Política

O que está em jogo na disputa entre Maria do Rosário e Sebastião Melo em Porto Alegre

O PT busca atrair principalmente jovens eleitores. Já Melo conta com a eficiência dos bolsonaristas nas redes e o apoio de pastores

Maria do Rosário e Sebastião Melo, candidatos à prefeitura de Porto Alegre em 2024. Fotos: Mario Agra/Câmara dos Deputados e César Lopes/PMPA
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No início deste mês, a deputada federal Maria do Rosário (PT) anunciou sua pré-candidatura à prefeitura de Porto Alegre. Com o apoio de movimentos sociais, lideranças comunitárias e partidos de esquerda, ela busca ser a primeira mulher eleita para o cargo. Seu objetivo é também reacender o protagonismo de que o campo progressista desfrutou em décadas anteriores – Porto Alegre, vale lembrar, é a única capital brasileira governada pelo PT por quatro mandatos consecutivos, durante os anos 80 e 2000.

A deputada terá como principal rival o prefeito Sebastião Melo (MDB). Também neste mês, cercado por bolsonaristas e líderes de entidades de classe, Melo reafirmou seu desejo de reeleição e elogiou um modelo de cidade “inovadora” e “aberta a investimentos” – mas cujo resultado têm sido a precarização de serviços públicos e o aumento da desigualdade, sobretudo entre a população de regiões periféricas e segmentos vulneráveis. O exemplo mais cabal do problema ocorreu na última sexta-feira 26, quando um incêndio deixou dez mortos em um imóvel irregular. O prédio, que não possuía plano adequado de prevenção e proteção contra incêndios, recebia repasses mensais do governo de mais de 200 mil reais para abrigar pessoas em situação de rua.

Distante da época do orçamento participativo e do Fórum Social Mundial, o PT busca atrair principalmente jovens eleitores com propostas como tarifa zero no transporte, corredores verdes e investimentos culturais. A vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro por 53,5% a 46,5% no segundo turno em Porto Alegre sinalizou uma possível margem de crescimento para a candidatura de Maria do Rosário. No entanto, as pesquisas mais recentes indicam um favoritismo para a reeleição do atual prefeito. Conforme advertiu o cientista político Carlos Borenstein em um artigo recente, a tentativa do PT de nacionalizar a eleição local pode ter um impacto limitado. “O foco principal dos eleitores não será os governos de Lula ou do governador Leite, mas sim a administração de Melo.”

Melo, que prefere evitar debates de cunho ideológico, conta com diversos trunfos: a forte presença dos conservadores nas redes sociais, a alta rejeição a parte do eleitorado ao PT (e, mais especificamente, a Rosário), além de uma sólida aliança com pastores ligados à sua base. Apesar de sua intenção declarada de manter um tom mais moderado nos debates, a realidade do confronto promete ser intensa.

Desigualdade e especulação imobiliária

Dois estudos recentes mostram que, nos últimos anos, Porto Alegre se tornou a capital mais desigual da região Sul e também a mais segregada racialmente do País. “Isso é resultado do liberalismo radical adotado pelas últimas gestões”, critica o deputado estadual Matheus Gomes, do PSOL, o mais votado da cidade em 2022. Seu partido escolheu a sindicalista e ativista do movimento negro Tamyres Filgueira para compor a chapa com Rosário. As políticas de terceirização na saúde e educação, o enfraquecimento da rede de assistência social em contraste com o aumento da demanda, e a privatização do transporte público, cujas tarifas superam as do Rio de Janeiro e São Paulo, são citadas pelo parlamentar como causas desse quadro. A falta de vagas no ensino infantil é estimada em pelo menos seis mil matrículas, enquanto a fila para atendimento no SUS é a maior já registrada, refletindo-se em postos de saúde lotados e equipes médicas exauridas.

Empresários do setor imobiliário estão entre os principais financiadores da última campanha de Sebastião Melo

Milena Carvalho, pedagoga que vive na Lomba do Pinheiro, na zona leste da capital gaúcha, experimenta muitos desses problemas em seu dia a dia. “Os bairros periféricos são sempre esquecidos, as melhorias ficam nos bairros nobres. Com qualquer chuva falta luz e, quando faz calor, falta água. Não temos praças ou espaços de lazer e muitas ruas esperam por asfalto há anos. Os ônibus são velhos e as passagens, caras. Os terrenos onde a prefeitura poderia construir creches são utilizados para erguer condomínios”, critica.

A livre atuação de construtoras têm provocado mudanças significativas no perfil socioeconômico de várias áreas, além de profundas alterações ambientais – quilombos e reservas naturais estão entre as áreas mais visadas. Curiosamente, empresários do setor imobiliário estão entre os principais financiadores da última campanha do prefeito Sebastião Melo.

“Vende-se tudo que é possível, favorecendo grandes investidores e grupos aliados em detrimento das necessidades reais da população”, avalia a estudante de arquitetura da UFRGS Eduarda Bittencourt. Ela menciona exemplos preocupantes, como o Quarto Distrito e a Fazenda do Arado, uma antiga zona de preservação ambiental agora liberada para um grande projeto imobiliário, e o Parque Harmonia, onde centenas de árvores nativas foram derrubadas para dar lugar a um parque temático privado. “Muitas vezes, isso resulta na migração forçada da população devido ao aumento do custo de vida.”

Para os apoiadores das políticas da atual administração, esta fase é vista como um momento de desenvolvimento e oportunidades, sustentada por uma ampla coalizão de 14 partidos que têm garantido a aprovação sem entraves da agenda do executivo na Câmara de Vereadores desde 2021. “Estamos nos preparando para o futuro e impulsionando o empreendedorismo. Concedemos alvarás rapidamente, garantindo a segurança jurídica dos projetos, e diminuímos os impostos em 52 atividades, o que facilitou o retorno de empresas para a cidade”, defende o vereador e líder do governo, Idenir Cecchim (MDB). “O prefeito Melo é sempre presente, visita os locais quando necessário, mesmo que seja para justificar as limitações e admitir que não podemos atender a todos.”

Entretanto, esse otimismo contrasta com as tensões e os desafios. O tesouro municipal fechou 2023 com 243 milhões de reais em caixa, um indicativo de saúde financeira que não necessariamente reflete a qualidade dos serviços públicos.

Além dos desafios urbanos, a cidade enfrentou em 2023 a pior enchente em quase um século, com as águas do Rio Guaíba invadindo ruas e causando estragos generalizados. Outro tema sensível é o escândalo de corrupção na educação, revelado após a deterioração de livros e equipamentos pedagógicos. O caso culminou com a prisão da ex-secretária de Educação Sônia Rosa, acusada de envolvimento nas irregularidades.

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