Justiça
Moraes cita o 8 de Janeiro e vota por responsabilização das redes sociais
Ministro disse que o modelo de negócios das big techs é agressivo e perverso


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, votou pela responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilegais publicados por usuários no julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Moraes classificou como inaceitável a alegação de “liberdade de expressão” como escudo para práticas criminosas. “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão”, afirmou. Ele acompanhou a tese apresentada pelo relator de um dos Recursos Extraordinários, Dias Toffoli, e apresentou algumas ressalvas ao voto.
Segundo o ministro, é necessário questionar o modelo atual das big techs, que se apresentam como meras empresas de tecnologia, mas atuam de fato como empresas de mídia e publicidade. “Temos que equiparar [com empresas de mídia]. Elas não são apenas depositárias neutras de conteúdos alheios. Elas editam, promovem, direcionam e lucram com isso”, declarou.
Moraes trouxe exemplos para ilustrar os perigos dessa atuação desregulada, como a organização de atos golpistas em 8 de Janeiro, a disseminação de convocações para a chamada “Festa da Selma” e o uso das redes em ataques a escolas. “Por que temos que aceitar crimes nas redes sociais sob a falsa alegação de liberdade de expressão?”, disse.
O ministro questionou a eficácia da autorregulação das plataformas, que classificou como falha ou inexistente, especialmente em casos envolvendo crianças e adolescentes. “Estamos falando de conteúdos de automutilação e autolesão. Nem para isso a autorregulação funciona. O que acontece nas redes com jovens é mais do que criminoso, é abominável”, afirmou.
Moraes também criticou o que chamou de “modelo de negócio agressivo e perverso” das plataformas, e rejeitou a ideia de que essas empresas possam impor suas regras ao ordenamento jurídico brasileiro. “Temos que nos perguntar se as big techs podem impor a todos os países, inclusive ao Brasil, um modelo contrário à nossa Constituição e à nossa legislação, apenas porque são multinacionais”, pontuou.
O ministro ainda defendeu a regulamentação mínima, mas necessária, da atuação das redes sociais. “Não se trata de censura, mas de cumprimento dos preceitos constitucionais. Racismo, homofobia, nazismo, agressão a crianças, incitação ao golpe de Estado: tudo isso deve ser combatido. Ignorar esses crimes em nome de uma suposta liberdade absoluta de expressão é defender uma entidade mitológica que não existe em nenhum Estado Democrático de Direito.”
Maioria formada
O julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet teve maioria na quarta-feira 11, após voto de Gilmar Mendes.
Dentre os votos, o ministro Dias Toffoli foi o mais enfático ao declarar a inconstitucionalidade total do artigo 19, propondo que as plataformas possam ser responsabilizadas sempre que, após notificação extrajudicial, não removerem conteúdos ofensivos ou ilegais em prazo razoável.
Luiz Fux seguiu caminho semelhante, mas adicionou que conteúdos como discurso de ódio, racismo, apologia ao golpe de Estado e pedofilia exigem remoção imediata, por serem evidentemente ilícitos.
Luís Roberto Barroso adotou um modelo intermediário, mantendo a exigência de ordem judicial para crimes contra a honra, mas permitindo a retirada extrajudicial em casos graves, como terrorismo, tráfico de pessoas ou incitação ao suicídio. Também defendeu que as plataformas devem ter um “dever de cuidado” sistêmico, sob pena de responsabilização por falhas recorrentes.
Flávio Dino propôs uma estrutura de responsabilização proporcional, com foco em falhas sistêmicas das plataformas, e defendeu regras claras de autorregulação com supervisão da Procuradoria-Geral da República.
Cristiano Zanin, por sua vez, sugeriu três critérios para guiar a atuação das empresas: remoção imediata em caso de crime evidente, proteção das plataformas neutras e isenção quando houver dúvida razoável sobre a legalidade do conteúdo.
Já Gilmar Mendes propôs que o artigo 19 se aplique apenas em situações específicas, como crimes contra a honra e conteúdos jornalísticos, defendendo que a análise nesses casos deve caber ao Judiciário. Já em outras hipóteses, as plataformas devem ser responsabilizadas caso não removam conteúdos ilícitos após notificação extrajudicial.
O único a divergir até agora foi o ministro André Mendonça, que defendeu a plena constitucionalidade do artigo 19 e alertou para riscos de “censura” e “violação à liberdade de expressão”.
O julgamento ainda não terminou, mas a maioria formada sinaliza uma virada no modo de funcionamento das redes sociais no Brasil, com possíveis impactos diretos nas práticas de moderação das big techs.
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