiro está dominando a Petrobras, através dos acionistas minoritários”. Recorde-se: estrangeiros detêm 45% das ações da companhia. Mas, prossegue ele, é possível fazer isso se o governo exercer o poder de controlador, algo que Bolsonaro não fez.
Exigiria também, possivelmente, contrariar o Tio Sam, aquele mesmo que se beneficiou da Lava Jato e da abertura da exploração do pré-sal a multinacionais. Um Brasil exportador de petróleo é do interesse dos Estados Unidos, como ficou claro com a guerra na Ucrânia. Em 10 de março, dois dias após Joe Biden proibir a importação de petróleo da Rússia, terceiro maior vendedor do mundo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, falou por videoconferência com sua homóloga norte-americana, Jennifer Granholm. E esta pediu ao Brasil que aumente a exportação petroleira.
Enquanto esteve preso pela Lava Jato, entre 2018 e 2019, Lula leu O Petróleo, de um historiador e especialista em energia, o norte-americano Daniel Yergin, livro que descreve como, desde a sua descoberta, em 1859, o óleo tem sido a causa de guerras pelo mundo, em geral com os EUA em uma das trincheiras. O petista tem estado irritado com a sua comunicação, por achar que ela tem sido incapaz de mostrar à população que a alta da gasolina e do diesel não resulta da guerra na Ucrânia, mas da política da Petrobras. Ele defende que a estatal tem de “abrasileirar” os preços. “O que fizeram com a Petrobras foi crucificar a mais importante empresa que nós tínhamos no Brasil, uma empresa que não era de petróleo, era muito mais que isso”, disse em um evento com petroleiros no Rio de Janeiro, no fim de março. “A Petrobras e a Eletrobras são dois patrimônios importantes que garantirão parte da soberania nacional. Por isso, a soberania vai ser um dos motes desta campanha.”
O governo corre para privatizar a Eletrobras até maio – Imagem: Saulo Cruz/MME
A Eletrobras está com a privatização a depender da última palavra do Tribunal de Contas da União a respeito do valor de suas ações. Na quinta-feira 7, o TCU realizou um debate sobre o tema, apenas com vozes pró-privatização. A Aeel, associação dos funcionários, foi vetada. O governo corre para se livrar do controle da empresa até 13 de maio, se não conseguir, aí só em agosto, no meio da eleição. E privatização, como se sabe, é sinônimo de tarifa mais alta. Lula e o PT têm deixado claro, de forma sutil, que vão tentar melar a privatização de alguma forma na Justiça, a fim de desencorajar os ricaços de olho na empresa. Eis uma das razões para certos empresários que jantaram com a presidente petista, Gleisi Hoffman, em 4 de abril, terem apontado depois à mídia, anonimamente, uma “radicalização” lulista.
No jantar, a Petrobras também foi assunto. No “mercado”, diz um analista político de uma firma da Avenida Faria Lima, há preocupação sobre o que um novo governo Lula faria na estatal. A julgar pelas ideias de economistas colaboradores da pré-campanha petista, haveria uma reorientação da empresa para o aumento da produção de derivados (gasolina, diesel, gás de cozinha). Haveria menos lucro no curto prazo (“abrasileirar” preços) e menos distribuição de dividendos aos acionistas, para que parte do dinheiro seja revertido em investimentos. “A Petrobras e a Eletrobras são pensadas para atender ao interesse nacional, não os acionistas, e um dos aspectos importantes nesse sentido é que elas podem servir para amortecer choques externos de preços”, afirma o economista Pedro Rossi, da Unicamp, colaborador da pré-campanha lulista.
Uma eleição de Lula significaria novo papel para a Petrobras, mas seria pouco para resolver a grande disputa existente desde o nascimento da estatal pela apropriação da riqueza que ela é capaz de gerar, na visão de Ildo Sauer, professor da USP especialista em energia e ex-diretor da Petrobras no primeiro mandato do petista. Segundo ele, entre os custos de produção e os preços médios de venda, a empresa gera cerca de 80 bilhões de dólares ao ano. Quatro grupos lutam por nacos da bolada: os acionistas (ganham com os lucros), os consumidores (ganham com preços mais baixos nos postos), o povo brasileiro em geral (origem do poder político) e as multinacionais (usam lobistas na mídia para desacreditar a Petrobras e tomar espaço e negócios dela). “Quem deveria se apropriar da maior parte desse excedente”, afirma Sauer, “é o grupo três, o povo brasileiro. Mas não há força política para isso. Nem com o Lula, que na verdade não quer mexer nisso.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O butim da Petrobras”
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