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O franco-atirador

Há 40 anos Roberto Jefferson é protagonista das principais tragédias (e farsas) da República

O dirigente do PTB esteve na base de todos os governos, de Collor a Lula. Chegou a depor no caso do Mensalão de olho roxo. Agora, cobra a lealdade de Bolsonaro após quatro anos de bajulação ao atual mandatário - Imagem: Rooswelt Pinheiro/Ag.Senado/AFP, Ricardo Stuckert/Ag.O Globo e Redes sociais
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Após passar a noite na cadeia de Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, Roberto ­Jefferson jactou-se, na segunda-feira 24, durante a audiência de custódia, de ter efetuado cerca de 50 disparos de fuzil contra os policiais destacados para efetuar a sua prisão, no dia anterior. Diante da recusa do ex-deputado em abrir o portão de sua casa, no município de Comendador Levy ­Gasparian, a 160 quilômetros da capital, um dos agentes da Polícia Federal tentou escalar a estrutura trancada com um cadeado. Foi quando Jefferson apareceu na sacada com uma granada de efeito moral na mão e avisou que não se entregaria.

“Vocês estão juntinhos aí, vão se machucar”, alertou, antes de lançar o primeiro artefato. Nesse momento, os policiais correram para trás do carro. Outras duas granadas foram detonadas e, na sequência, o ex-deputado começou a atirar com seu fuzil calibre 5.56 mm, da marca Smith & Wesson. Equipados com pistolas Glock, os agentes mal conseguiram repelir o ataque. “Se quisesse, matava os policiais, pois estava em posição superior e com fuzil de mira”, disse Jefferson em juízo, na marota tentativa de converter o indiciamento por quatro tentativas de homicídio em mera acusação de lesão corporal. Feridos por estilhaços, o delegado Marcelo Villela e a agente Karina Lino foram socorridos em um hospital de Três Rios.

Quem conhece o temperamento de ­Jefferson não se surpreende com o ataque de fúria. Advogado criminalista, ele entrou para a política após fazer sucesso, no início dos anos 1980, em programas policialescos na extinta TV Tupi e na TVS, embrião do SBT de Silvio Santos. Elegeu-se deputado federal pela primeira vez há exatos 40 anos. Em 1985, destruiu a golpes de machado um painel instalado na Cinelândia, no Centro do Rio, por ter sido incluído como ausente na lista de votação dos parlamentares fluminenses sobre o projeto que concedia anistia aos civis e militares cassados pela ditadura.

Em fevereiro de 1986, como deputado da Assembleia Constituinte, foi acusado de entrar armado no plenário para tirar satisfações com o colega gaúcho Jorge­ ­Uequed, do PMDB, que teria ameaçado divulgar uma lista de envolvidos em irregularidades na Companhia Brasileira de Alimentos, na qual constaria seu nome. À época, Jefferson negou a ameaça, mas confirmou possuir uma coleção de armas.

Em 1992, o parlamentar fez parte da tropa de choque que tentou salvar o pescoço de Fernando Collor na CPI que investigou os crimes do presidente e de seu tesoureiro PC Farias. Jefferson criava as chicanas jurídicas para retardar o avanço da investigação, enquanto os demais integrantes do bando negociavam cargos no governo e em estatais para barrar o ­impeachment. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 25 de julho daquele ano, chegou a dizer que Collor era “vítima de uma campanha de derrotados e ressentidos”, a reger uma “opereta-bufa de um teatro policialesco sob as luzes fortes da mídia”. Logo ele, um perito na arte.

No governo-tampão de Itamar Franco, acabou citado como um dos beneficiários do esquema investigado pela CPI dos Anões do Orçamento. O relatório final da comissão foi, porém, inconclusivo sobre a evolução de seu patrimônio, apesar de terem sido encontrados alguns bens em seu nome não declarados à Receita Federal.

O ex-deputado foi da tropa de choque de Collor, acumulou escândalos, delatou o “Mensalão” e, agora, encarna o Rambo dos Trópicos

Governista de carteirinha, Jefferson integrou a base do tucano Fernando Henrique Cardoso e do petista Lula. Rompeu com este último em 2005, após ter o nome associado a um novo escândalo, investigado pela CPI dos Correios. Foi quando ­Jefferson denunciou à mídia o pagamento de mesadas a deputados em troca de apoio ao governo, clara manobra diversionista. O que se comprovou no escândalo do Mensalão foi a prática de caixa 2 de campanha, feita pelo PT e por partidos aliados, como o PTB de Jefferson e o PL de Valdemar Costa Neto, atual legenda de Jair Bolsonaro.

Réu confesso, o então deputado teve o mandato cassado pelos seus pares. Em juízo, admitiu ter recebido 4 milhões de reais do esquema. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal o condenou a 7 anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cumpriu 14 meses da pena em um presídio de Niterói, até ser beneficiado por uma decisão do STF, que o colocou em regime aberto em 2015. No ano seguinte, recebeu indulto. Em liberdade, o mensaleiro uniu-se aos probos líderes que defendiam o impeachment de Dilma Rousseff.

Após o afastamento da presidenta petista, ainda tentou emplacar a filha, ­Cristiane Brasil, como ministra do Trabalho de ­Michel Temer. A nomeação só foi anulada porque a deputada tinha condenações na Justiça do Trabalho e um juiz federal considerou que o fato violava o princípio da moralidade na administração pública. Diante do risco de a disputa judicial estender-se, o PTB topou indicar outro nome.

Jefferson incorporou o personagem de Rambo dos Trópicos após a vitória de Bolsonaro em 2018. Nas redes sociais, o ex-deputado passou a defender todas as maluquices do ex-capitão, a começar pelo armamento da população civil. Ele próprio montou o seu arsenal pessoal, e não hesitava em exibir nas redes sociais suas habilidades com pistolas e fuzis. Radicalizou tanto o discurso que passou a ser investigado no inquérito do STF que apura a organização de atos antidemocráticos. Em agosto do ano passado, foi preso novamente, após ameaçar o ministro Alexandre de Moraes. “A vida vai nos colocar frente a frente para que pessoalmente nós possamos resolver esse problema, se Deus quiser”, chegou a dizer, em áudio que circulou entre grupos bolsonaristas.

Transferido em janeiro deste ano para a prisão domiciliar, descumpriu várias restrições judiciais. Recebeu visitas, passou orientações a dirigentes do PTB, usou e abusou das redes sociais, compartilhou fake news a rodo. A gota d’água foi o ataque desferido contra Cármen Lúcia em recente vídeo, no qual comentava uma decisão da ministra sobre a remoção de informações falsas ou distorcidas veiculadas pela Jovem Pan. Chamou a magistrada de “Cármen Lúcifer” e a comparou a uma “prostituta arrombada”. Depois do tresloucado ataque aos agentes da PF, Bolsonaro agora tenta se desvincular do incômodo aliado, mas não será tarefa simples. Há dezenas de fotos da dupla dinâmica, inclusive no Palácio do Planalto, além de vídeos com mesuras do ex-deputado ao ex-capitão. Jefferson, que chegou a empregar Eduardo Bolsonaro na liderança do PTB na Câmara, deu o seu recado da cadeia: “Não aceitarei ser abandonado”.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O franco-atirador”

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